A Lei da Mordaça foi tema de discussão em uma das audiências públicas mais agitadas da história da Câmara de Vereadores de Joinville, ocorrida na noite dessa segunda-feira (5/12). O conjunto dos debates foi uma vitória para a liberdade de expressão. O projeto de lei na cidade tem o número 221 e foi apresentado em 2014 pela vereadora Pastora Leia (PSD). Ele pretende instituir na rede municipal de ensino o programa “Escola Sem Partido”, impulsionado nacionalmente pela ONG de mesmo nome. Projetos idênticos foram apresentados em dezenas de municípios, em pelo menos dez estados e no Congresso. O coordenador nacional dessa organização, Miguel Nagib, participou da audiência. Ele afirmou que esta lei cerceia, sim, a liberdade de expressão e defendeu que isso é necessário.
O PL 221/2014 passou pela Comissão de Legislação da Câmara de Vereadores, com emendas supressivas, no mesmo ano em que foi protocolado. De acordo com a justificativa apresentada pelo projeto, “é notório que professores e autores de livros didáticos vêm-se utilizando de suas aulas e de suas obras para tentar obter a adesão dos estudantes a determinadas correntes políticas e ideológicas”. Assim, escondendo-se atrás de um discurso fácil aos ouvidos menos treinados e defendendo uma suposta “neutralidade” em sala de aula, o projeto inviabiliza ainda mais a sociabilização do conhecimento na escola. Ele torna impossível lecionar geografia política, contextualizar a arte e a literatura, ensinar as teorias de Darwin e de Galileu, história, sociologia, filosofia, explicar a física e o universo, entre tantas outras questões.
Em nome do Sindicato dos Servidores Públicos Municipais de Joinville e Região (Sinsej), Ulrich Beathalter, foi convidado para a mesa da audiência e falou que, como professor, lhe dói cada vez que alguém sugere que os estudantes são uma folha em branco. “Outra aberração é julgar que todos os professores são comunistas”, disse. “Os professores representam a variedade ideológica que há na sociedade”. Ulrich refutou o argumento da neutralidade: “Convenhamos, nenhum presentes aqui é neutro e, reparem, o projeto vem de alguém que tem partido”.
O vereador Adilson Mariano (PSOL) explicou que o centro do projeto é perseguir e criminalizar os professores. “Nós não queremos uma nova inquisição”, falou. Para ele, defender neutralidade é defender a hegemonia do sistema vigente. O parlamentar perguntou como um professor que tem centenas de alunos aplicará o conteúdo de acordo com as convicções de cada família e ressaltou que o Estado é laico.
Para ser aprovado, o PL 221/2014 ainda precisa receber parecer de mérito favorável, na Comissão de Educação, e ser apreciado em plenário. O relator do projeto, vereador Odir Nunes (SD), não deixou clara sua posição. A Consultoria Técnica Legislativa da Câmara de Vereadores, formada por servidores de carreira, chegou a emitir parecer contrário ao projeto. A presidente do Conselho Municipal de Educação, Denise Rengel, leu na Tribuna parecer contrário enviado à Câmara em julho deste ano. O mesmo ocorreu com o presidente do Legislativo, Rodrigo Fachinni (PMDB), que, em última instância, é quem decide quando a matéria será apreciada.
Na semana passada, o Sinsej chegou a enviar um ofício ao prefeito Udo Döhler pedindo para que ele se manifestasse sobre o assunto, mas não obteve resposta. A expectativa é que a partir da audiência de ontem o projeto seja arquivado. No entanto, é necessário que a organização seja mantida. Na próxima terça-feira (13/12) ocorre nova reunião da Comissão de Educação, às 16 horas, onde o relator pode proferir seu parecer. Os movimentos sociais farão uma visita aos parlamentares pedindo o arquivamento.
O advogado do Sinsej, Luiz Gustavo Hupp, foi o primeiro inscrito a falar. Ele relembrou que o projeto apresentado pela Pastora Leia fere gravemente a Constituição no sentido em que limita a liberdade de expressão, sem a qual não é possível gozar da liberdade de cátedra, também prevista constitucionalmente. Para Luiz, o ponto mais obscuro da proposta é a que exige o atendimento do seguinte princípio: “direito dos pais a que seus filhos menores recebam a educação moral que esteja de acordo com suas próprias convicções”. Ele ressaltou que isso é confundir o âmbito público com o privado.
A coordenadora do Sinte, Thaís Tolentino, lembrou que o país passa por um momento de ataques brutais à educação, com a PEC 55 (que congela investimentos públicos), a Reforma do Ensino e o reordenamento escolar em Santa Catarina, que poderá levar ao fechamento de dezenas de escolas. “É nesse contexto que a Lei da Mordaça chega aqui em Joinville; ela representa o medo da classe dominante com a nossa unidade, nossa organização e nossa luta”.
A vereadora proponente do projeto falou por último, após uma grande pressão do plenário para que se manifestasse, já que havia trazido Miguel Nagib para explicar a lei. Demonstrou extremo desconhecimento sobre a rede pública de ensino e sobre as implicações do seu próprio projeto ao afirmar que ele “não fala nada de religião, mas pede neutralidade” e que “hoje nós temos educação religiosa nas escolas e não sei se é opcional ou não”.
O conjunto do debate demonstrou que a maior parte dos movimentos sociais da cidade é contra e está organizada para impedir a aprovação desta lei, que representará um retrocesso de centenas de anos para a educação pública.
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Fonte: Sinsej.