Por Patricia Faermann.
Com um quarto de seus 100 anos de vida na Fifa, morre João Havelange, um dos fundadores da corrupção do futebol e responsável por transformar torneios em grandes contratos por rentabilidades, levando como bandeira subornos velados e como hino complexas estruturas da máfia esportiva.
Com um século de vida, o ex-presidente da Fifa estava internado desde a semana passada no Hospital Samaritano, com pneumonia. Foi a sexta hospitalização, desde 2012, por quadros similares.
Durante os 24 anos no comando da Fifa, sendo o único presidente não europeu da história da Federação, o ex-cartola foi o responsável por dobrar o número de seleções na Copa do Mundo, por criar os Mundiais de categorias inferiores, sempre em busca de mercados e alianças polêmicas, marcadas por escândalos e sujeira de bastidores. A característica de visionário no futebol também lhe rendeu a corrupção no peso de sua imagem.
A marca deixada na entidade em 1998 foi a herança mantida por seus sucessores, como Joseph Blatter. Considerado o inimigo número 1 da Fifa, o jornalista investigativo escocês Andrew Jennings, esteve no Brasil em setembro de 2014 e, á época, explicou ao GGN a origem da mentalidade criminosa da Fifa.
“Começou quando Castor de Andrade foi a Havalange e inseriu essa mentalidade criminosa na FIFA, em Zurique. Depois, contrataram [Joseph] Blatter, que se tornou seu apadrinhado, que toma o poder e continua o mesmo caminho. No Brasil tem os afiliados: [Ricardo] Teixeira e agora vocês tem [José Maria] Marin”, afirmou.
Castor de Andrade foi um dos mais influentes e poderosos bicheiros do Brasil, transitando entre os anos 60 e 80 por clubes de futebol, escolas de samba e corredores da política como parte de um mesmo cenário. No governo militar, obteve atenção especial como do ditador João Figueiredo (1979-1985), que o cumprimentava pessoalmente.
E foi o jornalista Andrew Jennings quem revelou os documentos de um dos maiores escândalos envolvendo Havelange, comprovando que recebeu milhões de dólares em acordos para a Copa do Mundo em 1997, da extinta empresa de marketing esportivo ISL.
A empresa havia firmado contrato com a Fifa nos anos 90, obtendo exclusividade nos direitos de comercialização da Copa, além de participação na negociação de transmissões para TVs. Além de Havelange, no mesmo caso foi denunciado seu genro Ricardo Teixeira, de receber 21,9 milhões de francos suíços (R$ 45,5 milhões), ao todo, junto com o sogro. Teixeira comandou a presidência da CBF de 1989 até 2012.
No final de 2014, quando o GGN pediu a Andrew Jennings que fizesse um balanço comparativo entre Joseph Blatter, Havelange e Marín, o jornalista respondeu: “Qual a diferença? Dois brasileiros e um suíço. Desonestos. Explorando os jogos. Usando falas políticas, blá blá blá e lindas palavras sobre o futebol. Mas não! Não se pode ver as contas se não se sabe como é gasto o dinheiro”, resumiu.
“Como eu disse em meu livro [Um jogo cada vez mais sujo], com Castor de Andrade, no Rio, o verdadeiro gangster, ele ensinou o crime para Havelange, foi seu padrinho, seu mentor. Havelange vai a Zurique, cria uma máfia sindical na FIFA procurando grandes contratos onde eles podem pegar dinheiro, contratos de marketings, de TVs, bilhões de dólares, indo para a FIFA”, contou.
“Que grande contradição tem o Brasil: de um lado, uma excelente tradição do futebol neste país, com belas jogadas, e administradores sujos. (…) O trabalho de um jornalista é dar informação às pessoas. Sendo brasileiro, vocês acreditaram em tudo o que eu disse sobre Teixeira e Havelange, porque vocês já imaginavam. O que eu obtive foram os documentos que vocês não conseguiram”, comentou.
Ao explicar por que não questionou presencialmente ao ex-cartola brasileiro sobre o suborno recebido pela ISL, afirmou que Havelange já estava muito velho: “não seria bom, haveria o perigo de, ao perguntar quanto lucro conseguiu com os contratos da ISL, ele poderia cair morto! E a BBC não queria que eu assassinasse ninguém”, riu.
“Então nós enviamos mensagens e ele não respondeu. Mas foi quando descobrimos o pagamento de 1 milhão de dólares em propinas pagos pela empresa ISL. Eu peguei Teixeira e Havelange!”, concluiu.
A partir da investigação de Jennings, outros casos de corrupção e pagamento de propinas envolvendo campeonatos mundiais do futebol foram revelados pelas autoridades suíças, somando um total de US$ 122,5 milhões em subornos distribuídos a cartolas, sob o comando de Havelange.
Sem ser preso ou processado, tendo que apenas pagar uma multa, o ex-cartola foi isolado pelos dirigentes do futebol mundial e brasileiro, na tentativa de dissociar a imagem de corrupção desvendadas às entidades esportivas – a exemplo do que hoje ocorre com Del Nero e Teixeira, no Brasil.
“Eu fiquei impressionado com as investigações em 2000 e 2001, eu testemunhei no Senado brasileiro sobre a corrupção da FIFA e da CBF, e vocês ainda não fizeram nada! Há 200 milhões de vocês, certo? Tirem esses caras daí! Exijam eleições abertas, transparência, publicação de todo o dinheiro. Eu posso aprender mais sobre o seu país pela Lei de Acesso à Transparência do que vocês sobre o seu futebol”, criticou Jennings.
“No fim do dia, é só uma paixão, é só chutar uma bola, não precisa de nenhum segredo”, finalizou.
Fonte: Jornal GGN