Israel conseguirá derrotar Gaza? Por Sayid Marcos Tenório.

Os desdobramentos da batalha Espada de Jerusalém foram, sem sombra de dúvidas, favoráveis às forças da resistência, do fracasso militar de mais uma tentativa de destruir Gaza e isolar o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas).

Por Sayid Marcos Tenório.

Em intervalos regulares, desde 2008 as forças israelenses já empreenderam vários ataques massivos contra a Faixa de Gaza. O objetivo é claro; utilizar a força para legitimar e expandir a ocupação ilegal dos territórios palestinos. Estes ataques, à medida que destroem a infraestrutura básica das comunidades, também tentam enfraquecer a resistência palestina

Essas investidas não foram guerras, mas conflitos assimétricos para os quais israelenses têm um dos exércitos mais bem equipados do mundo enquanto palestinos não dispõem de tropas regulares, tanques, aviões de guerra e sistemas de defesa antiaérea. Em resumo, o que existiu não foram guerras entre as duas partes, mas massacres com o claro objetivo de limpeza étnica e genocídio de um povo.

O último ataque aconteceu em maio deste ano e após 11 dias de confronto, o mundo foi surpreendido com as imagens de palestinos comemorando sobre os escombros de Gaza, o resultado das negociações mediadas pelo Egito e os feitos da resistência. Aquelas cenas foram a marca mais patente da vitória da Operação Espada de Jerusalém, realizada pelas organizações da resistência palestina contra as agressões de Israel.

Forças da resistência cada vez mais fortes a cada enfrentamento

No conflito deste ano, Israel fracassou em mais uma tentativa de destruir Gaza e isolar o Movimento de Resistência Islâmica (Hamas). O resultado foi que as forças da resistência palestina saíram mais fortes, mais enraizadas na população, melhor preparadas militarmente e com importante apoio popular em Gaza, na Cisjordânia e nos territórios atribuídos a Israel desde 1948.

Enquanto isso, cresceu na opinião pública israelense o sentimento do enfraquecimento militar de Israel, de que não houve vitória e da evidente incapacidade de derrotar o Hamas e as outras forças da resistência. Essa sensação vem aumentando desde a humilhante derrota do exército dos sionistas em 2006, quando eles foram expulsos pelo Hezbollah do Líbano.

A inteligência israelense fracassou ao não conseguir prever a capacidade ofensiva das forças da resistência e o lançamento de mais de 4.360 mísseis nos 11 dias de conflitos. Este cenário, levou alguns analistas a considerar a hipótese de Israel não mais sair vitorioso das batalhas. Os desdobramentos da batalha Espada de Jerusalém foram, sem sombra de dúvidas, favoráveis às forças da resistência, do fracasso militar israelense e da crescente impopularidade de Israel no mundo.

Os confrontos de maio surpreenderam pelos avanços tecnológicos militares das Brigadas Al-Qassam, o braço armado do Hamas, que utilizou mísseis sofisticados produzidos em Gaza com o apoio técnico e material dos seus aliados do Irã e do Hezbollah libanês. Os mísseis SH85, A120, Badr-3, Ayyash-250K e Qassam-400 alcançaram distâncias que variaram de 100 a 250km, a maioria deles conseguindo contornar o sistema Iron Dome e atingir cidades como Ashdod, Chaer Hanigev, Nir Oz, Ashkelon, Bersheeva e Haifa e a capital Tel Aviv, que teve, também, o seu aeroporto internacional atingido.

Outra surpresa foi a utilização pelo Hamas de drones submarinos, que realizaram ataques a barcos militares e plataformas de exploração de gás. Drones aéreos suicidas atacaram várias bases aéreas israelenses, incluindo as bases de Hastor, Hatzerim, Nevatim, Tal Nov, Palmachim e Ramon, e o oleoduto Askelon-Eiliat, causando destruição e prejuízos ao inimigo. Além disso, drone de reconhecimento da classe Zawari sobrevoou e fotografou sem ser incomodado as instalações militares israelenses, numa demonstração da fragilidade da defesa de Israel.

Embora tenha provocado pequenas perdas humanas e de infraestrutura, os ataques do Hamas afetaram fortemente a economia israelense, com prejuízos superiores a 1,8 bilhão de dólares somente na primeira semana dos conflitos, devido ao fechamento das atividades de portos e aeroportos, ao fechamento de 30% das fábricas, à suspensão da exploração de gás nas plataformas do campo de Tamar, à queda sem precedentes do mercado de ações e à desvalorização da moeda israelense, o shekel, que teve uma queda de 14% em relação ao dólar, elevando a recessão da economia já atingida pela covid-19.

Dificilmente Israel vencerá novas batalhas contra palestinos

No campo político e diplomático, os enfrentamentos com Israel desmoralizaram os chamados acordos de normalização entre o regime sionista e alguns estados árabes, como os Emirados Árabes Unidos, que suspenderam os voos comerciais para Tel Aviv, e o Marrocos, que recuou em vários acordos com Israel. Protestos massivos de solidariedade ao povo palestino realizados em vários países árabes arrefeceram o entusiasmo dos governos locais para “normalizar” relações com Israel.

Há um evidente crescimento da impopularidade de Israel em todo o mundo. As ruas de várias cidades foram palco de inúmeras manifestações de apoio a causa palestina e de franco repúdio as ações do Estado sionista. Ao mesmo tempo, constatamos ações, em nível de instituições internacionais como o Tribunal Penal Internacional ter iniciado inquérito para investigar os crimes de guerra e de lesa-humanidade praticados contra a Faixa de Gaza desde 2014.

Os ataques realizados em 2008/2009, 2012, 2014, 2015, 2018 e 2021, agora investigados pelo TPI, são eventos criminosos que se somam à decisão do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU) que aprovou, após os recentes episódios criminosos, a abertura de investigação sobre os abusos de Israel nos territórios palestinos ocupados.

A aproximação do Hamas e outras forças da resistência com o Irã, o Hezbollah e a Síria, que ofertaram dinheiro, armas e tecnologia à resistência palestina, é um fato muito importante que reforça a avaliação sobre o mito da invencibilidade militar do estado judeu. Dificilmente Israel vencerá novas batalhas contra palestinos em qualquer terreno, enquanto o Hamas se expande pelos territórios palestinos de Gaza e Cisjordânia e por aqueles atribuídos a Israel depois de 1948, despontando como a mais importante força política palestina e potencial vitorioso nas próximas eleições palestinas, ainda sem data marcada, depois de adiadas pela conveniência do presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas.

Sayid Marcos Tenório é historiador e especialista em Relações Internacionais. É vice-presidente do Instituto Brasil-Palestina (Ibraspal) e autor do livro Palestina: do mito da terra prometida à terra da resistência (Anita Garibaldi/Ibraspal, 2019. 412 p).

E-mail: [email protected]
Twitter: @HajjSayid

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