Por ter nascido em uma família de escassos recursos, me vi obrigado a começar a trabalhar com uma idade na qual se esperaria que uma criança estivesse brincando e frequentando a escola. Porém, tendo tão somente onze anos de idade, passei a fazer parte de nossa classe operária, trabalhando em uma fábrica de calçados no bairro do Tatuapé, em São Paulo.
Foi ali naquele ambiente fabril, numa fase de forte efervescência das lutas dos trabalhadores brasileiros, que eu aprendi com meus companheiros de jornadas a ver em Jesus uma luz para nos guiar na busca por um caminho que nos afastasse das condições de penúria em que nos encontrávamos. E eu não andava rodeado de pessoas que mantinham a cabeça no céu e longe da realidade. Aqueles que me falavam de Jesus não se atinham a questões espirituais, senão que apontavam para seu exemplo de vida como um modelo a seguir por quem aspirasse a reedificar um mundo em que prevalecessem a justiça, a solidariedade e a preocupação prioritária com os mais necessitados.
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É preciso salientar que não era muito difícil aceitar a validade daquilo que nos era dito sobre o papel de Jesus e sua importância para transformar a realidade em favor dos mais carentes. Ao buscar nas páginas dos Evangelhos fatos relacionados com sua trajetória de vida, todos os acontecimentos ali mencionados evidenciavam a presença de um ser absolutamente em sintonia com tudo o que eu tinha ouvido de meus companheiros de trabalho.
É que, nos escritos que traçavam o percurso seguido por Jesus, nunca, em nenhuma circunstância, eu me deparava com um Jesus avarento, com um abençoador de ricos e abastados e castigador dos mais carentes. A bem da verdade, era exatamente o oposto o que me vinha aos olhos. Na linha de frente dos que tomavam as dores dos oprimidos, aparecia sempre a figura de Jesus, condenando com veemência os ricos e poderosos que exerciam a opressão contra os mais necessitados.
No entanto, eis que, em pleno Século 21, certos sujeitos que mais parecem ser descendentes daqueles que forçaram a prisão e a execução de Jesus vêm se apropriando de seu nome para ludibriar aos que, como eu, aprenderam a ver na figura de Jesus uma luz de esperança. Esses impostores almejam induzir essa gente imbuída de boa fé a dar sustentação a projetos diametralmente confrontantes com as proposições e a prática daquele a quem dizem estar reverenciando.
Se está evidente que Jesus sempre nos ensinou que nossas condutas deveriam ser orientadas pela lógica da solidariedade, da justiça e da busca da paz, há inúmeros empresários exploradores da fé que se aferram em conceitos que nada têm a ver com isso. Se Jesus demonstrou ser contra o absurdo de Deus ter um povo escolhido ao qual ele daria preferência em detrimento dos outros, por que pessoas que se arvoram em cristãs ousam apelar para tal argumentação como justificativa para a defesa da ocupação do território da Palestina por ser este um presente divino para os judeus? Certamente Jesus não poderia concordar com tal ideia, visto que uma postura tão discriminatória e racista jamais seria apropriada para um Deus justo e bondoso. E, evidentemente, só um Deus com essas qualidades mereceria ser respeitado e seguido. Exclusão, discriminação e preferências raciais podem ter a ver com o diabo, mas nunca com Jesus, nem com o Deus ao qual ele estava associado.
Vamos recordar que, nas palavras de Jesus, para fazer parte de seu povo o fator decisivo não era a origem étnica ou o local de nascimento, e sim a prática de vida adotada por cada um de nós. Poderão integrar o povo de Jesus todos os que assumirem como seus os princípios de vida por ele apregoados. Que princípios são esses? Em alguma passagem de sua trajetória de vida Jesus estipulou a prioridade de uma ou outra etnia para a formação de seu povo? Nunca! Mas, por outro lado, há inúmeras referências feitas por ele sobre a importância de defender os direitos dos mais humildes, de proteger e amparar os mais carentes, de impedir o abuso por parte dos poderosos.
E, como para quem tem em Jesus seu norte espiritual, Jesus é a própria incorporação de Deus, todos os que se sentem sinceramente cristãos jamais poderiam vacilar em aceitar como suas essas proposições dele provenientes.
Agora, entrando no sangrento conflito entre Israel e o povo palestino, como admitir que um povo possa ser invadido, despojado de suas terras e massacrado por uma potência constituída por pessoas provenientes de outras partes do mundo sob a alegação de que esta é a vontade de Deus? Se fosse em nome do diabo, tudo bem , daria para entender. Mas, em nome de Jesus, JAMAIS.
Lamentavelmente, aqui no Brasil, neste exato momento, milhões de pessoas humildes, gente que procuram certas igrejas por elas usarem o nome de Jesus como foco de atração, estão todas sendo levadas a apoiar um genocídio medonho, um crime atroz contra todo e qualquer sentimento de humanidade, praticado pelo Estado de Israel contra o povo palestino. Aceitar que Jesus possa ser favorável a tamanha monstruosidade é equiparar Jesus ao diabo. Isso não é admissível. Não, nunca, não em nome de Jesus!
Jair de Souza é economista formado pela UFRJ; mestre em linguística também pela UFRJ.
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