Julho Negro: Perspectivas Latino-Americanas sobre Militarização, Autonomia e Corrupção

Por Felicia Villalobos.

Na manhã de 27 de julho, ativistas e o público em geral entraram na Faculdade Nacional de Direito da UFRJ, no Centro do Rio, para o último dia de eventos do Julho NegroForam realizados quatro painéis, que reuniram ativistas e mobilizadores de todo o mundo para discutir a militarização e sua pertinência em suas respectivas lutas coletivas.

O dia começou com uma palestra de abertura sobre o impacto global do aumento da militarização em comunidades oprimidas, destacando particularmente o alcance internacional da indústria de armas baseada em Israel–Estados Unidos ao Brasil e à América Central. O painel incluiu a ativista local Maria Dalva da Silva–que perdeu seu filho para a violência policial na favela do Borel, e agora vive na Maré e é membro da Rede de Comunidades e Movimentos Contra a Violência–ao lado de ativistas de Israel, Palestina e Argentina.

O tema do segundo painel foi O Contexto Latino-Americano, que reuniu ativistas do México, Honduras, Chile e Colômbia para falar sobre resistência à militarização e ao racismo em suas próprias comunidades e como sua luta se relaciona com a ocupação da Palestina–um tema recorrente durante todo o dia.

O painel O Contexto Latino-Americano recebeu as ativistas Sonia López, da Fundação de Direitos Humanos Joel Sierra, da Colômbia; Francisco Gámez, do Comitê de Organizações Populares e Indígenas de Honduras (COPINH); Onésima Lienqueo da Organização Pichi Newen Mapuche, no Chile; e Daniela Gon do Observatório dos Direitos dos Povos, no México. A discussão foi mediada por Oscar Vargas, porta-voz do movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS), da Colômbia. O painel começou atribuindo quinze minutos a cada painelista para discutir seu papel na resistência à militarização no que diz respeito às suas respectivas organizações e comunidades.


Daniela Gon usou seu tempo para enfatizar a importância da solidariedade internacional com a Palestina e com todas as pessoas que combatem a militarização em todo o mundo. Ela também falou sobre a luta do México contra o narcotráfico, que resultou em mais de 30.000 pessoas desaparecidas, além de muitas outras cujos desaparecimentos violentos não foram registrados ou investigados. Ela mencionou que, no contexto da crescente militarização da fronteira dos Estados Unidos com o México, o uso de tecnologia militar é muito parecido com o empregado na Barreira da Cisjordânia. Os paralelos entre as narrativas do México e da Palestina refletiam o tema da solidariedade internacional, enfatizado em um vídeo mostrado por Daniela sobre o trabalho do Observatório Mexicano dos Direitos dos Povos.

A conversa, então, mudou para o tema da autonomia indígena quando o tempo de Onésima Lienqueo se iniciou, com uma explicação da luta pelo reconhecimento da comunidade indígena Mapuche no sul do Chile Central. Segundo Onesima, a recusa do governo em reconhecer a comunidade Mapuche como nação levou à militarização e à criminalização do movimento pela autonomia. Isso resultou em violência contra seus membros, como Brandon Hernandez Huentecol, de 17 anos, que foi baleado pela polícia em 2016. Em uma frente semelhante, o Comitê de Organizações Populares e Indígenas de Honduras–representado no painel por Francisco Gamez–trabalha para defender o meio ambiente e melhorar as condições de vida das populações indígenas. Onesima e Brandon destacaram a luta para manter viva a cultura indígena nas próximas gerações e a luta contínua por terra e recursos, que, como o moderador Oscar mencionou, ressoa com a ocupação da Palestina. “Um mapuche sem terra não pode viver”, disse Onesima.

A última palestrante, Sonia López, falou sobre a questão da corrupção policial e política na Colômbia. Milhares de colombianos enfrentaram o deslocamento forçado enquanto o governo continua a buscar o controle da região da Costa do Pacífico. Sonia mencionou que vários métodos de corrupção na Colômbia estão ligados ao alcance global da indústria israelense de armas, como o uso da tecnologia produzida por Israel pelo exército colombiano. As comunidades afro-colombianas e indígenas foram muito afetadas pelos deslocamentos forçados–os dois grupos compreendem 10% e 3%, respectivamente, das aproximadamente sete milhões de pessoas deslocadas na Colômbia, segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. Sonia concluiu explicando a importância do movimento Boicote, Desinvestimento e Sanções como uma maneira de manter a solidariedade internacional com a Palestina, chamando-o de “um exercício de solidariedade popular com a Palestina e todos os povos que resistem à intervenção imperial no mundo”.

O painel fechou com palavras do moderador Oscar Vargas sobre várias corporações públicas e privadas que estão envolvidas ou contribuem para a ocupação e militarização israelense em toda a América Latina. Ele deu o exemplo da Hewlett Packard, uma conhecida empresa tecnológica com produtos amplamente utilizados cuja tecnologia contribuiu para a morte de quatro garotos palestinos em uma praia de Gaza em 2014. Vargas declarou: “Apenas alguns dias atrás, marcaram os quatro anos do assassinato de quatro meninos nas praias de Gazaque receberam tiros lançados de navios israelenses, que têm tecnologia Hewlett Packard“.


As atividades da manhã foram concluídas com uma emocionante homenagem à Marielle Franco. Marinete da Silva, mãe da falecida vereadora, foi abraçada pela participante do painel e jornalista Soraya Misleh. As duas falaram sobre as semelhanças entre as mães palestinas e brasileiras que perderam seus filhos devido à militarização e ao racismo. A sala estava repleta de aplausos, emoção e do coro: “Marielle, Presente!”

Tradução: Camila Moraes.

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