Cosmopolita e vanguardista, nasceu na Hungria, foi amiga íntima de Robert Capa desde a adolescência e, como ele, viajou para Espanha para apoiar a República. O museu Jeu de Paume de Paris apresenta uma antologia de 150 obras suas que resumem o trabalho de seis décadas da artista, que morreu no México em 2000. Alheia aos desejos de reconhecimento e fama de Capa e também com maiores ambições intelectuais, Homa preferiu explorar o surrealismo.
Ainda que outros e outras tenham ficado com a fama, talvez tenha sido a fotógrafa mais comprometida com a causa do povo espanhol que se levantou contra o golpe de Estado franquista. Kati Horna (1912-2000) nunca procurou receber medalhas como a mais valente e temerária durante a Guerra Civil: preferiu retratar homens, mulheres, crianças e anciãos que a viviam e a sua vida quotidiana atrás das frentes de batalha, tão dura e brutal em ocasiões como esta. Uma retrospectiva no museu Jeu de Paume de Paris mostra 150 obras desta incansável lutadora, cosmopolita e vanguardista, e como acrescento quase frívolo, a namorada a que mais quis o também fotógrafo Robert Capa.
A exposição parisiense, que tenta condensar os sessenta anos de trabalho de Horna, traça o passo ziguezagueante de uma fotógrafa nascida na Hungria como Kati Deutsch, filha de uma família de banqueiros, mas receosa das comodidades e privilégios de um futuro acomodado. Preferiu mudar-se: aos 19 anos viajou a Berlim para conhecer o escritor antifascista Bertolt Brecht, cujo alerta para os perigos do nazismo que estava a nascer a levaram a participar em manifestações e protestos de rua; depressa regressou a Budapeste, onde, seguindo os conselhos recebidos do eminente László Moholi-Nagy, professor da Bauhaus que também conheceu na Alemanha, aprendeu os rudimentos da fotografia como ajudante de József Pécsi
“O insólito quotidiano”
Em 1932, dado o avanço do nazismo na Hungria, fugiu para Paris, onde trabalhou fazendo fotos fixas em filmes e assinou as suas primeiras reportagens para a Agence Photo: várias séries sobre mercados de rua e cafés nas quais procurava capturar o que denominava de “insólito quotidiano”, dando aos objectos tanto valor como às pessoas e empregando um sentido agudo de humor, sobretudo em historietas que assinou a meias com o desenhador surrealista alemão Wolfgang Burger em que humanizaram frutas e legumes para os fazerem protagonistas de histórias de amor ou de parábolas políticas.
Cada vez mais comprometida com os ideais anarquistas, em 1937 viajou para Espanha a fim de retratar a situação das aldeias colectivizadas de Aragão, levada a cabo pela Confederação Nacional do Trabalho, a poderosa central sindical ácrata. Em Julho do mesmo ano entrou como redactora para a revista “Umbral: Semanário da Nova Era”, uma das melhor desenhadas e com mais atenção dada, naquele tempo, à fotografia, e colaborou também, com as publicações anarquistas Tierra Y Libertad, Tiempos Nuevos e Mujeres Libres.
“Uma operária da arte”
Horna, que documentou a guerra até à evacuação de Teruel e que se definia a si mesma como “operária da arte”, possui uma qualidade humana mágixa que coloca os seres humanos por cima das situações. Tanto as imagens de milicianos como as de civis – entre elas as suas famosas e ternas “mães combativas” amamentando os filhos – procuram a respiração, aparentemente impossível, de humanidade no meio da barbárie, que deixou transparecer com maior clareza nas colagens cruéis como a “Navidad em España”, 1937, em que os esqueletos expostos depois do bombardeamento de um cemitério estão acompanhados do texto: “Cristo abala e diz: ‘a partir de hoje já não sou eu o símbolo do sofrimento”
Um dos seus companheiro nas vicissitudes da guerra definiu Horna como “uma jovem com corpo de anciã, intransigente, mágica, intelegentissima, sábia, inesgotável, uma lutadora”. Outro, o fotógrafa Capa, a quem conhecia desde a adolescência, quando ambos viviam em Budapeste e quando ele ainda se chamava Endre Friedmann – adoptou o nome de Robert Capa para “americanizar-se”, costumava dizer, e “poder ganhar dinheiro” – lhe “tirou as medidas” com a insistência de qualquer mulherengo contumaz. Viveram uns meses de romance, interrompidos quando ela conheceu o amor da sua vida, o pintor andaluz José Horna, também colaborador de Umbral, com quem a fotógrafa se casou depois de fugirem ambos para o México em 1939.
Máscaras, fetiches e bonecos
No outro lado do Atlântico – para onde a seguiu o incansável Capa, que não se deu por vencido até que ela o teve que desiludir definitivamente -, a incansável Horna ligou-se aos surrealistas mexicanos, entre eles a grande Leonora Carrington. Continuou a fazer reportagens, mas começou a preferir temas menos descritivos, com muitas histórias onde procura o extraordinário através da presença de máscaras, fetiches e bonecos. Estas fotografias visionárias apaixonaram alguns dos criadores mais importantes do país durante a década de 60, desde a espanhola Remedios Varo até Alejandro Jodorowsky.
A retrospectiva de Paris contribuirá para o “reconhecimento internacional desta versátil e socialmente comprometida fotógrafa humanista”, dizem os organizadores, que destacam a “criatividade artística inusual” de Horna, a sua “contribuição para o fotojornalismo” e a inserção da sua obra nas vanguardas europeias da primeira metade do século, desde o construtivismo russo e a escola Bauhaus, até ao surrealismo e à nova objectividade alemã. A exposição divide-se em cinco períodos: os inícios em Budapeste, Berlim e Paris, entre 1933 e 1937; Espanha e a Guerra Civil; Paris novamente em 1939 e México.
Em 1979 Horna cedeu a Espanha 270 fotos tiradas durante a Guerra Civil. Algumas delas podem ver-se num bastante abandonado sítio da web dos arquivos nacionais. Mais frutífero é o ensaio “Kati Horna e a sua maneira quotidiana de captar a realidade”, de Alicia Sánchez Majorada (PDF).
“Vigiando depois do bombardeamento” – Milicianos vigiam objectos numa rua bombardeada. Em primeiro plano uma escultura religiosa. Fotografia de Kati Horna, Barcelona,1938
Fonte: Portal Anarquista