Joinville: Por que recusar o plano da licitação do transporte?

Pula Catraca Nº 7. – Após muitos anos de expectativa, finalmente foi iniciado o processo de licitação do transporte coletivo em Joinville. Em geral, as pessoas acreditam que a concorrência será benéfica, diminuirá a tarifa, melhorará a qualidade. Essa opinião, contudo, não condiz com a realidade. Por duas razões fundamentais: a) em cidades nas quais houve licitação, mas o modelo do transporte permaneceu privado, não ocorreram mudanças significativas. Um exemplo é a questão “tarifa”, onde Curitiba e Florianópolis não tem preços nem muito menores ou maiores que Joinville. Isso porque o modelo privado tem a lógica de que o retorno do capital do empresário, seu enriquecimento, é mais fundamental que a mobilidade do usuário. Essa questão foi tema da 5ª edição de nosso jornal. Além disso, b) o plano de licitação lançado pela prefeitura (o plano que estipula critérios de como deverá ser o serviço de transporte pelos próximos 15 anos) não propõe mudanças em aspectos básicos do sistema de transporte, como financiamento e gestão.

Trataremos do plano de licitação nesse texto. Vamos mostrar quais são os aspectos deficientes dele em sete tópicos. As páginas citadas se referem ao plano, que por sua vez pode ser consultado no site do IPPUJ. O Plano tem o objetivo de promover o equilíbrio entre os inte-resses dos grupos de usuários, operadores e poder público. Lá está escrito: “Para a obtenção desse equilíbrio é fundamental a conciliação de interesses de três grupos, com preocupações distintas quanto ao desempenho do sistema” (p. 4). Reside aí o problema: com o transporte privado, a preocupação do empresário é ganhar di- nheiro e a do usuário é exercer seu direi-to de se movimentar pela cidade com qualidade e a um preço mínimo. Como conciliar esses interesses opostos? O plano não responde.

* * * O plano considera que “a capacidade instalada é suficiente para o atendimento da demanda manifesta” (p. 17). Em outras palavras: não há mudança prevista de aumento na oferta de ônibus. Essa ideia é contraditória com a experiência diária de qualquer cidadão que utilize o transporte coletivo no horário do início da manhã e do fim da tarde, quando os ônibus tornam-se currais humanos e a dignidade mais elementar do indivíduo é subordinada ao lucro do empresário, quando é impossível se mexer dentro de um ônibus. Mesmo assim, a prefeitura considera que a capacidade, a oferta de linhas, está de acordo com as necessidades dos joinvilen-ses. Provavelmente jamais andaram de ônibus para ter uma opinião dessas.

O mínimo que poderia ser feito dentro de um plano novo de transporte é a extinção da tarifa embarcada, invenção que “multa” os usuários por não comprarem a passagem antecipadamente e que faz o motorista ter a dupla função motorista-cobrador, piorando a qualidade do serviço e estressando o trabalhador que atende o usuário. O plano não prevê quaisquer mudanças nesse aspecto. Quanto ao financiamento do sistema, diz o plano que a remuneração das empresas será feita por “cobrança de tarifa dos usuários” (p. 18).

Ou seja: exatamente como já funciona há mais de 45 anos. O empresário continua recebendo a partir do que é cobrado do usuário. Outros meios de financiamento – multas de trânsito, estacionamentos, IPTU progressivo – sequer são considerados. Sobre o aumento de tarifa de ônibus há uma terrível novidade, pois ele será “obrigatoriamente anual” (p. 19). Antes disso havia uma folga de até 18 meses entre um aumento e outro, porém agora ele já estará estipulado como obrigatório no contrato. O aumento de tarifa antes do plano de outorga era apenas questionável e absurdo, mas agora é questionável, absurdo e periodicamente legal.

O plano estima que o investimento necessário para a infraestrutura inicial do serviço de transporte seja de 165 milhões. O detalhamento desse valor é remetido ao anexo 4.4, que ainda está em desenvolvimento. Oito meses depois da primeira audiência do transporte, esse anexo ainda não está disponível. O poder público ainda não dispôs as informações necessárias para melhorar o debate sobre transporte, o que demons-tra descompromisso com um tema tão fundamental como o transporte coletivo. O plano prevê contratualmente o “equilíbrio econômico-financeiro” (p. 20) das empresas ganhadoras da licitação. Ou seja, há um “capitalismo sem riscos”: se as empresas perderem dinheiro podem requerer, por meio da justiça, as supostas dívidas, como ocorre hoje com a Gidion/Transtusa, que alegam que a prefeitura lhes deve 268 milhões de reais. Não basta explorar a população uma vez com a cobrança de tarifa, as empresas ganhadoras podem argumentar que perderam dinheiro com a licitação e explorarem ainda por uma segunda vez. São essas razões que conduzem a seguinte conclusão quanto ao plano de licitação: ele não prevê nenhuma mudança substantiva, mas apenas a continuidade do que já era questionável e o aprofundamento do que era indiscutivelmente ruim (como a periodicidade dos aumentos de tarifa). É por isso que o plano da licitação do transporte é insuficiente, retrógrado e deve ser recusado. O modelo privado já está esgotado. É necessário que a população construa um modelo verdadeiramente público que não se fundamente na lógica do lucro.

Foto: http://ujesjlle.blogspot.com/

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