Por Mariama Correia.
Os pesquisadores do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis), da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), passaram meses analisando imagens oceânicas. Procuravam respostas para o maior desastre ambiental em extensão do país: o derramamento de mais de cinco mil toneladas de petróleo nas praias do Nordeste. Embora várias hipóteses tenham surgido desde que a primeira mancha foi avistada, em 30 de agosto de 2019, na Paraíba, até agora o governo federal não identificou os responsáveis pelos resíduos. Às vésperas de completar um ano da tragédia, a nova descoberta dos pesquisadores do Lapis aponta para o que pode ser uma explicação definitiva para a origem do óleo.
As imagens do satélite Sentinel-1, processadas pelo laboratório independente via sistema EumetCast da Eumetsat, uma organização alemã, mostraram um padrão anormal na costa ocidental da África, no segundo semestre do ano passado. Essa área não tinha sido analisada antes por falta de recursos técnicos. Os pesquisadores do Lapis acreditam que a mancha detectada seja um vazamento de óleo de 433,22 km quadrados, a aproximadamente 200 km da costa do país de Camarões, no chamado Golfo da Guiné. É um local de exploração de petróleo e tráfego intenso de navios.
“Ali existe uma confluência de correntes que poderia trazer o material para a costa do Nordeste”, explica Humberto Barbosa, pesquisador do Lapis.
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Os cientistas avaliaram dados da região de julho de 2019 até agora, montando um complicado quebra cabeça a partir da varredura do satélite, que captura três imagens do mesmo local por mês. As manchas aparecem na região analisada com intensidade, frequência e sempre muito próximas umas das outras. “O padrão de repetição indica vazamentos constantes”, observa Humberto Barbosa. Ele diz que, em julho de 2019, um mês antes do primeiro registro oficial de petróleo nas praias nordestinas, as imagens do Sentinel-1 já mostravam manchas que podem indicar vazamentos de óleo na costa africana.
“Ainda não podemos afirmar com certeza que o petróleo que chegou aqui veio dos vazamentos na África, mas é assertivo dizer que havia um derramamento constante naquela região, no ano passado. A intensidade das manchas diminuiu um pouco este ano, embora ainda apareçam com regularidade. Talvez em decorrência da pandemia, que refreou a atividade econômica”, considera o pesquisador.
Operações de exploração de petróleo realmente foram retardadas por causa da Covid-19. Em março deste ano, a petroleira Tower Resources declarou que as atividades na região dos Camarões – justamente a área identificada pela pesquisa – foram atrasadas em razão da emergência de saúde. Os cientistas do Lapis não citam a empresa britânica no estudo, nem apontaram nomes dos responsáveis pelo derramamento nesta fase da pesquisa, que ainda está em andamento.
Descoberta reforça investigações anteriores
A descoberta recente dos pesquisadores alagoanos se soma a outras teses levantadas anteriormente – inclusive pelo próprio Lapis – para explicar a origem do óleo que poluiu 1009 localidades em 130 municípios da costa brasileira, segundo o Ibama, incluindo alguns pontos no Sudeste. Uma das hipóteses era de que óleo teria vindo de um vazamento na Venezuela, considerando estudos da Petrobras e da Universidade Federal da Bahia, que apontaram o resíduo como sendo de origem venezuelana. Embora essa tese nunca tenha sido provada, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, culpou a Venezuela pelo crime ambiental durante pronunciamento em cadeia nacional. O governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) também fez uma solicitação formal à OEA – Organização dos Estados Americanos para que a Venezuela se manifestasse sobre o assunto.
Em outra linha de pesquisa, a região sul do mar da África – o golfo da Guiné fica naquela reentrância do continente no Oceano Atlântico, ao norte dessa região – foi apontada como a origem do derramamento do óleo pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mas essa explicação também não prosperou. No final do ano passado, o Lapis divulgou um estudo que apontava o navio-tanque Voyager I como suposto culpado pelo vazamento. O Sentinel -1 detectou uma mancha de aproximadamente 90 Km de extensão na costa do Rio Grande do Norte, que foi associada às atividades da embarcação, mas essa versão também terminou sendo refutada.
