Por Afrânio Silva Jardim.
COMEÇAMOS PELA SEGUINTE REFLEXÃO:
Tudo, em grande escala, acaba virando “político”.
A vaidade das pessoas sempre prejudica algo que poderia ter sido socialmente útil.
A ambição de poder acaba por prejudicar os comprometimentos éticos.
A “necessidade” de atingir resultados veiculados pela mídia acaba prejudicando o ideal de justiça.
Quando já se tem um objetivo predeterminado, o Direito passa a ser um obstáculo, que precisa ser “contornado”.
Quando o Ministério Público faz o papel de polícia passa a sofrer as mesmas críticas, procedentes ou não.
Quando o poder judiciário está do lado da polícia e do Ministério Público, objetivando combater crimes, o Estado de Direito não se faz presente.
Impunidade para:
1) Empresários delatores;
2) Doleiros delatores;
3) Diretores e Gerentes da Petrobrás delatores;
Punição para: (alguns estão presos sem condenação transitada em julgado)
1) Políticos não delatores.
2) Pessoas ligadas a alguns partidos políticos, não delatoras.
Só da empresa Odebrecht são cerca de 70 corruptores ativos (autores ou partícipes), que ficarão praticamente impunes pelas delações que foram homologadas apressadamente pela presidente do S.T.F., quando da morte do Ministro Teori Zavascki.
Por incrível que possa parecer, aceitou-se a execução de pena (ainda que branda e para beneficiar os criminosos) sem sentença condenatória. Deve ter sido por descuido, mas aceitou-se execução penal por título extrajudicial (acordo de delação premiada) !!!
O ex-presidente da construtora Odebrecht, empresário que teria praticado uma das maiores corrupções ativas do continente (e diversos outros crimes), só vai ficar preso até o final do ano. Depois, “cumpre pena” em regime aberto, embora condenado a pena superior a 20 anos de reclusão !!!
Mais escandalosa ainda foi a impunidade dos irmãos Batista e demais executivos da JBS. Sequer vão ser indiciados em inquéritos policiais e, por isso mesmo, não serão processados criminalmente. São beneficiados por um acordo de cooperação premiada absolutamente inusitado. Apesar de confessarem cerca de duas centenas de crimes graves, estão livres de qualquer atuação persecutória do Estado !!!
Em conclusão: para a Lava Jato, o importante é punir alguns políticos, mesmo que, para isso, tenha de deixar praticamente impunes os corruptores diretos, vale dizer, aqueles que realmente praticaram as condutas penalmente típicas (notem que muitos dos políticos não praticaram o ato de corrupção, mas são partícipes pois, para elas, contribuíram de alguma forma).
Criminalizaram a política e a própria atuação parlamentar. Falar contra a Lava Jato ou apresentar determinados projetos de lei ou emendas aos projetos, que já estejam tramitando, podem ser consideradas ações de “obstrução de justiça” ou de corrupção em favor de empresas ou segmentos empresariais.
Conduções coercitivas de investigados sem descumprimento de prévia intimação, conforme dispõe o art.260 do Código de Processo Penal, passou a ser ilegalidade corriqueira e pública, bem como foram subvertidas inúmeras regras sobre a competência no processo penal, criando-se “juízos universais”, ao arrepio do chamado “juízo natural”. Vale dizer, o exame sobre a competência dos órgãos jurisdicionais passou a ser algo secundário. Trabalha-se com o chamado “fato consumado” …
Cabe ressaltar, ainda, o vazamento de elementos probatórios sigilosos, escutas de telefones de advogados de réus, divulgações de conversas interceptadas ilegalmente, divulgação de escutas telefônicas de natureza pessoal e desvinculadas dos fatos em apuração na Lava Jato, e alguns outros excessos, esta semana reconhecidos publicamente pela Sub-Procuradora Geral da República, Dra. Ela Wicki.
Assim, em nome do combate à corrupção, deu-se uma pausa em nosso combalido Estado de Direito, com apoio expresso ou implícito dos tribunais de segundo grau e superiores. Fala-se em “regras especiais para situações excepcionais” (sic), argumentos muito usados pelos regimes totalitários.
Estes acordos de cooperação premiada (delação premiada) estão subvertendo todo o nosso sistema penal, permitindo que o Ministério Público e os réus ou investigados criem penas e regime de cumprimento de penas não previstos em nosso Direito Penal e na Lei de Execução Penal. Estão criando prêmios não previstos na lei n.12.850/13, (Lei do Crime Organizado).
