José Carlos Dias: ‘resistências da sociedade impediram avanços’ no sistema prisional

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José Carlos Dias, Ministro da Justiça do governo FHC em 1999 e 2000. Foto: STF.

Por João Paulo Charleaux.

Na primeira de quatro entrevistas da série que o ‘Nexo’ faz com ex-ministros da Justiça, Dias, chefe da pasta em 1999 e 2000, no governo FHC, diz ter defendido que o Brasil prendesse menos, mas ideia bateu de frente com setores que exigem penas cada vez mais duras

Diante da crise escancarada pelos massacres em presídios do Amazonas, de Roraima e do Rio Grande do Norte no início de 2017, o Nexo conversou com quatro ex-ministros da Justiça para saber por que o Brasil convive há tantos anos com superlotação, rebeliões e mortes violentas em seu sistema prisional.

As entrevistas estão reunidas nesta série de “Expressos”, que tem início hoje com José Carlos Dias, titular da Justiça no governo Fernando Henrique Cardoso. Também foram ouvidos José Gregori, outro ministro da gestão tucana, além de Tarso Genro, que comandou a pasta no governo Luiz Inácio Lula da Silva, e José Eduardo Cardozo, ministro da área no governo da também petista Dilma Rousseff.

A cada um deles, foi feita uma única pergunta: “Se o problema prisional brasileiro tem um diagnóstico tão unânime — do fracasso da política de encarceramento em massa, da morosidade da Justiça em analisar o caso dos que já cumpriram pena, da necessidade de reforma na lei de drogas, de estabelecer a audiência de custódia e de tratar com celeridade a situação das pessoas mantidas nos Centros de Detenção Provisória —, por que afinal é tão difícil solucionar essa crise endêmica, mesmo tendo ocupado um cargo tão influente quanto o de ministro da Justiça, que o sr. ocupou?”

José Carlos Dias foi ministro da Justiça de julho de 1999 a abril de 2000, no início do segundo e último mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB).

Uma das marcas de sua gestão foi a defesa da redução da população carcerária para evitar rebeliões e massacres como o que havia ocorrido sete anos antes na Casa de Detenção do Carandiru, em São Paulo. Dias já dizia então que o Brasil punia com cadeia crimes de baixo poder ofensivo, pelos quais os condenados poderiam cumprir penas alternativas, em vez de permanecerem encarcerados.

No período em que Dias respondeu pela Justiça, a população prisional brasileira cresceu 19,9%, atingindo a marca de 232 mil presos no ano 2000. De lá para cá, a população carcerária cresceu 161%, enquanto o crescimento vegetativo no país foi de apenas 7%, de acordo com dados do Infopen (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias).

As ideias de “racionalizar a aplicação de penas” eram tratadas com “chacotas” pelos críticos de Dias, como notou à época o colunista do jornal “Folha de S.Paulo” Vinícius Mota.

Dias era considerado um ministro moralmente liberal e “garantista” — termo que, no meio jurídico, se contrapõe a “punitivista”. Defendia a união civil entre pessoas do mesmo sexo e a descriminalização da maconha. Para ele, a lei de drogas era excessivamente rigorosa com consumidores de entorpecentes, que não precisavam cumprir pena na cadeia.

Conhecido pela atuação em defesa de presos políticos durante a ditadura (1964-1985), Dias deixou o governo depois de divergências públicas com o ex-chefe da Casa Militar (hoje Gabinete de Segurança Institucional), o general Alberto Cardoso. “Não podemos transigir com os reacionários e com a direita”, disse ao deixar o cargo. Segue abaixo a resposta do ex-ministro:

‘Só prender quem comete crime grave’

José Carlos Dias

Ministro da Justiça em 1999 e 2000

“Quando fui ministro a bandeira que desfraldei e que procurei transmitir a toda nação foi a do direito penal mínimo para que fossem presos aqueles que tivessem praticado crimes graves e cuja convivência social seria perigosa, devendo ser aplicadas penas alternativas.

Sustentei também — como continuo a sustentar — a necessidade da descriminalização de muitas condutas, como é o caso do uso de entorpecente e a posse da droga para tal fim.

No entanto, as resistências do Poder Judiciário, do Ministério Público e de boa parte da sociedade inviabilizam tais avanços.

O Poder Judiciário, aplicando inadequadamente a lei e não acompanhando a execução da pena, é o principal responsável pela crise carcerária, sendo ainda necessário enfatizar que a falta de assistência judiciária torna mais agudo o problema. O Poder Executivo tem também parcela importante na responsabilidade do que ocorre nos presídios.”

Fonte: Nexo Jornal.

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