Juristas Catarinenses pela Legalidade, Democracia e Justiça: Manifesto de repúdio ao apoio da OAB ao pedido de impeachment da Presidenta da República

    Em 17 de março de 2016, o Conselho Estadual da Seccional da OAB/SC, instado por seu presidente para a discussão do “cenário político nacional”, aprovou, por maioria, o encaminhamento ao Conselho Federal da OAB de pedido para abertura de pedido de impeachment da atual titular da Presidência da República Federativa do Brasil, Dilma Rousseff, eleita de forma direta e democrática por mais de 54 milhões de votos, além de outros requerimentos.

    O presente manifesto de repúdio visa explicitar o inconformismo por parte de advogadas e advogados integrantes da Ordem dos Advogados do Brasil catarinense, demais profissionais da área do Direito e membros da sociedade civil em geral, ao posicionamento oficialmente adotado pela OAB/SC e pelo Conselho Federal da OAB, pelos fundamentos a seguir apresentados.

    É imperioso afirmar que as regras do processo democrático estão estabelecidas na Constituição Federal de 1988 e legislação aplicável. No caso específico do impeachment, somente é possível seu processamento com a caracterização de crime de responsabilidade. Um governo impopular, uma crise política ou mesmo uma crise econômica não estão previstos como fundamento para o impeachment. Logo, a prudência recomenda que, antes de manifestar apoio a um pedido de impeachment, a OAB pudesse demonstrar a existência de crime de responsabilidade, fundamento necessário para o pedido. Não foi o que aconteceu. A mera indicação de possibilidade de existência de crime é pouco para iniciar um processo tão grave e excepcional.

    Tratando-se do exercício do Poder Executivo, nos termos do artigo 77 da Constituição Federal, a condição para a sua titularidade é a participação no processo eleitoral majoritário e a regra é o seu exercício pelo tempo do mandato, sendo a exceção a possibilidade de sua interrupção pelo processo de impeachment. Para isso, não pode haver qualquer dúvida sobre a existência de crime de responsabilidade. Não é o que parece e, por isso, o mínimo que se pode dizer do posicionamento da OAB é que foi “apressado”, mais ainda levando em consideração que a OAB sequer estimulou o debate entre os seus representados, encaminhando uma decisão tomada sem a legitimidade da participação dos milhares de advogadas e advogados espalhados pelo país. A posição tomada, portanto, é do Conselho Federal da OAB e não de toda a advocacia.

    Alguns termos presentes na mídia comercial, e aparentemente incorporados pelo discurso jurídico de alguns, são de difícil aferição idônea. Expressões como “interesse da sociedade”, “clamor popular” e outros podem ser facilmente pronunciados em discursos políticos, mas não podem ser utilizadas para o afastamento das regras estabelecidas na Constituição Federal de 1988. O impeachment não é um julgamento exclusivamente político. Não havendo crime de responsabilidade devidamente comprovado, não há que se falar em impeachment.

    Como representante da advocacia, a OAB deve zelar pela sua independência a pressões políticas momentâneas, respeitando também a independência dos seus membros que não reconhecem a existência de elementos para a abertura do processo de impeachment.

    E se o princípio democrático ainda é um elemento de unidade entre os membros da advocacia, não é demais lembrar que não existe eleição direta para a Presidência do Conselho Federal da OAB, e que a apressada consulta feita às Seccionais não parece ter sido a forma mais eficaz de desenvolver um amplo e necessário debate sobre o tema entre as advogadas e advogados. Disso tudo, resulta inquestionável a fragilidade do argumento de que a posição da Presidência do Conselho Federal da OAB representa a todos(as), como demonstram as inúmeras manifestações de repúdio ocorridas nas últimas semanas pelo Brasil.

    Nunca é demais lembrar, que entre as finalidades da OAB estão listadas a defesa da Constituição, da ordem jurídica do Estado democrático de direito, dos direitos humanos e da justiça social, além de pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas, nos termos do artigo 44, da Lei n. 8906/94 (Estatuto da Advocacia e da OAB). É isso que se espera da OAB, coragem de tomar posição em defesa da Constituição, ainda que possa ser taxada de impopular. É o que, da mesma forma, esperamos na defesa de nossas prerrogativas.

    Nós, advogadas e advogados, lutamos diariamente para que direitos sejam reconhecidos, muitas vezes contra acusações desprovidas de fundamento. E um pedido de impeachment, elaborado pela OAB, sem a constatação inequívoca de crime de responsabilidade, assusta a advocacia.

    Impeachment sem caracterização de crime de responsabilidade é absurdo, ilegal e antidemocrático. Nenhuma pessoa eleita pelo voto popular, em eleições livres e democráticas, pode ser vítima de pedido de impeachment sem que contundentes provas de crime de responsabilidade sejam apresentadas. E hoje não há provas sobre isso.

