Por Wilson Ramos Filho – Xixo.
Vejo nas redes sociais muitas opiniões sobre o Oriente Médio e os países árabes. Não sou especialista, não correrei o risco de passar por ridículo. Limito-me a uma tomada de posição e a um relato pessoal.
Não há como tergiversar. Foi assassinato. O militar iraniano foi morto, covardemente, a mando do presidente dos EUA, violando as mais elementares regras do Direito Internacional. Um ato de guerra que terá consequências a longo prazo.
Passei 31 dias no Iran. Prefiro esta grafia em respeito aos iranianos. Entrei de carro, vindo da Armênia, passei por Tabriz, bordeei o mar Cáspio até a capital. De Teheran desci em direção ao Golfo Pérsico, passando por Qon, Esfahan, para alcançar Shiraz e a mítica Pasárgada, destruída por Alexandre. Viajava sem pressa, algumas vezes ficando em hotéis, a maioria em guest houses ou alugando quartos nas casas de moradores. Subi a Yazd onde fui colhido por uma das frequentes tempestades de areia. Rumando ao norte estive nas ruínas da cidade onde viveram os legendários Assassins (infiltravam agentes nas cortes dos inimigos, ganhavam-lhes a confiança para, ao final, matá-los com punhaladas, assumindo publicamente a responsabilidade pela execução, em nome de Alah). Fui a Mashhad, cidade sagrada, local de peregrinação para os xiitas, assim como Mecca o é para os demais islamitas. No final, cruzei novamente o país, de leste a oeste, passando pelo Curdistão, para cruzar a fronteira da Turquia. Foi uma experiência única, apenas um mês, que me marcou sobremaneira.
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Difícil explicar. Deixo-lhes algumas impressões. Nenhum outro país trata tão bem os ocidentais. Não conheço lugar mais hospitaleiro que o Iran. Ao contrário do que quer fazer crer a mídia ocidental, os xiitas são muito menos fundamentalistas que as demais alas da crença muçulmana ou que as diversas espécies de cristianismo. Óbvio que foi uma pena o golpe aplicado por Khomeini na revolução que destituiu o Xá, em 1979. A revolução liderada pela esquerda e pelos sindicatos tentou obter o apoio dos clérigos e deu errado. A esquerda sempre comete essa erro. Ainda na escada do avião que o trazia do exílio o Aiatolá proclamou a República Islâmica, acabando com a monarquia. Os religiosos tomaram o poder e escantearam os que haviam se insurgido contra o regime anterior, capacho dos EUA e da Inglaterra. Lá, como em outros momentos da história, a crença em deus sufocou o rico processo revolucionário.
Desde então o Iran vem sendo ameaçado pelos EUA, seja instigando os vizinhos contra eles (Lembram da guerra Iran-Irak?), seja impondo severo bloqueio comercial e econômico.
Os iranianos não são árabes, são persas. Falam farci. Seus números e suas letras são distintos do idioma árabe. Para minha surpresa, não proíbem outras religiões ou leituras distintas do Corão, sempre viveram do comércio.
A natureza iraniana é diversa, com vários sub-sistemas de clima e vegetação, embora majoritariamente desértico do centro ao sudeste, até a fronteira com o Pakistan. É um dos países mais lindos que já visitei. Dizem que o Irak e o Afeganistan eram lindos também, antes que os EUA os destruíssem.
O militar iraniano foi assassinado quando estava em território iraquiano. Foi um ato de guerra. Espero que desta vez a diplomacia iraniana consiga, com apoio dos demais vizinhos, da Rússia e da China, evitar a destruição que os estadunidenses impuseram na Syria, no Irak, no Afeganistan e em tantos outros lugares.
Os xiitas são fundamentalistas? Nem mais nem menos que os cristãos. Em qualquer lugar do mundo, quanto mais profunda e sincera for a fé em deus, maiores são as possibilidades assassinas por parte dos fieis. Era o que movia os Assassins, ainda antes da invasão dos khans vindos da Mongólia. É o que move ainda hoje milhões de potenciais assassinos que desumanizam quem acredita no deus errado e os que não foram bafejados pela sorte de acreditar no sobrenatural. É o que moveu as antigas e hoje mobiliza modernas cruzadas que, em nome do deus certo, destroem países, culturas e povos para assegurar seus interesses econômicos.
Vejo muitos debates nas redes sociais sobre as eventuais consequências econômicas de uma nova guerra na região. Para mim esta é uma discussão inoportuna e desimportante. Preocupa-me a morte de milhões de iranianos e a destruição do patrimônio cultural daquela gente hospitaleira e gentil. Sou esquisito.
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