Assessoria de Comunicação do Cimi.- O povo Ye´kwana não compartilha apenas o território com o povo Yanomami. “Nossa luta é a mesma, [ambos] hoje afetados pelo garimpo ilegal na nossa Terra Indígena Yanomami”, relata Júlio Ye’kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye’kwana (SEDUUME) em discurso proferido no último mês durante o evento de lançamento do Relatório Violência Contra os Povos Indígenas do Brasil – dados de 2022.
Ambos os povos habitam a mesma terra e sofrem das mesmas mazelas oriundas de uma realidade que ainda parece assombrar não só os povos Yanomami e Ye’kwana, mas todos os demais povos que lá habitam: Amajari, Wathou, Auaris, Parawau, Kataroá, Monte Caburai e Moxihatëtëma – estes em isolamento.
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Apesar dos esforços investidos pelo governo federal para combater as invasões do garimpo ilegal, “está difícil resolver os problemas que foram causados [pelo garimpo]”, considera Júlio. “É fácil destruir, contaminar, matar os animais, os peixes, mas consertar é difícil. Hoje, o governo tenta consertar isso. Mas está sendo difícil para a gente, porque ainda tem os poderosos que são contra os povos indígenas”, alerta.
O contingente anti-indígena ao qual Júlio se refere são sobressalentes dos últimos quatro anos do governo federal, que continua a compor e a influenciar os Três Poderes. O interesse do ruralismo, de empreendimentos mineradores e de “poderosos” interessados na exploração das terras tradicionais dos povos indígenas ainda se revelam expressivos em discussões e medidas governamentais.
Os efeitos destas medidas estão no Recurso Extraordinário 1.017.365, do Supremo Tribunal Federal (STF); no Parecer 001/2017, da Advocacia-Geral da União (AGU); e no Projeto de Lei (PL) 2903/2023, que tramita no Senado Federal – antigo PL 490/2007. Todas têm em seu bojo a tese do marco temporal como fundamento para balizar os direitos de povos que são originários.
A tese tenta limitar, à data da promulgação da Constituição Federal – ou seja, ao dia 5 de outubro de 1988-, o direito territorial aos povos indígenas. Se aprovada, não só fragilizará tais direitos, como fomentará, ainda mais, as invasões e a exploração das terras originárias.
Não à toa, Júlio defende pôr um fim na tese do marco temporal. Para a liderança, derrubá-la é uma forma de combater as invasões que sofrem, há pelo menos 50 anos, na TI Yanomami. Afinal, “nós somos os donos da terra e precisamos derrubar essa tese para preservar o meio ambiente, porque há relação muito forte dos povos indígenas com a natureza. Precisamos dela em pé para a gente continuar vivendo bem”, conclui.
Com o garimpo ainda em atividade na TI, Júlio reclama medidas a fim de proteger a floresta, os rios e os “lugares sagrados” que seu povo cultua. “Eles foram destruídos pelo garimpo. A floresta é onde os povos indígenas, os sábios, os sonhadores, os conhecedores, os mais velhos conversam com os sobrenaturais, com os invisíveis que são donos da natureza. Com a destruição, nosso conhecimento vai embora. Por isso, nós estamos preocupados”, relata Júlio.