A 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou uma jovem negra, funcionária da Defensoria Pública do Estado, ao pagamento de indenização por danos morais, no valor de R$ 8 mil, após ter registrado um boletim de ocorrência em que relatou ter sido vítima de injúria racial por parte de dois colegas de trabalho.
Em 1º de março de 2016, a jovem registrou a ocorrência na 1ª Delegacia de Defesa da Mulher de São Paulo. O inquérito acabou sendo arquivado. O advogado da vítima, Hédio da Silva, disse à ConJur que o arquivamento ocorreu sem que a juíza responsável pelo caso fundamentasse a decisão, “limitando-se a invocar os argumentos apresentados pelo Ministério Público, que não constam nos autos”.
Na decisão, de outubro de 2019, a magistrada escreveu apenas que acolhia “a manifestação do Ministério Público como razão de decidir” e determinava “o arquivamento do inquérito policial, ressalvado o disposto no artigo 18 do Código de Processo Penal, em caso de superveniência de novas provas (STF, Súmula 524)”.
Em julho de 2020, um dos colegas acusados de praticar a injúria racial ingressou com ação indenizatória por danos morais. Em primeira instância, a jovem foi condenada ao pagamento de R$ 20 mil. No TJ-SP, a condenação foi mantida, em votação unânime, mas o valor foi reduzido para R$ 8 mil. O entendimento da turma foi que a acusação de injúria racial “se demonstrou incabível, ante a ausência de provas”.
“É evidente o abalo e as repercussões da acusação sofrida pelo requerente em sua vida pessoal e profissional, mas, por outro lado, não obstante tenha a autoridade policial capitulado o inquérito com base no § 3º do artigo 140 do Código Penal, é certo que a requerida, ao lavrar o boletim de ocorrência em que pautada a investigação, não atribuiu, de pronto, o crime de injúria racial ao requerente, mas apenas de injúria”, disse o relator Caio Salvador Filardi ao justificar a redução da indenização.
Ainda assim, afirmou o magistrado, a notícia de crime racial, dada a sua gravidade, sobrepõe-se à mera injúria e favorece a “disseminação de fofocas e burburinhos no ambiente de trabalho, reforçando eventual pecha de racista eventualmente imputada ao requerente, com o evidente prejuízo a sua moral”. Filardi também destacou que a jovem, em sua contestação, reforçou a acusação de injúria racial contra o colega.
Ao questionar a condenação, o advogado Hédio Silva disse que o “arquivamento de inquérito não é sentença absolutória” e que a jovem não poderia ter sido punida, em uma ação indenizatória “sem que se saiba as razões pelas quais o inquérito foi arquivado”. Segundo o advogado, além da juíza de primeiro grau não ter fundamentado a decisão de arquivamento, os magistrados da turma recursal também não buscaram se informar sobre o caso.
“Como uma pessoa pode comparecer a uma delegacia de Polícia, registrar um boletim de ocorrência para reclamar da violação de um direito e acabar condenada? Como alguém pode ir da condição de vítima, depois de ser chamada de ‘negra raivosa’, para a condição de condenada ao pagamento de indenização por danos morais?”, questionou Silva.
O segundo colega de trabalho apontado pela jovem como autor de injúria racial também moveu uma ação por danos morais, que ainda está em tramitação na primeira instância.