Lançamento do livro Política e Vertigem, Ensaios sobre poder e luta política no Brasil do golpe de Javier Lifschitz

No mês de junho lançamos o livro Política e Vertigem, Ensaios sobre poder e luta política no Brasil do golpe pela editora Appris. No debate virtual de lançamento, estivemos presentes eu e Michel Misse, professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretor do Núcleo de Estudos em Cidadania, Conflito e Violência Urbana da UFRJ, que escreveu o prologo do livro.

O encontro foi instigante, segundo comentaram os participantes, porque contribuiu para a reflexão sobre os acontecimentos políticos recentes no Brasil, após um período de grandes perplexidades, com discussões voltadas para a conjuntura. Conforme assinalou Michel Misse no prólogo do livro, as reflexões “ajudam a vencer as dificuldades de articulação de diferentes saberes que precisam ser mobilizados para superar a perplexidade e começarmos a agir”.

Os 7 ensaios reunidos no livro referem-se ao período entre o golpe contra a presidenta Dilma Rousseff e a eleição de Jair Bolsonaro, um período marcado não somente por uma sequência de atos jurídicos irregulares e acordos parlamentares destituintes, mas por um profundo processo de transvaloração política, no sentido regressivo, que necessitou de múltiplos meios no campo significante para se realizar.

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No encontro de lançamento, que está disponível no Canal Youtube do Núcleo de Memória Política da UNIRIO, comentamos que muitos dos ensaios foram escritos desde o clamor das ruas, participando das manifestações e tentando captar e elucidar os acontecimentos políticos, muitos deles multitudinários, e como isso imbricou-se com aspectos mais estruturais, como a reflexão sobre as condições de emergência e enunciação do sujeito político.

Essa temática está presente em vários ensaios do livro, começando por As Manifestações de Junho e suas máscaras, onde se discute a irrupção de um sujeito político que se apresentava de modo enigmático. Ainda hoje se discute se essas passeatas foram atos inaugurais no campo da esquerda ou da direita. Dialogando com diversos autores, como Lévi-Strauss, Paul Singer, Alain Badiou, David Lloyd e outros, neste ensaio tentamos responder à pergunta: de que silêncio esse grito surgiu? Uma das pistas investigadas para responder a essa pergunta foi a máscara do Anonymus, portada por muitos dos manifestantes que participaram das passeatas ocorrias em 2013, e encontramos no teatro referências para pensar a diferença entre a máscara dramática e a trágica, para a partir de aí significar o sentido ficcional que atravessava a esse sujeito político.

Também observamos a forma dessas passeatas, que pareciam quebrar as clássicas mobilizações com grandes faixas na frente e uma consigna central. Nas passeatas de 2013 cada manifestante parecia portar seu próprio cartaz, carregando o símbolo de uma demanda especifica, como micro agenciamentos de demandas voltadas preponderantemente ao Estado.

A questão do sujeito político também está colocada no ensaio O avesso do golpe, que trata da experiência das Caravanas do PT. Uma invenção política, segundo o próprio Lula, as caravanas iniciam-se antes de seu primeiro governo, com sua participação e de um grupo de dirigentes políticos, jornalistas e intelectuais que se adentraram na realidade do Brasil profundo. Nas caravanas teria se gestado a enunciação de um novo sujeito político, que iria além da articulação das demandas dos trabalhadores organizados e do sindicato como matriz. As primeiras caravanas anunciavam novos laços políticos, que incluíam os excluídos, os sem direitos, e possibilitaram a escuta das demandas desses grotões esquecidos, que logo, já com Lula no governo, iriam se traduzir em políticas públicas.

O ensaio aborda ainda, em um momento muito diferente, marcado pela prisão de Lula, a questão do sujeito político e formas de resistência que foram se instituindo com os acampamentos, a forma-acampamento, um conceito que retomamos da saudosa antropóloga brasileira Ligia Segaud.

