Por Francisco Fernandes Ladeira.
Historicamente, o fascismo é a alternativa do grande capital quando a chamada democracia burguesa não dá mais conta de manter os lucros e a exploração da classe trabalhadora. Portanto, toda luta antifascista é, inevitavelmente, anticapitalista.
Esta constatação básica não tem sido compreendida por boa parte da esquerda brasileira, que acredita ser a grande pauta do momento a oposição democracia versus fascismo. Como tal “democracia” é a burguesa, não faz sentido pensar em antagonismos entre duas faces da mesma moeda.
A (suposta) oposição democracia/fascismo do momento é a eleição presidencial estadunidense. Por lá, Donald Trump seria o fascismo, Kamala Harris a democracia. Até o presidente Lula caiu nesse engodo (o que, inclusive, contraria o próprio histórico da diplomacia brasileira em não se posicionar sobre assuntos internos de outros países).
Segundo os ideólogos da oposição democracia versus fascismo, se Trump for eleito, haverá um golpe bolsonarista no Brasil. Por outro lado, o atual governo da Casa Branca, do qual Kamala faz parte, evitou o golpe de Estado no Brasil em janeiro do ano passado.
Trata-se de um devaneio analítico que não resiste à realidade geopolítica. Os dois golpes de Estado que realmente ocorreram no Brasil, destituindo governos populares em 1964 e 2016, com amplo apoio de Washington, foram durante mandatos do Partido Democrata. Já a premissa de que Biden teria evitado um golpe por aqui não merece contra-argumento. É o mesmo que tentar conversar sobre o formato de nosso planeta com um terraplanista.
Como não poderia deixar de ser, a “esquerda Kamala” recorre ao argumento identitário para defender a candidatura democrata. “Ela é negra, é mulher”, costumam dizer.
No entanto, quando atuava no sistema de justiça, Harris rejeitou um pedido de teste de DNA de um homem negro no corredor da morte, que dizia ter sido condenado injustamente por assassinato.
Nos Estados Unidos, vidas negras importam. Mas só algumas; outras não.
Na campanha presidencial estadunidense, Trump e Kamala têm disputado sobre quem vai apoiar com maior ênfase o genocídio do povo palestino. Como a luta contra o sionismo é a principal pauta antifascista do momento, não faz sentido algum pensar que Kamala Harris, totalmente fechada com Israel, representa a democracia contra o fascismo.
Enfim, o que está em jogo nos Estados Unidos não é democracia versus fascismo. Se for para usar rótulos, na Terra do Tio Sam há uma disputa entre fascismo 1 e fascismo 2. Seja com Trump ou Kamala, o bipartidarismo ianque é a perfeita tradução política da expressão popular “trocar seis por meia dúzia”.
A opinião do/a/s autor/a/s não representa necessariamente a opinião de Desacato.info.
Francisco Fernandes Ladeira é Doutor em Geografia pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Licenciado em Geografia pela Universidade Presidente Antônio Carlos (Unipac). Especialista em Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Mestre em Geografia pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ).