Por Altino Machado.
Mais de 1,3 mil imigrantes haitianos e senegaleses estão retidos no abrigo mantido pelos governos estadual e federal em Brasiléia, a 235 quilômetros de Rio Branco, na fronteira com a Bolívia, por causa da cheia do Rio Madeira, que forçou o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes a fechar a BR-364 e deixou o Acre isolado do restante do país.
Os imigrantes estão documentados com CPF e com um protocolo expedido pela Polícia Federal. Mais de 300 já foram selecionados por empresas interessadas em contratá-los, mas não puderam viajar. O tráfego na rodovia federal entre o Acre e Rondônia, parcialmente coberta por águas do Rio Madeira, está interrompido desde a semana passada por questões de segurança.
– Mais de 100 imigrantes saíram de Brasiléia, mas tiveram que voltar de Rio Branco por causa do fechamento da rodovia. Estão aqui com os bilhetes das passagens de ônibus esperando que o tráfego seja restabelecido – disse o gerente do abrigo, Damião Borges, funcionário da Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos do Acre.
Muito precário, a capacidade para 300 pessoas no abrigo já foi ultrapassada. Mais de 17 mil haitianos já passaram por Brasiléia desde que teve início o fluxo migratório na fronteira do Brasil com a Bolívia e o Peru.
Vista parcial do abrigo em Brasiléia
– Nós já chegamos a ter 1,5 mil imigrantes no abrigo. Caso o tráfego na rodovia não seja normalizado, temos expectativa de muito em breve ter mais de 1,5 mil pessoas. Os haitianos não param de chegar, bem como os senegaleses. Todo esse tumulto que você está vendo se agravou por causa do isolamento do Acre. Ainda bem que o governo federal liberou mais de R$ 2 milhões para investimento numa estrutura melhor para os imigrantes que passam por aqui – acrescentou Borges.
Quando entram no Brasil, os haitianos formalizam pedido de refúgio à Polícia Federal e recebem um protocolo que lhes dá direito de residência legal até que o processo seja analisado e julgado pelo Comitê Nacional para os Refugiados ou pelo Conselho Nacional de Imigração.
O protocolo também dá direito aos haitianos e senegaleses de se deslocarem pelo Brasil, passando a residir e trabalhar em qualquer lugar, sem restrições de movimento no território nacional. Eles são obrigados apenas a comunicar o local de residência à Polícia Federal, como estabelece a lei brasileira para todos os estrangeiros que vivem no país.
Imigrantes na calçada em frente ao abrigo
A maioria dos haitianos e senegaleses vinha sendo contratada para trabalhar em frigoríficos em São Paulo, Santa Catarina, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul.
– Não sei o motivo de São Paulo e Paraná ter parado de contratá-los. Atualmente, Santa Catarina é quem mais contrata. O Mato Grosso também contrata bastante, para trabalho em frigoríficos e na construção civil, além de Goiás. Mas o destino da maioria dos senagaleses é São Paulo e, principalmente, Caxias do Sul.
Segundo Damião Borges, em todos os estados, os haitianos se adaptam melhor ao trabalho em frigoríficos, onde chegam a passar até três meses no emprego. O salário deles varia de R$ 800,00 a R$ 950,00, além de transporte, alimentação e alojamentos ofercidos pelas empresas.
– A maioria desse povo tem esperança de obter documentação que permita ter como destino final a Europa. Depois de sair dos frigoríficos, muitos se deslocam pelo Brasil e um tanto viaja para a Guiana Francesa na esperança de obter visto de entrada na Europa – expliocu o funcionário do governo estadual.
Damião Borges e Jean Katumba
De Puerto Maldonado, no Peru, onde se encontra, o professor Foster Brown, da Universidade Federal do Acre, relata que conversou com Guimo Loaiza Muñoz, da Defensoria del Pueblo en Madre de Dios, que tem responsabilidade para proteger os direitos humanos de idosos, crianças, mulheres, indígenas e presos.
Segundo Foster Brown, a Defensoria trabalha com um orçamento muito reduzido. Guimo e quatro advogados são responsáveis para todo o departamento de Madre de Dios. Guimo gostaria de ter mais interações com entidades brasileiras e bolivianas na região. Ele necessita especialmente de dados sobre o movimento de migrantes para poder atuar e chamar atenção do governo central sobre abusos de direitos humanos.
– Os haitianos que entraram legalmente no país tem direito de passar, via território peruano, ao Brasil. A policia não tem direito de impedir ou pedir dinheiro e os taxistas não precisam transportar os haitianos durante a noite. Uma recomendação é que os haitianos sejam acompanhados por oficiais do governo para impedir exploração – disse Foster Brown.
No abrigo de Brasiléia atualmente estão 20 imigrantes da República Dominicana e mais de 200 do Senegal. O demais são todos do Haiti. Os senegaleses embarcam em avião, em Dakar, capital e a maior cidade do Senegal, cumprem escala na Espanha, de lá seguem para o Equador e percorrem a mesma rota dos haitianos até Assis Brasil (AC), na tríplice fronteira do Brasil, Bolívia e Peru.
– O Brasil é conhecido no mundo inteiro, sobretudo agora, por causa da Copa do Mundo. Eles acessam internet, se informam sobre a rota dos haitianos, e se mandam pra cá.
Jean Katumba, da República Democrática do Congo, que mora e atua na organização África do Coração, em São Paulo, está em Brasiléia para orientar os imigrantes africanos. Os senegaleses, que recusam todas as propostas de trabalho em frigoríficos, preferem trabalhar na construção civil.
– Estou impressionado com a quantidade de senegaleses aqui. Eles poderiam muito bem entrar no Brasil a partir de um estado no litoral, mas preferem entrar por trás, via Equador. É uma longa viagem, que custa quase US$ 7 mil, e isso nos preocupa.
Katumba assinala que na África existem muitos problemas e que todos os imigrantes senegaleses buscam trabalho no Brasil
– São Paulo abriga uma comunidade senegalesa muito forte. Uma parte vai para lá, mas a maioria prefere Caxias do Sul, no Rio Grande do Sul. Aqui no Brasil tem muito trabalho, muito emprego. Os senegaleses chegam e vão trabalhar em empresas de senegaleses. Tanto em São Paulo como no Rio Grande do Sul, trabalham em construções. O Brasil não pode negar que tem trabalho demais aqui – explica.
Jean Katumba tem mantido reuniões com os senegaleses, orientando-os a entrar em território brasileiro por outros estados.
– Nossa preocupação é fazer com que eles venham para o Brasil de forma legal. Eles não precisam gastar tanto dinheiro indo até o Equador e sendo extorquidos no Peru ou na Bolívia. A viagem até aqui pode custar bem menos e sem tanto perigos, como ocorre quando percorrem a mesma rota dos haitianos a partir do Equador.
Haitianos e senegaleses na frente do abrigo