Na prática, o Direito Penal passou a ser objeto de negociação, sem critérios previamente definidos. Poder quase ilimitado, do qual alguns membros do Ministério Público se apropriaram. Fazem insólitos acordos, transformando penas superiores a 20 anos de reclusão em prisão domiciliar; criam regimes de penas não existentes na nossa legislação e estabelecem limites de penas para processos diversos, que devem ficar suspensos (sic). É a consagração do combinado sobre o legislado em nosso sistema de justiça criminal.
Disseram que a Lava Jato já resultou em um total de penas de prisão superior a 1.300 anos (parece que não existem mais, no Brasil, o crime continuado e o concurso formal de delitos, bem como confundem atos de execução com conduta criminosa). O que não dizem é que, destes 1.300 anos, cerca de 1.150 anos de prisão foram convertidos em prisões domiciliares ou ” tornozeleirinhas eletrônicas” (confesso que não fiz os cálculos exatos, por isso, usei a expressão ” cerca”).
Com a Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e a grande imprensa juntos, do mesmo lado, não teremos jamais um verdadeiro Estado Democrático de Direito. Estamos ficando sem saída …
A utilização da grande imprensa para influenciar, de forma acrítica, a opinião pública lembra os antigos métodos fascistas. A população, que desconhece as regras que compõem o nosso sistema de justiça criminal, passa a entender que tudo está sendo feito corretamente, sendo que o mais importante é “combater a corrupção” e julga que isto efetivamente está ocorrendo.
Isto fica ainda mais evidente com o lançamento de um filme sobre a “salvadora e messiânica” atuação persecutória daqueles que atuam na Lava Jato. O maniqueísmo do filme chega a ser gritante e primário: é o bem contra o mal. Para combater o mal, os fins justificam os meios …
Delegados, Procuradores da República e magistrados compareceram festivos e vitoriosos à pré-estreia do citado filme, aparecendo como heróis de uma batalha vencida, com ampla cobertura da imprensa. Vale dizer, eles comemoram o resultado a que, desde a origem, desejavam chegar. Imparcialidade é um mero detalhe, pois os juízes assumiram de que lado estavam …
Esta “parceria” com a mídia foi estratégica e já tinha sido elogiada pelo juiz Sérgio Moro em conhecido e antigo trabalho acadêmico, amplamente divulgado, no qual ele faz uma análise elogiosa da conhecida operação “Mãos Limpas”, ocorrida na Itália. Tudo isso levou a uma “politização” da “nossa” operação Lava Jato e trouxe para as instituições nela envolvidas a divisão ideológica que se instalou em nossa sociedade.
Desta forma, contaminados psicologicamente por estes fatores estranhos ao nosso sistema jurídico, os protagonistas desta operação Lava Jato (onde sempre se inclui o Poder Judiciário) passam a suspeitar de determinadas pessoas conhecidas no cenário político e vão buscar a comprovações de seus supostos crimes. Vale dizer, escolhem os “criminosos” para depois descobrir seus delitos, tudo com base em meros indícios, muitos dos quais absolutamente artificiais. A imprensa, sempre previamente informada, dá ampla divulgação a estas suspeitas e o mero investigado já fica “condenado” e execrado perante a opinião pública.
Ademais, os tribunais, que somente são acionados algum tempo depois do que acima narramos, ficam constrangidos em desconstituir alguns atos abusivos já realizados, seja porque se sentem pressionados pela imprensa e pela opinião pública, seja porque estão ideologicamente comprometidos com a “messiânica” operação Lava Jato.
Julgo que tudo foi consequência de um projeto pensado com bastante antecedência e fruto de acordos prévios com alguns órgãos da nossa grande imprensa e alimentado por informações vindas de fora de nosso país. As motivações foram múltiplas, inclusive políticas e econômicas. Muitos foram ingênuos, e assim permanecem até hoje, por não disporem de uma consciência crítica e se moverem por impressões superficiais e messiânicas. São jovens que não compreendem os processos sociais e carecem de cultura e maturidade.
Enfim, voltando ao prisma jurídico, vale a pena repetir: quando polícia, Ministério Público, juiz de primeiro grau e membros dos tribunais se colocam todos de um mesmo lado – combater determinados crimes – deixa de existir o salutar mecanismo de controle entre estas instituições.
Desta forma, o processo penal passa a ser um mero expediente para legitimar condenações desejadas previamente. Assim, as garantias próprias do Estado de Direito restam afastadas.
Fonte: Empório do Direito.