Jovem presa antes de protesto diz não conseguir dormir

Janaina Marton Roque, um dos 18 manifestantes denunciados pelo MP-SP
Janaina Marton Roque, uma dos 18 manifestantes denunciados pelo MP-SP

Por Marcelo Freire.

“Estou um trapo. Não consigo dormir, não consigo comer, fica um pesadelo de fundo”, diz a estudante de cinema Janaina Marton Roque, 28, denunciada pelo Ministério Público de São Paulo por associação criminosa e corrupção de menores após ter sido presa com outras 17 pessoas antes de um protesto contra o governo Michel Temer, em 4 de setembro.

O grupo foi preso no Centro Cultural São Paulo, próximo ao metrô Vergueiro, quando se reunia para irem juntos ao protesto na avenida Paulista, permanecendo no Deic (Departamento Estadual de Investigações Criminais da Polícia Civil) por mais de 24 horas até que a Justiça libertasse os jovens, considerando as prisões ilegais.

No pedido do Ministério Público, o promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza, com base no inquérito da Polícia Civil, diz que os manifestantes “associaram-se para a prática de danos e danos qualificados consistentes na destruição, inutilização e deterioração do patrimônio público e privado e lesões corporais em policiais militares”.

“Depois da ordem de soltura, acreditamos que isso ia acabar, porque é um caso absurdo. Fomos surpreendidos na semana de Natal com essa denúncia do MP e fica nas mãos de um juiz. Não sabemos o que ele vai fazer”, diz Janaina.

Ela é citada especificamente na denúncia do MP como uma das responsáveis por levar “materiais de primeiros socorros, que seriam utilizados em comparsas que viessem a sofrer lesões no confronto com policiais militares, além de máscaras e capuzes”, segundo aponta o promotor. “Eu levei gaze, um soro e uma pomada, porque pessoas poderiam se machucar. Já havia acontecido episódios de violência policial. Isso não pode ser usado como prova de crime”, alega Janaina.

Arquivo pessoal

Material apreendido com grupo contém itens de primeiros socorros, citados na denúncia

Na época, o caso repercutiu pela presença do capitão do Exército William Pina Botelho que, segundo relatos dos manifestantes, se infiltrou no grupo usando o codinome “Balta Nunes” de acordo com as Forças Armadas, Botelho “monitorou” os manifestantes porque o ato ocorreria no mesmo local do revezamento da tocha paraolímpica, na avenida Paulista. A presença do capitão no grupo não consta na denúncia do MP.

Em depoimento ao UOL, ela conta que participaria apenas da segunda manifestação da sua vida –“eu nem sabia o que era black bloc”– e relata o momento da prisão e as horas passadas no Deic. Segundo ela, policiais podem ter plantado a barra de ferro que foi utilizada como argumento para a denúncia. “Tudo isso foi ilegal do começo ao fim. Somos boi de piranha, de interesse político.”

Contatada pelo UOL pela primeira vez às 12h20 de segunda-feira (2), a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo ainda não enviou seu posicionamento em relação às afirmações feitas pela entrevistada e por outros manifestantes. Na tarde desta quarta, a SSP disse que a solicitação estava “em andamento”. Quando o posicionamento do órgão for enviado, ele será incluído nesse texto.

O Ministério Público de São Paulo, por sua vez, informou ao UOL que o promotor Fernando Albuquerque Soares de Souza não vai se manifestar sobre o caso.

Leia a seguir os principais trechos de seu depoimento:

A ideia de ir ao protesto

“Nunca fui ligada em protestos, mas o impeachment [de Dilma Rousseff] me motivou. Eu achei que tinha esse direito, porque não concordei com a entrada do Temer. Eu não sou militante e nem sabia o que era black bloc, descobri na delegacia porque um policial me falou. Também nunca tive medo da polícia. Na primeira manifestação que eu fui, no dia da votação do impeachment, fiquei do lado da base comunitária da polícia, sem qualquer problema.

Perguntei no Facebook sobre as manifestações daquele dia e me indicaram um evento, ‘Povo Sem Medo’. Lá, entrei e comecei a ter contato com as pessoas, a ler os relatos de como se preparar para ir. Como ninguém se conhecia, comecei a falar com algumas meninas e montamos um grupo. Algumas pessoas haviam se machucado em protestos anteriores, achamos prudente ter um kit de primeiros socorros.

Combinaram de ir ao Centro Cultural como ponto de encontro, e essa ideia veio de outro grupo, aleatório. Não era nada pré-organizado, somente as pessoas pensando em ir juntas ao protesto. Eu não conhecia ninguém que estava lá. A polícia chegou cinco minutos depois.”

