Juristas contra a prisão em segunda instância

Por Jader Marques.

Advogados, magistrados, defensores públicos, promotores de justiça, professores e representantes de várias entidades reúnem mais de três mil assinaturas contra a prisão em segunda instância.

Diversas entidades estão mobilizadas na reunião de assinaturas para uma NOTA EM DEFESA DA CONSTITUIÇÃO que será entregue aos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal contra possibilidade de prisão de condenados em segunda instância. O documento já reúne cerca de 3 mil assinaturas e mais 6 mil adesões por entidades. O movimento é encabeçado por entidades como a ABRACRIM – Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas, IGP – Instituto de Garantias Penais, IAB – Instituto dos Advogados Brasileiros, IDDD – Instituto de Defesa do Direito de Defesa, ABJD – Associação Brasileira dos Juristas pela Democracia, Sindicato dos Advogados do Estado de São Paulo, IBCCRIM – Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ANADEP – Associação Nacional dos Defensores Públicos, Defensoria Pública do Estado Rio de Janeiro, Defensoria Pública do Estado de São Paulo, Núcleo de Defesa Criminal da Defensoria Pública do Rio Grande do Sul – NUDECRIM/DPERS, ACRIERGS – Associação dos Advogados Criminalistas do Rio Grande do Sul, CAAD – Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia, ADJC – Advogados e Advogadas pela Democracia, Justiça e Cidadania, dentre outros.

As entidades pedem aos onze Ministros do Supremo Tribunal Federal que analisem imediatamente as Ações Declaratórias de Constitucionalidade nº 43 e 44, relativas à aplicação do art. 283 do CPP, que repete o disposto no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal que veda a prisão antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória. As ADCs estão à disposição da presidência do STF desde dezembro de 2017, sem previsão de entrar em pauta para análise.

O documento encaminhado à Corte Suprema é firmado pelos presidentes das entidades e por nomes como Juarez Tavares, Marcelo Neves, Geraldo Prado, Antônio Carlos de Almeida Castro (Kakay), Técio Lins e Silva, Lenio Streck, Alberto Zacharias Toron, Cezar Bittencourt, José Eduardo Cardoso, Pedro Carrielo, Kenarik Boujukian, Maíra Fernandes, Leonardo Isaac Yarochewsky, Roberto Tardelli, Elias Mattar Assad, Ticiano Figueiredo, Fábio Tofic Simantob, Bruno de Almeida Sales, Cristiano Avila Maronna, Fábio Mariz, Luís Carlos Moro, Cezar Britto, Caroline Proner, Valeska Teixeira Zanin Martins, Gisele Cittadino, Marcelo Nobre, Michel Saliba, Amilton Bueno de Carvalho, Miguel Pereira Neto, Cristiano Zanin Martins, Aldimar Assis, e Juliano Breda, entre outros.

“As decisões posteriores dessa mesma Casa mostram a fragilidade da decisão, gerando insegurança jurídica e ausência de isonomia entre os pacientes, a depender de qual dos 11 juízes analise seu caso concreto”, diz o documento que acompanha agora o abaixo-assinado.

Para entender o caso

Em 2009, o STF havia decidido, por ampla maioria, que as eventuais prisões só poderiam ocorrer após o trânsito em julgado. No entanto, em 2016, por seis votos contra cinco, os ministros decidiram pela possibilidade de prisão em segunda instância. A partir daí, diversas entidades se uniram para subscrever as ADCs 43 e 44, sublinhando a previsão constitucional da presunção da inocência.

ÍNTEGRA DA NOTA:

Nota em Defesa da Constituição 

Advogados/as, defensores/as públicos/as, juízes/as, membros do Ministério Público, professores/as de Direito, e demais profissionais da área jurídica abaixo subscritos vêm, por meio da presente nota, em defesa da Constituição, bradar pelo respeito aos direitos e garantias fundamentais, notadamente da presunção de inocência, corolário do Estado Democrático de Direito.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 consagra, em seu texto, o direito à liberdade (artigo 5°, caput, da CR/88), direito esse que transcende a própria realidade humana. O respeito à dignidade humana é um dos fundamentos do Estado Constitucional.

No título que trata dos direitos e garantias fundamentais – cláusula pétrea – a Constituição da República proclama que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (art. 5º, LVII, CRFB).

Ninguém, absolutamente ninguém, será considerado culpado enquanto não esgotado todos os recursos. Daí decorre que, exceto nos casos de prisão em flagrante ou prisão provisória (temporária ou preventiva), uma pessoa só poderá ser presa depois de uma sentença condenatória definitiva (quando não houver mais possiblidade de julgamento). Gostemos ou não, a Constituição da República consagrou o princípio da presunção de inocência. De qualquer modo, qualquer outra interpretação pretendida equivale a rasgar a Constituição. No dizer de Ulysses Guimarães, “o documento da liberdade, da democracia e da justiça social do Brasil”.

O STF (Supremo Tribunal Federal) já decidiu que a prisão cautelar, que tem função exclusivamente instrumental, jamais pode converter-se em forma antecipada de punição penal.

Assim, à luz do princípio constitucional, são inconcebíveis quaisquer formas de encarceramento decretado como antecipação da tutela penal, como ocorre na hipótese de decretação da prisão em decorrência da condenação em segunda instância – hipótese odiosa de execução provisória da pena – em que a prisão é imposta independente da verificação concreta do periculum libertatis (perigo da liberdade).  É importante salientar que, em nosso sistema processual, o status libertatis (estado de liberdade) é a regra, e a prisão provisória, a exceção.

Na concepção do processo penal democrático e constitucional, a liberdade do acusado, o respeito à sua dignidade, aos direitos e garantias fundamentais são valores que se colocam acima de qualquer interesse ou pretensão punitiva estatal. Em hipótese alguma pode o acusado ser tratado como “coisa”, “instrumento” ou “meio”, de tal modo que não se deve perder de vista a formulação kantiana de que o homem é um fim em si mesmo.

É imperioso salientar que quando defendemos a efetivação do princípio da presunção de inocência, não o fazemos em nome de qualquer pessoa específica, mas em nome de todas e todos e, especialmente, em nome da Constituição da República.

A par do que já vem sendo dito, cumpre destacar que o não julgamento imediato das ADCs 43 e 44, com a declaração de constitucionalidade do art. 283, do Código de Processo Penal e, consequentemente, com a proclamação definitiva do princípio constitucional da presunção de inocência, tem levado – conforme dados estatísticos apresentados pela Defensoria Pública – milhares de homens e mulheres a iniciarem o cumprimento provisório da pena antes de esgotados todos os recursos, com incomensurável prejuízo a liberdade e a dignidade humana.

Assim, em defesa da Constituição da República, esperamos que o Supremo Tribunal Federal cumpra com o seu dever de proteção dos direitos e garantias fundamentais, sob pena de frustrações de conquistas inerentes ao próprio Estado Democrático de Direito.

Mais não digo.

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