Neste ano, a Jornada Nacional de Lutas pela Reforma Agrária concentra a maior parte das suas ações entre os dias 28 a 10 de maio.
Duas datas importantes da história da luta pela terra no Brasil serão lembradas: a primeira, os 18 anos do Massacre de Eldorado dos Carajás, quando 21 trabalhadores rurais Sem Terra foram brutalmente assassinados pela Polícia Militar, no município de Eldorado dos Carajás, no Pará, em 1996.
Além desse marco, os Sem Terra também rememorarão os 50 anos do golpe que instaurou a ditadura militar no Brasil. Apoiados por uma elite que não desejava ver seus privilégios tocados pelas reformas de base propostas pelo então presidente João Goulart, como a própria Reforma Agrária, os militares suprimiram a democracia brasileira durante 21 anos.
No primeiro caso, o Massacre de Eldorado dos Carajás traz a impunidade dos crimes do latifúndio em todo o país. O coronel Mario Colares Pantoja e o major José Maria Pereira de Oliveira foram presos apenas 16 anos após o massacre, em maio de 2012.
Julgados e condenados em 2002, usaram todos os artifícios para recorrer em liberdade. Os 155 policiais militares executores diretos do massacre foram absolvidos. O então governador do estado do Pará, Almir Gabriel (que morreu em fevereiro de 2013) e o secretário de Segurança Pública, Paulo Sette Câmara, não foram indiciados.
Os latifundiários se sentem à vontade pela omissão do Poder Judiciário de julgar os crimes no campo e de punir os mandantes dos assassinatos. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) apontam que entre 1985 e 2011, 1.637 lutadores pela Reforma Agrária foram assassinados.
Apenas 91 casos foram julgados, resultando na condenação de 21 mandantes e 72 executores. A Justiça no Brasil levou às grades um criminoso para cada 17 pessoas assassinadas em todos esses anos.
50 anos do Golpe
Quanto a segunda data que os Sem Terra também demarcarão nessa jornada, leva-se em conta sobretudo o período que precedeu o golpe, marcado por intensas lutas sociais no campo. As Ligas Camponesas e os sindicatos rurais mobilizavam os camponeses para exigir que os direitos dos trabalhadores rurais fossem cumpridos.
Na esteira de mobilizações, o governo de João Goulart realiza diversas medidas que beneficiam os trabalhadores rurais, além de anunciar que priorizaria a Reforma Agrária nas reformas de base.
Após o golpe, organizações que lutavam pela terra, como as Ligas Camponesas, foram desmanteladas. Lideranças, camponeses e indígenas foram perseguidas e torturadas, e, no período militar, o latifúndio cresceu ainda mais.
A ditadura militar foi responsável por implantar no campo brasileiro a chamada “Revolução Verde”, que abriu as portas do país ao capital estrangeiro, expondo o campo ao uso de venenos e transgênicos.
Passados 50 anos, a violência e impunidade no campo ainda continuam presentes, sendo até maiores do que no período militar. Relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) aponta que em 2013, 34 pessoas foram assassinadas por lutarem pela terra e 241 foram ameaçadas de morte.
Dentre estas pessoas está o agricultor Cícero Guedes dos Santos, um dos principais dirigentes do MST em Campos dos Goytacazes, no estado do Rio de Janeiro, e Fábio Santos, dirigente do movimento na Bahia, brutalmente executado com 15 tiros no município de Iguaí.
Reforma Agrária estagnada
Tendo em vista esses marcos históricos, no atual contexto o que vemos é uma política de Reforma Agrária completamente estagnada. Um governo que prioriza o agronegócio, sendo um dos que menos realizou desapropriações de terras: em 2013, apenas 100 áreas foram desapropriadas.
Segundo dados do Incra, atualmente há mais de 180 milhões de hectares classificados como grande propriedade improdutiva no país, mas o governo Dilma não se mexe para promover a democratização da terra.
O crédito para os pequenos produtores também é muito menor se comparado ao que é investido aos latifundiários. Foram disponibilizados R$ 21 bilhões no Plano Safra 2013/2014 para a agricultura familiar.
Para o agronegócio se disponibilizou R$ 136 bilhões, ou seja, dez vezes mais investimentos do que à agricultura familiar, responsável por produzir 70% dos alimentos e gerar nove empregos por hectare.
Além disso, a proposta de emancipar os assentamentos já existentes, se levada a cabo, irá eliminar a responsabilidade do governo em oferecer assistência, estrutura e crédito aos assentamentos mais antigos, além de possibilitar a venda de lotes para os latifundiários.
A presença do agronegócio no parlamento, por meio da bancada ruralista, garante ainda mais os interesses dos latifundiários e das empresas do agronegócio.
A aprovação de um novo Código Florestal, o questionamento das demarcações de terras indígenas, do conceito do que é trabalho escravo, até a proposta de se criar uma comissão para aprovar agrotóxicos que não passe pela avaliação da Anvisa, mostra que este grupo não se preocupa com os interesses da sociedade, e sim com seus lucros imediatos.
Jornada
Os motivos para lutar são muitos. Diante de um governo que prioriza um modelo agrário que produz mercadorias ao invés de alimentos; que envenena as plantações, o meio ambiente e as pessoas; a violência contra os trabalhadores rurais que persiste.
Atualmente há mais de 100 mil famílias acampadas, sendo que maioria está há mais de 10 anos sob as barracas de lona. Exigimos prioridades nos assentamentos destas famílias.
Esses desafios levaram ao 6° Congresso do MST, que abriu o processo de mobilizações em 2014.
O 6° Congresso foi um termômetro para demonstrar que está acontecendo uma alteração na correlação de forças da luta no campo. Demonstrou que o modelo de desenvolvimento do agronegócio dá sinais de esgotamento em alguns setores e regiões, principalmente no setor sucroalcoleiro e eucalipto.
Além disso, o agronegócio, que está completamente endividado, protela as dívidas com o governo brasileiro, enquanto as dívidas dos agricultores familiares nos bancos demoraram para serem renegociadas.
Ao mesmo tempo, a sociedade passa a exigir uma alimentação mais saudável, com menos agrotóxicos e insumos químicos na produção de alimentos, algo que apenas a agricultura camponesa pode oferecer.
Nesse sentido, o MST propõe uma nova política agrária para o campo brasileiro, o que chamamos de Reforma Agrária Popular, cuja base produtiva se baseia na agroecologia, sem a utilização de agrotóxicos, em harmonia com o meio ambiente, diversificando a plantação de alimentos, levando cultura, lazer e educação ao campo e oferecendo alimentos saudáveis e de qualidade à toda população brasileira.
Nesse contexto, a nossa jornada de lutas com manifestações em todo o país visa pressionar o governo a assentar as famílias acampadas, denunciar as articulações da bancada ruralista no Congresso para impedir a Reforma Agrária, cobrar agilidade do Poder Judiciário para liberar a desapropriação de terras e julgar e condenar os responsáveis pelos assassinatos de trabalhadores rurais.
Fonte: MST.