Por Lilian Milena.
Jornal GGN – Em decisão liminar, o juiz Artur César de Souza da Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) suspendeu um Termo de Cooperação firmado entre a empresa Bayer, o Ministério Público do Rio Grande do Sul, o município de Porto Alegre, o Hospital de Clínicas de Porto Alegre e o Hospital Presidente Vargas para a colocação de um método contraceptivo de longa duração de introdução uterina (portanto interno) em adolescentes que estão em abrigos públicos.
O recurso foi interposto no tribunal pela Defensoria Pública da União (DPU), Defensoria Pública do estado do Rio Grande do Sul e a Themis Assessoria Jurídica e Estudos de Gênero. Essas mesmas entidades entraram com uma ação civil pública na 2ª Vara Federal de Porto Alegre que negou a tutela recursal contra a política contraceptiva.
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Os autores da ação explicam que a medida tem caráter discriminatório, uma vez sendo direcionada exclusivamente a um grupo vulnerável, ferindo assim direitos fundamentais de jovens sob a tutela do Estado.
O acordo entre a indústria farmacêutica Bayer, o MPF-RS, a prefeitura de Porto Alegre e os hospitais foi assinado em junho de 2018. Na época, a Associação Brasileira Rede Unida publicou um abaixo assinado para a suspensão do termo de cooperação. As motivações, pontuaram os críticos, são “de dimensões éticas, técnicas e econômicas”.
A entidade levantou que a proposta de implantação do SIU-LING (Sistema Intra Uterino Liberador de Levonorgestrel 20 mcg), ou seja, do produto comercializado pela Bayer, remonta às velhas políticas eugenistas de “controle de natalidade que vigoraram nas décadas de 1960 e 1970, e a experimentações com populações vulneráveis, com sérias implicações bioéticas”.
Eles pontuaram ainda que o produto contraceptivo é focado apenas no combate a gravidez indesejada e não permite proteção às Infecções Sexualmente Transmissíveis como HIV, hepatite e sífilis.
“Ações específicas de saúde sexual e reprodutiva voltadas para adolescentes pressupõe o acesso real a uma gama variada de informações sobre sexualidade, sobre o próprio corpo e, também, sobre os diversos métodos anticonceptivos e práticas de sexo seguro que estejam disponíveis”, escreveu a Associação Brasileira Rede Unida na época do abaixo assinado.
Por fim, a entidade mostrou que o SIU-LING é mais caro do que outros métodos disponibilizados no Sistema Único de Saúde (SUS). “Caso o SIU-LING fosse incorporado [pelo SUS], a estimativa de impacto orçamentário incremental seria de R$ 4,6 milhões no primeiro ano e de R$ 42,1 milhões ao final de 5 anos”, isso com base em valores de 2016.
A associação lembra que, naquele ano, a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologia para o SUS (CONITEC) emitiu relatório em resposta à Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO) recomendando a não aprovação do método contraceptivo da Bayer por falta de evidências de sua superioridade em relação aos outros métodos.
“A dimensão econômica remete claramente às diversas estratégias da indústria farmacêutica para a incorporação de suas tecnologias pelo SUS”, concluiu a entidade.
Na decisão que suspendeu o acordo de Cooperação com a prefeitura de Porto Alegre, o juiz Artur César de Souza apontou que as falhas do sistema local de saúde não serão sanadas por meio da implantação do novo dispositivo contraceptivo, ressaltando que “há uma negativa das adolescentes quanto à utilização daqueles já disponíveis e nada nos autos demonstra, minimamente, aceitação global da nova metodologia pelas jovens”.
Como a decisão de Souza é uma liminar, o mérito do tema será julgado pela 6ª Turma, que irá decidir em segunda instância se o acordo deve ou não vigorar. A data do julgamento ainda não foi marcada. Enquanto isso a ação civil pública segue tramitando na 2ª Vara Federal de Porto Alegre.