Por Daniel Giovanaz.
O programa Médicos pelo Brasil, criado por Jair Bolsonaro (sem partido) há quase dois anos sob a promessa de substituir o Mais Médicos, do governo Dilma Rousseff (PT), não saiu do papel.
Lançado em 1º de agosto de 2019 e instituído oficialmente pela Lei 13.958, de 18 de dezembro daquele ano, o programa de Bolsonaro nunca teve um edital de chamamento de profissionais de saúde.
O objetivo de ambos os programas, conforme descrito em lei, era o reforço da atenção primária de saúde no Sistema Único de Saúde (SUS) em municípios pequenos e remotos e em locais de vulnerabilidade.
O governo Bolsonaro jamais especificou tecnicamente em quais aspectos desejavam reformar o Mais Médicos, para além da criação de uma pessoa jurídica de direito privado que funcionaria como intermediário entre o Estado e os profissionais – a Agência para o Desenvolvimento da Atenção Primária à Saúde (Adaps).
Segundo o Ministério, em vídeo divulgado à época, o programa seria “mais atrativo para os médicos, que agora terão carteira assinada, FGTS, férias e 13º.” A relação entre as Adaps e o governo federal só foi regulamentada no último dia 15 de outubro.
Conforme resposta obtida pela reportagem via Lei de Acesso à Informação (LAI) na última quarta-feira (20), o Médicos pelo Brasil “ainda está em processo de implementação e, assim, até o momento, não houve edital de chamamento vinculado a este projeto.”
A informação foi enviada pela Coordenação-Geral de Provisão de Profissionais para Atenção Primária (CGPROP). A pasta esclareceu ainda que “o chamamento público para adesão de médicos que está sob vigência é regido pela Lei Nº 12.871, de 22 de outubro de 2013, que institui o Programa Mais Médicos.”
Atualmente, o Mais Médicos possui 15.839 profissionais em atividade em 4.164 municípios. Ou seja, Bolsonaro apresentou um nome e um logotipo novo, mas o programa nunca foi colocado em prática, mesmo na pandemia.
No início do mês, o Brasil de Fato mostrou que estados e municípios brasileiros convivem hoje com menor oferta para o atendimento primário da população, e que os novos editais de contratação abertos pelo Mais Médicos são insuficientes
A mais recente Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), feita em parceria pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) e pelo Ministério da Saúde e divulgada ano passado, aponta uma redução no número de visitas domiciliares mensais, por agentes de saúde, antes mesmo da pandemia. Em 2019, 38,4% dos domicílios cadastrados receberam ao menos uma visita; em 2013, eram 47,2%.
Intenção deliberada
Com discurso agressivo em relação aos profissionais cubanos, o capitão reformado nunca escondeu sua intenção de acabar com o programa Mais Médicos.
Antes mesmo de sua posse, o governo de Cuba determinou o fim da parceria e o retorno dos médicos à ilha caribenha, citando como justificativa as declarações ameaçadoras do presidente eleito no Brasil.
O primeiro ministro da Saúde de Bolsonaro, o ex-deputado federal Luiz Henrique Mandetta, se notabilizou em canais de extrema direita por seus discursos efusivos no Congresso Nacional contra o Mais Médicos.
Em uma audiência sobre o tema, em maio de 2013, o então deputado chegou a afirmar: “Estamos em uma ditadura”, ao se referir à proposta do Mais Médicos pelo governo Dilma.
Para a pasta responsável pelo programa, Mandetta indicou Mayra Pinheiro, médica cearense que havia participado de um protesto contra os cubanos no Aeroporto de Fortaleza (CE), durante a gestão Dilma. “Escravos” e “volta para a senzala” eram algumas das palavras de ordem daquele ato contra os médicos estrangeiros, em sua maioria negros, segundo reportagens da época.
Pinheiro, que logo receberia a alcunha de Capitã Cloroquina, integra o governo Bolsonaro até hoje e nega ter hostilizado os cubanos.
O Brasil de Fato perguntou ao Ministério da Saúde quais os entraves à elaboração de editais vinculados ao Médicos pelo Brasil, e em qual etapa do processo de implementação o programa se encontra, mas não houve resposta.