“Encontramos vários vazamentos durante a pesquisa do litoral, brasileiro, o que mostra que a poluição por óleo é algo mais recorrente do que se imagina. E que passa despercebida, na maioria das vezes, pelas autoridades de vigilância”, aponta Humberto. “Em um desastre ambiental sem precedentes, como o que aconteceu, os cientistas também estão aprendendo enquanto as pesquisas são conduzidas. Toda nossa metodologia precisou ser construída praticamente do zero. Agora, com dados acumulados de um ano, fomos capazes de estudar mais variáveis, inclusive considerando uma análise mais detalhada do fundo do oceano nesta nova pesquisa”, comenta.
No ano passado, a Polícia Federal também acusou o navio Bouboulina, da grega Delta Tankers, pelo crime ambiental, mas o Ibama desmentiu a participação da embarcação na CPI do óleo, no Congresso Nacional, que está suspensa.
Ainda em 2019, os pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, localizaram manchas de óleo no meio do Oceano Atlântico. Essa grande mancha estaria alinhada aos novos vazamentos encontrados na África pelo Lapis. “Pela localização, o material encontrado pela UFRJ pode ter vindo justamente da região africana que estamos estudando agora. Lá existe uma corrente oceânica chamada corrente de Benguela ou influência do Golfo da Guiné. A depender do período do ano, há uma confluência para o Nordeste do Brasil, que pode ter arrastado o material até aqui.”
Pesquisadores trabalham sem apoio do governo
As novas análises do Lapis já foram apresentadas à Polícia Federal, que ainda está analisando o material. O trabalho de ponta do Laboratório de Análise e Processamento de Imagens de Satélite (Lapis) é feito em uma universidade pública, mas de forma independente, quase sem recursos governamentais. “A gente conseguiu aprovar um projeto no Capes este ano para estudar epidemias na Amazônia com uma modelagem matemática. Nunca entrou recurso federal para a pesquisa sobre o óleo, embora o laboratório disponibilize informações ao governo brasileiro com objetivo de auxiliar as investigações”, conta Humberto.
Apesar da dimensão do desastre e do impacto ambiental que ele causou, até agora o governo federal lançou apenas dois editais para financiar pesquisas sobre o derramamento do óleo. O Lapis não foi contemplado no primeiro, mas ainda concorre ao segundo edital, lançado mês passado.
A infraestrutura do laboratório, que funciona desde 2006 em uma sala pequena da UFAL, com oito computadores e um sistema de recepção por antena parabólica, tem apoio de um financiamento da alemã Eumesat, uma organização intergovernamental para exploração de satélites meteorológicos. O pesquisador Humberto diz que o dinheiro cobre apenas treinamentos da equipe e que muitas vezes colocou dinheiro do próprio bolso para melhorar os equipamentos. Alguns reitores da UFAL também ajudaram destinando partes dos recursos da universidade para o laboratório.
“Por causa da falta de recursos, perdemos muito os estudantes. Nos últimos três anos, o corte de bolsas de pesquisa foi contundente. Alguns universitários continuaram conosco de forma voluntária, mas é difícil formar pesquisadores de alto nível nessas condições”, desabafa.
O Nordeste foi a região mais afetada pelo corte de bolsas de pesquisa da Capes pelo governo federal. No ano passado, as universidades nordestinas perderam 12% de suas bolsas. Pesquisas foram descontinuadas. “Se ciência produzida nos centros acadêmicos não é valorizada no Brasil, o reconhecimento dos cientistas do Nordeste é ainda menor”, diz o pesquisador.
Humberto acredita que se houvesse mais apoio para as pesquisas desenvolvidas nas universidades públicas, as respostas sobre o derramamento de óleo já poderiam ter sido encontradas. Ele acrescenta que, quase um ano depois do crime ambiental, pouco foi feito para evitar que novos desastres aconteçam. “Há uma vulnerabilidade muito grande das águas brasileiras. A gente não tem, mesmo com esse acidente, um sistema de proteção efetivo. Perdemos a chance de construir um sistema de ação coordenada, com os centros de pesquisa das universidades brasileiras, que só são acionados na hora que uma emergência acontece. Infelizmente, não estamos mais seguros do que estávamos em 30 de agosto de 2019.”