    As operações investigatórias que estranhamente fazem sucesso na mídia comercial brasileira violam de forma explícita postulados básicos da defesa da intimidade dos cidadãos. Advogadas e advogados têm telefones “grampeados”, bem representando o absurdo dos procedimentos adotados por parte da polícia, judiciário e ministério público brasileiros. Tais ilegalidades trarão irreparáveis danos ao exercício da advocacia neste país nós próximos anos. E a lamentável postura do atual Presidente do Conselho Federal da OAB, ao requerer o impeachment da Presidenta da República sem fundamento jurídico relevante, infelizmente corrobora tais atitudes, ainda que indiretamente.

    A corrupção deve ser combatida sistematicamente, com os rigores da lei, e com o mesmo rigor cabe a defesa dos direitos fundamentais pelas advogadas e advogados. É a nossa função. Não podemos admitir julgamentos públicos pela mídia comercial nacional, que vem mostrando sua habitual parcialidade, sem que os acusados possam exercer amplamente o seu direito de defesa. O combate à corrupção demanda um esforço institucional severo, sobretudo quando claras as demonstrações da urgente necessidade de reforma do sistema político brasileiro. Ainda assim, não se combate a corrupção rasgando a Constituição Federal.

    A interrupção de mandatos deferidos pela soberania popular sem a observância estrita do devido processo legal, do direito ao contraditório e do direito à ampla defesa, não pode receber outro nome senão uma tentativa ilegítima de subversão do poder e a indicação clara da sua condição golpista. Logo, impeachment sem crime de responsabilidade tem outro nome: Golpe. E isso, nós advogadas e advogados não podemos admitir.

    O momento político e econômico no país é grave. A Ordem dos Advogados do Brasil, a nossa Ordem, esteve nas últimas décadas representando de forma digna os anseios daqueles que lutam pelo pleno desenvolvimento do Estado democrático de direito (CF, art. 1o., cabeça). Apesar disso, é sempre importante lembrar que erramos miseravelmente em 1964, quando o Conselho Federal da OAB apoiou o golpe civil-militar. De lá pra cá, e talvez mesmo por conta disso, a OAB sempre esteve presente na luta pela ampliação de direitos e pela defesa intransigente da ordem constitucional, sem ceder ao populismo fácil ou oportunismo irresponsável.

    Disso resulta o inconformismo das advogadas, advogados, juristas e membros da sociedade civil signatários deste documento, além de muitos outros. Se a defesa intransigente da ordem constitucional é o nosso lema, não podemos calar diante da grave ameaça ao Estado democrático de direito, nem com o apressado apoio da OAB a um pedido de impeachment da Presidenta da República, sem fundamento jurídico consistente.

    E assim nos posicionamos, deixando para a história, sempre ela, o julgamento pelos atos praticados nesse momento de incertezas.

    Em nome dos fundamentos democráticos, constitucionais e legais dispostos, é a presente para requerer:

    a) Recebimento da presente Nota/Manifesto, acompanhada da lista de assinaturas anexa, mediante audiência pública designada pela Presidência da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Santa Catarina;
    b) A publicação da presente Nota/Manifesto no site da Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional de Santa Catarina;

    Florianópolis, 27 de março de 2016

    Assinam:

