“Latifundiários brasiguaios querem derrubar Lugo”

Por Dario Pignotti.

“Esta matança de campesinos aconteceu como resultado de um processo de violência policial instigado pelos latifundiários descontentes com o presidente Lugo, ele não é querido pela direita e pelos grandes produtores brasileiros. Latifundiários brasileiros como Tranquilo Favero, o produtor de soja mais rico de Paraguai, estão interessados em desestabilizar o governo, eles querem que Lugo caia” declarou Martín Almada, o mais importante representante do movimento dos direitos humanos paraguaio.

Onze campesinos sem terra foram assassinados na sexta-feira passada em uma fazenda próxima à fronteira com o Brasil, onde está aumentando a tensão em paralelo às reivindicações e ações diretas pela reforma agrária. O enfrentamento entre policiais e lavradores deixou sete agentes mortos, entre eles os chefes do Grupo de Operações Especiais, uma espécie de BOPE paraguaio, só que sua tarefa não é reprimir favelados como no Rio de Janeiro, mas os peões rurais que, depois que Lugo chegou ao governo, em 2008, aumentaram seu nível de organização e decisão de luta, depois de décadas de submissão diante do jugo da ditadura de Alfredo Stroessner.

“Nós sabemos por nossa longa experiência sobre como se descarrega a violência do Estado contra a população, que estes fatos nunca estão isolados de uma intencionalidade política maior. Quais são os fatores em jogo agora? O que está mais evidente é cooptar os sem terra para que deixem de desafiar o poder estabelecido no campo e, além disto, vemos uma manobra para desestabilizar o presidente Lugo. O latifúndio e os grandes produtores de soja brasileiros estão muito interessados em que Lugo não possa chegar a 2013, quando deve acabar seu mandato”, disse Almada por telefone à Carta Maior, desde Assunção.

Almada, prêmio Nobel da Paz alternativo, é uma figura chave na luta pelos direitos humanos. Foi ele quem, na década de 90, descobriu os Arquivos do Terror, a partir dos quais pode ser reconstruída a rede terrorista que a ditadura de Stroessner e os regimes de fato sul-americanos formaram nos anos 70, quando surgiu a Operação Condor.

“Nunca vai se saber, porque temos uma justiça cúmplice dos poderes estabelecidos, quem esteve inspirando este massacre, o que nós sabemos sim é que tem gente beneficiada com este clima de instabilidade política e violência. O empresário do agronegócio Tranquilo Favero, um brasiguaio que fez fortuna graças aos favores que recebeu de Stroessner, é um personagem que todos suspeitam que joga forte pela desestabilização”, observa Almada.

“O que está claro é que esta barbárie leva água ao moinho da direita, justifica a mão de ferro da polícia e torna mais viável o golpe de estado branco que seria um possível julgamento político de Lugo, para que se veja obrigado a renunciar e, em seu lugar, assuma o vice-presidente Federico Franco, um político muito reacionário”.

Na história paraguaia ditadura e latifúndio, correspondem ao verso e reverso da mesma moeda.

Segundo um relatório da Comissão de Verdade e Justiça do Paraguai, centenas de milhares de hectares de terras fiscais foram distribuídas pelo regime de Stroessner entre militares e membros da alta burguesia, uma anomalia que foi objeto de revisão por parte das autoridades desde 2008, o que incentivou as reivindicações das organizações de sem terra, como os que ocupavam a fazenda da localidade onde aconteceu o massacre da semana passada.

A Coordenação Nacional das Terras Irregulares conta com documentação sobre os fazendeiros cujas propriedades são irregulares por terem sido originadas na entrega de terrenos fiscais.

Um dos acusados de ter se apropriado de milhares de hectares que eram públicos é precisamente o brasileiro nacionalizado paraguaio Tranquilo Favero, que não oculta sua simpatia pela repressão de campesinos “ignorantes”, como ficou comprovado em declarações formuladas neste ano e que provocaram um escândalo.

“Diplomacia você pode usar com pessoas cultas… só que… você sabe o dito popular que diz: a mulher do malandro obedece só com pau… tamos lidando com pessoas de tamanha ignorância que com diplomacia você não soluciona” disse o maior produtor de soja do Paraguai, nascido em Santa Catarina.

Quando Favero recomenda deixar de lado a “diplomacia” está falando, na verdade, de arquivar o chamado “protocolo da polícia” que consistia em uma série de negociações que os agentes deviam realizar com os sem terra antes de desalojá-los de um latifúndio ocupado.

Precisamente o novo ministro do Interior Rubem Candia Amarilla, designado por Lugo depois da matança, um político pertencente ao Partido Colorado, está tão identificado com o tema que pouco depois de assumir o cargo anunciou o fim do “protocolo” que obrigava a polícia a dialogar com os campesinos para evitar a violência.

O clima de hostilidade com os sem terra se intensificou nos últimos dias, quando a justiça ordenou a detenção de dezenas de sem terra e prendeu uma trabalhadora rural, disse hoje a campesina Magui Balbuena à Carta Maior.

“Temos relatórios de nossos representantes que estão no lugar do massacre informando que vários campesinos já foram levados à penitenciária de Coronel Oviedo ontem, onde tem uma mulher ferida com um filho de três meses que amamenta e a policia lhe tirou o bebê, ou seja, foi trasladada à prisão sem seu bebê de peito” denunciou Magui, da Coordenadora Nacional das Terras Irregulares.

Magui, assim como a Liga Campesina do Paraguai, denunciaram irregularidades nas investigações dos fatos que deixaram 11 lavradores mortos.

“Estamos longe de começar uma verdadeira investigação para o esclarecimento do acontecido, há indícios fortes de que a direita está metida em tudo isto para gerar uma crise política e truncar o desenvolvimento do processo que levamos adiante no Paraguai” afirma a militante.

Tradução: Libório Junior 

– Dario Pignotti – Especial para Carta Maior

Fonte: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=20388

Foto: http://www.opanoticias.com

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