Irlanda, 9 mil crianças mortas em casas para mães solteiras: o ‘mea culpa’ de Dublin sobre 76 anos de maus-tratos

O relatório é o resultado de 5 anos de investigações por uma comissão independente sobre os abusos em “mother and baby homes” espalhadas por todo o país e administradas principalmente por freiras. Será apresentado no Parlamento e acompanhado por um pedido oficial de desculpas do Estado, que por muito tempo subsidiou essas instituições.

A reportagem é publicada por Il Fatto Quotidiano, 13-01-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

A necessidade de buscar e obter justiça, bem como de lançar luz sobre a verdade, explodiu em 2017, quando uma vala comum foi descoberta em Tuam, no condado de Galway, perto do que havia sido um lar para mães solteiras décadas antes. Sufocados pela terra, foram encontrados os restos mortais de cerca de 800 crianças, que passaram por uma das mother and baby homes espalhadas por toda a Irlanda e administradas principalmente por freiras. Ali eram hospedadas mulheres que haviam tido filhos fora do casamento, seus filhos e até muitos órfãos, com o objetivo de mantê-los afastados da sociedade.

E agora o entrelaçamento de abusos e violência sofridos naquelas estruturas de 1922 a 1998 – ano em que a última foi fechada – vem à tona em um relatório de 3.000 páginas que é a denúncia final sobre os maus-tratos históricos cometidos em um País que quer fazer um ‘mea culpa‘ por um passado que recentemente voltou à luz, em todo o seu horror. Que levou à morte – estima-se – de 9.000 crianças ou recém-nascidos por terem sido submetidos a terríveis condições de vida. Um dossiê que é o resultado das últimas investigações confiadas a uma comissão independente: 5 anos de pesquisa entre relatos e testemunhos dos quais emergiram experiências que beiram o horror. No dia 13 de janeiro, será apresentado ao Parlamento de Dublin pelo Primeiro-Ministro Michéal Martin, acompanhado de um pedido oficial de desculpas do Estado, que subsidiou por muito tempo aquelas instituições.

Quem vivia nas mother and baby homes sofria de desnutriçãodoenças e miséria, com altíssimos índices de mortalidade. Muitos dos pequenos não conseguiam sobreviver a essas dificuldades e, uma vez que morriam, seus corpos eram colocados sem muito cuidado dentro de valas comuns, inclusive sem qualquer indicação de suas identidades. Mas as culpas do sistema, que funcionou por mais de 70 anos, não recaem apenas sobre padres e freiras, mas sobre toda a sociedade irlandesa que no passado rejeitava crianças nascidas fora do casamento.

“Era uma sociedade rígida e obtusa”, relatou Anne Harris, 70, que deu à luz seu filho em uma dessas instituições no condado de Cork em 1970. Eventos semelhantes, entretanto, também vieram à luz em outros países, incluindo o Reino Unido (na Escócia em particular), das cinzas de antigos institutos ou orfanatos tradicionais administrados ao longo dos anos por instituições religiosas (católicas ou outras igrejas), mas também laicas. E o cinema também tratou dessa página escura. Como o filme Philomena, a história verídica de uma mulher que durante cinquenta anos procura aquele filho que, quando como jovem mãe solteira, teve que entregar à força para adoção para um casal estadunidense, acatando a vontade das freiras de uma instituição religiosa irlandesa onde havia dado à luz. Mas a realidade que emergiu no relatório parece muito mais trágica do que qualquer reconstrução cinematográfica.

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