Os acampamentos foram a principal forma de ação dos movimentos sem-terra ao longo de sua trajetória, e isso implicava na capacidade de consolidar, em um território precário e nômade, a permanência de um coletivo, por muitos meses e as vezes até por anos. Durante a prisão de Lula, a lógica do acampamento se deslocou para outros espaços, como o acampamento da Vigília Democrática, que aconteceu em Porto Alegre. O mesmo aconteceria no acampamento de Curitiba, próximo ao local onde o presidente Lula estava preso, como destacou o professor Michel Misse, um acampamento que convocou contingentes muito heterogêneos de militantes e simpatizantes de diferentes locais do país, e inclusive do exterior, ao longo de meses.

No debate foram discutidos ainda outros temas presentes em ensaios do livro, como as ocupações de escolas nos anos 2015 e 2016, o movimento das mulheres e especificamente o #Elenão, e o movimento dos coletivos negros, que irromperam novamente na atualidade.

Enfim, uma grande diversidade de sujeitos políticos, que continuam pulsando. Uma pluralidade de sujeitos políticos que – como sintetizou Michel Misse – mantem uma unidade como luta por direitos. São movimentos e coletivos que não concorrem entre si, e se aproximam em vários momentos, como aconteceu no #Elenão e tantas outras mobilizações, como recentemente nas passeatas de Vidas negras importam, que mobilizaram até torcidas de futebol e coletivos antifascistas. Esses sujeitos políticos são pulsão de vida, e continuam construindo laços, ainda que na mais crua devastação.

O livro trata também de um outro lado da política no Brasil recente – a questão do poder, suas transformações e dinâmicas.

Muitos dos ensaios do livro estão interpelados por essa questão do poder, que é debatida a partir do conceito de maquina semiótica, emprestado da obra de Deleuze e Guattari. Transposto para a arena política brasileira o conceito se mostrou pertinente para identificar configurações inéditas e imprevisíveis quanto aos meios e articulações que foram operadas no contexto político. Aponta o livro como a montagem de máquinas semióticas, produtoras de sentido e articulando cadeias significantes de campos diferentes – a justiça, o Parlamento e a mídia – tiveram um potente efeito de torsão na ordem simbólica, promovendo o processo de deslegitimação de dois presidentes eleitos e do próprio Partido dos Trabalhadores.

Essa máquina atrelada à classe dominante, como se discute no ensaio Política e vertigem, teria operado uma verdadeira transformação do regime de temporalidade na política que se expressa na percepção comum que se tem de evaporação da conjuntura política, de realidades políticas tão mutáveis e cenários tão cambiantes, e na sensação de vertigem e de desorientação presente na política atua.

Como agir politicamente em um tempo acelerado? – nos perguntamos no debate. Michel Misse chamou atenção para a aceleração política que também envolveu a ascensão do nazismo e do fascismo. Ressaltou ainda o fato de que na atualidade os mecanismos da máquina semiótica se evidenciam no contexto atual de inúmeras denúncias e revelações. A pergunta permanece como um desafio para o campo progressista.

Por fim, outro tema discutido, foi o da dimensão espectral da política e as ditaduras na América Latina. Nos referimos ao modo como o livro de Jaques Derrida – Os espectros de Marx, esteve presente na elaboração do texto que fala principalmente sobre os testemunhos do terrorismo de Estado. Se discutiu sobre as diferenças entre países da América Latina quanto a esse tema e sobre o retorno do recalcado no Brasil com a volta dos fantasmas da ditadura.

Nota: O livro está disponível em versão e-book e impressa no site da editora Appris e em outros canais de venda como Amazon, Cultura, dentre outros.

Javier Lifschitz é doutor em Ciências Sociais; professor Adjunto da Faculdade de Ciências Sociais e do Programa de Pós-Graduação em Memoria Social da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro  (UNIRIO). Coordenador do Núcleo de Memoria Política da UNIRIO.

Artigo enviado pelo autor.

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