    Andreza Prado de Oliveira, Advogada trabalhista do DECLATRA, OAB/SC 19.531B
    Cariny Pereira, Advogada OAB/SC 41.089
    Claudio Ladeira de Oliveira – professor de direiro constitucional/UFSC
    Daniel Coelho Silveira Mello, Advogado OAB/SC 34.879
    Daniela Cristina Rabaioli, Advogada OAB/SC 32.836
    Daniela Felix, Advogada OAB/SC 19.094, Professora UFSC e CESUSC, Mestre em Direito UFSC, Membro do Coletivo Catarina de Advocacia Popular e Rede Nacional de Advogadas e Advogados Populares – RENAP
    Elle Cristina Weissheimer, Advogada OAB/SC 11.293B
    Fernanda Mambrini Rudolfo, Defensora Pública do Estado de Santa Catarina e Professora UFSC
    Fernanda Martins, Advogada OAB/SC 31.093, professora da UNIVALI e UFSC
    Geyson Gonçalves, Advogado OAB/SC 13.829
    Gustavo de Carvalho Rocha, Advogado OAB/SC 35.981
    Herlon Teixeira, Advogado OAB/SC 15.247
    Jonas Machado Ramos, Advogado OAB/SC 24.625-B
    Julia Moreira Schwantes Zavarize, Advogada OAB/SC 25.659
    Larissa Tenfen Silva, Advogada OAB/SC 44.205-B
    Leonardo Rossana Martins Chaves. Professor de direito constitucional do CESUSC/SC
    Luzia Maria Cabreira, Advogada OAB/SC 11.258
    Marcos Rogério Palmeira, OAB/SC 8.095
    Marcelo Leão, Advogado OAB/SC 22.678
    Matheus Felipe de Castro, professor de Direito Constitucional da UFSC e do mestrado em direitos findamentais da Unoesc, Advogado OAB/ SC 39.928
    Prudente José Silveira Mello. Advogado do Declatra OAB/SC 4.673. Doutor em Direitos Humanos e Desenvolvimento pela Universidad Pablo de Olavide – Espanha. Professor da Faculdade Cesusc e Conselheiro da Comissão de Anistia.
    Retijane Popelier, Advogada OAB/SC 5093, Conselheira Federal suplente
    Roberto da Rocha Rodrigues, Advogado OAB/SC 23.611, Professor de Direito Penal do CESUSC
    Roberto Ramos Schmidt, Advogado OAB/SC 7.449
    Robson Dagrava, Advogado OAB/SC 32607-A
    Rodrigo Mioto dos Santos, Advogado OAB/SC 25781
    Rodrigo Sartoti, Advogado OAB/SC 38.349
    Rogerio Duarte da Silva, Mestre em direito pela Ufsc, advogado OAB/SC 29954, professor de direito constitucional e direito eleitoral
    Rossela Eliza Ceni, Advogada OAB/SC 14.331
    Ruben Rockenbach Manente, Advogado OAB/SC 23.508-B
    Samuel Martins dos Santos, Advogado OAB/SC 26.336
    Sandro Sell, Advogado OAB/SC
    Sergio Graziano, Advogado OAB/SC 8.042
    Susan Mara Zilli, Advogada OAB/SC 5.517
    Tarso Zilli Wahlheim, Advogado OAB/SC 32.888
    Vinicius Guilherme Bion, Advogado OAB/SC 31.131
    William Farias Rodrigues – Advogado OAB/SC
    Aderbal Lacerda da Rosa, Advogado OAB/SC 10.399
    Adriana Rosa, Advogada OAB/SC 15.759
    Aldo Marcolin, Bacharel em Direito, RG 5007735458 SSI/RS, Itá/SC
    Alexandre Santana, Advogada OAB/SC 14313
    Ana Elsa Munarini, Advogada OAB/SC 35.507
    Ana Martina Baron Engerroff, Advogada OAB/SC 25236
    Analize Potrich Paggi, Advogada OAB/SC 27.314
    André Ivan Tortato, advogado (licenciado), OAB/SC 14.812
    Andreia Indalencio Rochi, Advogada OAB/PR 29.345 e OAB/SC 43.945A
    António Alves Elias, Advogado OAB/SC 9083, assessor do Sindicato Dos Mineiros de Lauro Müller
    Betania Pires Cassol, Advogada OAB/SC 39.004
    Caroline Schwarz de Almeida, Advogada OAB/SC 31.444-B
    Clarissa Sucupira Ferreira, Advogada OAB SC 42118
    Cristina Lanzini, Advogada OAB/SC 16.474
    Daniel Thiago Oterbach, Advogado OAB/SC 20.801
    Daniela de Lima, Advogada OAB/SC 25.139
    Danielle Maria Espezim dos Santos – Professora Direito Constitucional UNISUL e DISCENTE/PPGD/UFSC – 932690219-68
    Dilvanio de Souza, Advogado OAB/SC 8.797
    Emerson Henrique Morotti, Bacharel em Direito, CPF 065.426.639-59
    Emiko Liz Pessoa Ferreira, Advogado OAB/SC 9.179
    Evelyn Scapin, Advogada OAB/SC 35.924
    Fernando Coelho Correia, Advogado OAB/SC 24.777
    Fernando David Perazzoli, Professor Universitário e Advogado OAB/SC 34.712
    Guilherme Rodrigues, Advogado OAB/SC 38.526
    Gustavo Garbelini Wischneski, Advogado OAB/SC 30.206
    Heloísa Gomes Medeiros, Advogada OAB/SC 27.265
    Ig Henrique Queiroz Gonçalves, Advogado OAB/SC 22.423
    Jairo Sidney da Cunha, Advogado OAB/SC 8.986
    José Lucas Mussi, Advogado OAB/SC 42.936
    Katiuska Raquieli Martins de Quadros, Advogada OAB/SC 19.521
    Keline Renata Martins de Quadros, Advogada OAB/SC 39.481
    Luziana Roesener, Advogada OAB/SC 28451
    Matusalém dos Santos, Advogado OAB/SC 12.064
    Rennan Cesar Scarpati, Advogado OAB/SC 33.645
    Roberta Espindola Miranda, Advogada OAB/SC 26.422
    Roberto Carvalho Fernandes, Advogado OAB /SC 20.080
    Rodney do Rosário, Advogado OAB/SC 34.849
    Gabriela Jacinto, Advogada OAB/SC 32.864
    Rodrigo Machado Cardoso, Servidor Público Estadual, CPF 00537494995
    Silvana de Paula Simas, Advogada OAB/SC 41.514, Pós-Graduanda em Processo Civil
    Sindomar Ferreira Marques, Advogado OAB/SC 24.854
    Vidal Vanhoni Filho, Advogado OAB/SC 13.725

    A presente NOTA está disponível para assinaturas no endereço:

    http://www.peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=BR89556

    Se puderem aderir e divulgar para alcançarmos o maior número de pessoas, agradecemos muito.

    Foto: The fist // Foto de: Pabak Sarkar.

    Fonte: Empório do Direito

    DEIXE UMA RESPOSTA

    Please enter your comment!
    Please enter your name here

    Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.