Júnior Lago/UOL

Protesto de 4 de setembro, para onde os manifestantes se dirigiriam, reuniu milhares de pessoas na avenida Paulista em defesa de eleições diretas, dias após a confirmação do impeachment de Dilma Rousseff

A ação do infiltrado e a abordagem da PM

“Eu não soube nada sobre o infiltrado na hora, nem reparei no Balta [o capitão do Exército William Pina Botelho]. A gente só começou a achar estranho depois de chegar ao Deic, quando percebemos que ele não tinha chegado na delegacia –ele tinha ido sozinho em uma viatura. Depois, o Balta disse, em outro grupo, que foi liberado porque estava com um RG falso. Só ficamos sabendo da história, direito, quando lemos reportagem sobre isso.

A gente não tinha a menor ideia de que havia um infiltrado ali, mas, mesmo se tivesse, não faria diferença também. Não estávamos fazendo nada de errado. Só que isso tudo foi ilegal porque ele, estando no meio das pessoas, acabou de alguma maneira incitando um crime.

Até onde sei, eu não posso usar uma gaze como arma contra ninguém. Não é crime. E fui presa por isso. Prenderam a gente porque a gente ‘podia’ cometer um crime? Qualquer um ‘pode’, em tese, cometer um crime. E aí teve a história da barra de ferro, a única coisa que poderia ferir alguém, que a polícia plantou.

A polícia nos abordou, com todo mundo em fileira. Não acharam nada com a gente. Aí um policial foi no meio do mato logo na entrada do Centro Cultural, pegou uma barra de ferro, jogou no pé de um dos meninos e disse: ‘Agora [a barra] é sua’. Como o policial sabia que essa barra tava no meio do mato? O menino não tinha nem mochila. Como alguém sai andando por aí com uma barra de ferro grande na mão. Era tipo um pé de cabra.

Não sei o quanto isso foi premeditado, porque nem sabemos exatamente de onde veio a ideia de ir ao Centro Cultural. Mas a polícia deveria saber, já que o Balta estava indo para lá também. Pode ser que eles sabiam de tudo isso sim, porque tinha até um helicóptero da polícia em cima do Centro Cultural Vergueiro.

Mas, se o Balta era infiltrado mesmo e aquela era uma operação de inteligência, como ele não soube perceber que as pessoas que chegavam lá nem se conheciam? Tinha um menino usando o Wi-Fi para fazer trabalho da faculdade, e indiciaram como sendo um dos que iriam bater nos policiais. Pegaram ele aleatoriamente. Ele nem ia no protesto. Depois, a gente até brincou com ele, perguntando se ele pelo menos apoiava o ‘Fora, Temer’.”

As horas no Deic

“Chegamos ao Deic por volta das 15h30, tiramos foto e ficamos lá esperando. Revistaram nossas coisas e pegaram nossos celulares –que estão lá até agora, inclusive. Não informavam nem que horas era. Mas ninguém falou que estávamos sendo presos. Não houve voz de prisão, não houve depoimento. Falaram que a gente se declarou culpado, mas o delegado nem falou com a gente. Ficamos isolados, sem ligação com a família, à mercê do que a polícia faria. Policiais até disseram para gente, lá no Deic, que éramos presos políticos, que a ordem ‘partiu de cima’.

Só ficamos sabendo que iríamos para a carceiragem quando o [ex-senador do PT] Eduardo Suplicy chegou e avisou a gente, já de madrugada. Um grupo de direitos humanos começou a agilizar para conseguir que a gente fosse liberado pela Justiça na manhã do dia seguinte. No Deic, eles não liberavam a papelada, já assinada pela gente e pelos advogados, para que fizéssemos a audiência de custódia naquele dia. Daí ligaram do Fórum Barra Funda e disseram que a gente teria que ser ouvido.

O Deic então liberou, e saímos de lá só às 16h do outro dia. Fomos ao IML e fizemos exame de corpo de delito. Depois, chegamos ao fórum algemados, passamos por uma revista e falamos com o juiz. Finalmente fomos liberados, às 20h do dia seguinte à prisão.”

Marlene Bergamo/Folhapress

Um dos 18 manifestantes detidos, Gabriel Cunha Risaffi abraça a mãe, Rosana Cunha, após ser solto em 5 de setembro; na época, Justiça considerou as prisões ilegais

“Estamos na mão do juiz”

“Depois disso, algumas pessoas do grupo foram chamadas para depor –eu não fui–, supostamente para falar sobre o abuso policial. Só que não era nada disso. Puxaram a vida de todo mundo e ficaram perguntando se a pessoa curtia página de esquerda no Facebook. O que isso tem a ver?

Tudo isso parece ter sido muito calculado. O governo Temer tem alto índice de reprovação. Para usarem a gente como exemplo para ninguém ir protestar, é um passo. Agora estamos na mão de um juiz. É desesperador tudo isso que está acontecendo.”

Fonte: UOL.

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