Crescem dificuldades da mineradora, ferida pela crise global das matérias-primas e desmoralizada por descaso em Mariana. Como reagir, diante de sua possível quebra?
Por Antonio Martins.
Como é fácil, na velha mídia, a vida dos grandes anunciantes. Conhecida por publicar com frequência publicidade de página dupla em jornais e revistas, e propagandas cinematográficas nas TVs, a Vale continua sendo vista, pelo público, como uma “campeã nacional”. Forte, estável, em expansão. Aos poucos, porém, as páginas econômicas – em geral folheadas por público reduzido – estão revelando outra realidade. A ex-estatal foi abalada por uma depressão global dos preços das matérias-primas. Valia, na virada do ano, R$ 58,3 bilhões – apenas 1/5 do que valeu há cinco anos. Continuou despencando nas últimas semanas, agora por motivos adicionais: a quebra de imagem, após o acidente com sua controlada Samarco, em Mariana e os risco de ter de pagar indenizações milionárias. Reconheceu oficialmente, nesta terça-feira, suas dificuldades de caixa. Há quem aposte que não sobreviverá.
O principal problema tem a ver com a economia internacional. Apontada falsamente como produto da “desaceleração chinesa”, uma nova tempestade econômica está se formando de modo acelerado no mundo. Propaga-se, no momento, por meio de uma queda abrupta das matérias-primas. Ontem, o barril de petróleo caiu abaixo de 30 dólares, pela primeira vez desde 2007 (valia US$ 110 há dois anos). Os minérios, fonte de riqueza da Vale, sofrem o mesmo. Em 2011, no auge da companhia, a tonelada de ferro custava U$ 68. Agora, caiu abaixo de U$ 40 e especula-se que continuará despencando.
A oscilação abrupta das cotações refletiu-se no surgimento e declínio das chamadas “superminas”. Fenômeno quase ignorado no Brasil, foi descrito numa reportagem recente de John W. Miller no Wall Street Journal, reproduzida pelo Valor. Escrito a partir de visita à supermina de cobre de Cerro Verde, no Peru, o texto descreve o que são estas estruturas. Ocupam enormes superfícies – neste caso, 610 quilômetros quadrados, duas vezes o município de Belo Horizonte. Consomem imensas quantidades de energia (Cerro Verde, sozinha, abocanha 9% da eletricidade produzida pelo Peru). Utilizam escavadeiras de última geração e escoam o minério por meio de dutos gigantescos (no Brasil, a supermina Rio Minas, da Anglo American, tem um minerioduto de 500 quilômetros, que causa enormes danos ambientais.
As superminas são resultado de um fenômeno que marcou a economia global nas últimas duas décadas. Houve altíssimo crescimento da demanda por minérios, impulsionada pelo emergência da China. Em consequência, as mineradoras fizeram elevadíssimos investimentos, contando com financiamento barato. Movidas pela busca de lucros, julgaram que o boom duraria para sempre. As inversões atingiram, em média, de 100 bilhões de dólares ao ano, a partir de 2007.
Mas estas imensas estruturas converteram-se, também, no pesadelo do setor. Precisam operar em capacidade máxima, a fim de gerar receitas suficientes para pagar os empréstimos levantados em sua construção. Ao fazê-lo, extraem uma quantidade de minérios muito maior que a demanda global, agora em crise. Estão à beira do prejuízo operacional. Cerro Verde gasta U$ 1,50 por libra de minério extraído, enquanto a cotação do cobre caiu para U$ 2 por libra. A Freeport, megamineradora norte-americana que comprou a mina do Estado peruano, sofreu perdas no último trimestre, após 15 resultados positivos seguidos. Tem dívidas de U$ 20,9 bi. Já anunciou que demitirá 10% de seus funcionários nos EUA e reduzirá os investimentos em 29%, este ano
No caso da Vale, o acidente de Mariana tornou tudo muito mais dramático, reconhece o Estadão em suas páginas econômicas. A perda de receita, com a interrupção das operações na Samarco, custará cerca de meio bilhão de reais, só em 2016. Mas os prejuízos são maiores. As pressões da opinião pública, obrigarão as autoridades a agir com muito mais cautela no futuro, na concessão de licenças ambientais a novos projetos. A Justiça levará anos para definir as indenizações – mas valor a ser pago pode ser bilionário; e a incerteza tende a afastar investidores.
Atingida, a empresa tenta, quase em desespero, uma saída. Não tem receita para fazer frente a obrigações de 3 bilhões de dólares, em 2016. Negocia com a japonesa Mitsui a venda de sua participação num grande mina de carvão em Moçambique. Assiste a novas quedas de suas ações, apontadas como mico internacional.
Sua eventual quebra colocaria o Brasil diante de um dilema interessante. Que fazer: permitir que seja adquirida por uma mega-mineradora global, ainda menos comprometida com os direitos sociais e a preservação ambiental no país? Socorrê-la com recursos que faltam aos serviços públicos? Ou seria a hora de ouvir os movimentos sociais que propuseram, já em 2007, a reestatização e reorganização completa da empresa?
Fonte: Outras Palavras