Por solicitação do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do RS (SINDJORS), a Brigada Militar mostrou como deve ser o comportamento dos profissionais de imprensa durante quaisquer manifestações, durante ou fora da Copa do Mundo. Além do presidente do Sindicato, Milton Simas Junior, estava presente um grupo de jornalistas convidados. O evento teve a duração de dois turnos, manhã e tarde, envolvendo uma parte teórica pela manhã, almoço e prática à tarde. O local escolhido foi o canil da Brigada, já que todos os outros espaços estavam ocupados por militares que vieram do interior.
A instrução foi ministrada por três capitães — Araújo, Euclides e Bukowski. Bukowski fez uma apresentação do ponto de vista legal, revisando as atribuições e a lei que regula a atividade policial dentro do contexto das manifestações. Sua apresentação teve o auxílio de um PowerPoint que mostrava cenas de manifestações. Ele abriu a apresentação com uma imagem do filme Tropa de Elite que mostrava a frase “Agora o inimigo é você” e outras imagens de protestos retiradas das redes sociais.
Depois disso vieram os dois outros capitães, os quais fizeram uma abordagem do ponto de vista estratégico. Definiram, por exemplo, a sigla CDC (Controle de Distúrbios Civis) e explicaram como os jornalistas devem se portar diante de uma manifestação a fim de se proteger fisicamente. A teoria estendeu-se até a hora do almoço.
Após o almoço, houve a apresentação das armas utilizadas para conter conflitos. Foram apresentados os armamentos da Condor, empresa do Rio de Janeiro, tais como lançadores de granada e diversos tipos de munições não letais.
Depois, os jornalistas foram levados num micro-ônibus até uma pedreira próxima ao Quilombo dos Alpes. Ali, foram demonstradas cada uma das munições. Calibre 12 de curta, média e longa distância, quatro tipos de granada de efeito moral, gás lacrimogênio, etc. Depois de fazer demonstrações em três alvos – silhuetas humanas de papelão –, os jornalistas foram convidados a participar.
Nem todos entraram na fila com a finalidade de experimentar as armas. Os que participaram deram tiros com vários tipos de munição. Alguns puderam jogar granadas também. Havia granadas para serem jogadas com a mão e outras para serem atiradas com um lançador. Depois disso, foi feita uma demonstração de como atua a formação clássica de um pelotão do choque. Então, surgiu um pelotão do BOE vestido exatamente como os que vão para as ruas, equipado, armado e em formação. A intenção era reproduzir a abordagem de aproximação contra manifestantes. No teatro montado, os manifestantes eram policiais à paisana que gritavam “Revolução! Não vai ter Copa!”. Ninguém atacou ninguém.
Então, foi proposto que os jornalistas se fizessem de pelotão de choque. “Agora, os policiais vão tirar seu equipamento e os senhores poderão usá-los para sentir o mesmo que a gente sente”. Com exceção de três jornalistas, o restante do grupo animou-se a fazê-lo. E passaram a vestir-se como policiais. Houve brincadeiras com aqueles que não aceitaram participar da simulação. “Vocês não vão receber o certificado de participação no curso…”.
O presidente do Sindicato ficou entre aqueles que colocaram os capacetes, escudos e o cassetetes. Eles fizeram a formação da polícia e foram atrás dos “manifestantes”. Quando chegaram a uma certa distância, os “manifestantes” começaram a atacá-los com frutas. Em meio à simulação — conforme fora combinado previamente com o comando do BOE — , o instrutor da PM aproximou-se por trás e soltou uma bomba real de gás lacrimogêneo, provavelmente do tipo “bailarina”. Esta não explode, somente esguicha o gás. Formou-se então uma nuvem branca no meio da tropa de jornalistas, que ficaram desnorteados. E o capitão gritou:” Mantenham a unidade! Não se dispersem!”. Como eles não tinham o treinamento adequado, dispersaram-se de qualquer maneira, começando a tossir. A assessora do Sindicato caiu, passando mal, e foi atendida por dois oficiais médicos que estavam lá.
Houve mal-estar durante o atendimento. O comando explicou que aquilo não estava dentro do previsto, mas que os médicos resolveriam o problema rapidamente. Depois disso, não sem antes tirar uma foto com fumaça colorida para guardar como lembrança do curso, todos voltaram para o micro-ônibus de volta para o batalhão, onde foi servido um lanche de pão com salsichão. Foram entregues os certificados e houve mais falas, inclusive a do comandante geral do Batalhão. O presidente do sindicato sugeriu uma aproximação entre os jornalistas e policiais militares: “Espero que não aconteçam protestos como os do ano passado, mas, se houver, desejamos que os jornalistas possam trabalhar em conjunto com a Brigada”.
Depois disso, o representante do Sindicato entregou a cada um o guia da Copa da Volkswagen para jornalistas.
Segundo o cartunista e repórter fotográfico Carlos Latuff, presente no evento, a ideia era a de capacitar os profissionais da imprensa que cobrem manifestações para atuar com segurança. Mas o que se verificou, principalmente nesse momento da prática, foi uma aproximação dos jornalistas com a tropa de choque, com a polícia, através de jogos lúdicos. “Repare que o pessoal brincava com escopeta calibre 12, atirando bala de borracha. Aquela arma, aquela munição, é utilizada para atingir pessoas. Pessoas, inclusive, já perderam os olhos por conta dessas balas. O comando disse que havia diferença de precisão entre a munição fabricada no Brasil e a munição padrão americano. Disseram que o policial é treinado para atingir o manifestante do joelho para baixo, mas que estes muitas vezes os atingem mais acima em função da munição nacional não ser de boa qualidade. Nos Estados Unidos , palavras deles, “se você atira abaixo do joelho é abaixo do joelho que a munição vai”. No Brasil não. É curioso que o Brasil, através da Condor, exporta essa munição. O gás lacrimogêneo utilizado no Bahrein é feito pela Condor. O gás lacrimogêneo que é utilizado na Turquia é também produzido pela Condor. Não acredito que esses países comprariam produtos de má qualidade do Brasil”.
Segundo o jornal Versão dos Jornalistas, do SINDJORS, o presidente Milton Simas e o comando do BOE acenam com novas ações integradas entre as duas entidades. “Todos saímos do treinamento melhor instrumentalizados para cobrir protestos. A Brigada Militar deixa abertos seus portões aos jornalistas e isto pode significar uma nova edição do curso. Recebemos orientações importantes de como se portar e de como comparecer a estas manifestações. Por exemplo, poucos sabem que lentes de contato não combinam com gás lacrimogêneo e que há que ser cuidado até com a maquiagem”. O primeiro secretário do SINDJORS, Ludwig Larré, um dos idealizadores do treinamento, observa que a entidade assumiu uma responsabilidade que deveria ser das empresas, no sentido de promover a segurança dos trabalhadores jornalistas. “Não podíamos protelar essa capacitação. O Sindicato tem que zelar pela integridade física da categoria. Se isso ocorrer por meio de ações conjuntas com as empresas, tanto melhor. Caso contrário, estaremos sempre buscando os meios para que esse serviço não deixe de ser prestado”, pondera Larré.
Fonte: Sul 21.
Foto: Carlos Latuff