Foto: Marcos Rodrigues/ Secom
Fortaleza – CE. Após um ano e nove meses desde o vazamento de petróleo cru no mar do Nordeste brasileiro, o desastre segue impune e sem um diagnóstico oficial que aponte o causador do derramamento. A situação de injustiça agrava-se com o encerramento da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) destinada a investigar o caso.
O encerramento da CPI se deu uma vez que os deputados deveriam ter votado, até o último dia 6, a favor da prorrogação da Comissão e não o fizeram, extrapolando assim a data-limite exigida pelo regimento da Câmara. Com a pandemia, as atividades da CPI, que teve início em novembro de 2019, foram prejudicadas e tiveram o foco desviado. A Comissão foi findada sem que audiências previstas fossem realizadas e sem relatório final.
A despeito do fato de que no dia 25 de março, os membros da CPI aprovaram um plano que objetivava a renovação das atividades por 60 dias, em uma reunião virtual, a articulação não contou com a aprovação do presidente da Câmara, Arthur Lira e dos parlamentares da casa, resultando no encerramento da CPI.
De acordo com Marcelo Soares, pesquisador do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), da Universidade Federal do Ceará (UFC), o arquivamento da CPI é algo muito negativo do ponto de vista ambiental, já que a Comissão teria como função a descoberta do causador do derramamento, fator indispensável para a indenização referente aos prejuízos causados. “No âmbito do Direito Ambiental, há o princípio do poluidor pagador, que é quem deve se responsabilizar pelo derramamento e pagar pelos danos ambientais, ou seja, danos estimados na escala de milhões de reais,” explica.
Ciência e avaliação de Impactos
Entre dificuldades oriundas da pandemia e descaso por parte do Governo Federal, a crise do petróleo segue trazendo danos em diferentes esferas. São prejuízos socioeconômicos, culturais, psicológicos, ecológicos e de saúde pública, que devem perdurar por décadas, como já provam muitas pesquisas científicas
“O desastre atingiu ambientes fundamentais para pesca, prejudicou belezas cênicas e as atividades turísticas. Trata-se de uma série de danos graves e as consequências desse arquivamento são muito ruins. A ciência estará trabalhando sempre em busca de soluções para amenizar os danos, mas as autoridades em Brasília se mostram desconectadas dessa realidade”, observa Marcelo Soares.
O pesquisador menciona que cerca de 24 artigos científicos sobre estudos relacionados ao caso do derramamento de petróleo cru no Nordeste já foram publicados, sendo a UFC responsável pela produção da maioria. De acordo com Soares, vários trabalhos já apontam danos em recifes de corais e banco de algas, estruturas fundamentais para o equilíbrio de todo o ecossistema costeiro.
“Em breve publicaremos novos trabalhos, sendo um deles para analisar a química do óleo e suas possíveis origens”, destaca Soares.
Uma das pesquisas realizadas pela UFC foi a de vulnerabilidade socioeconômica. O estudo avaliou que o Estado mais afetado, nesse sentido, foi a Bahia, sendo Pernambuco e Ceará o segundo e o terceiro estados mais prejudicados, respectivamente. “Foram mapeados 50 mil estabelecimentos vulneráveis à crise do petróleo. Desses, cerca de 30% estavam relacionados à chamada ‘economia do mar‘, principalmente referente à alimentação, acomodação e turismo”.
Os danos relacionados à segurança alimentar são preocupantes e, de acordo com Soares, esses impactos enfrentados por comunidades tradicionais pesqueiras se tornaram cumulativos, principalmente com relação a pescadores e marisqueiros. Isso, porque essas comunidades já vinham sendo prejudicadas com a chegada das manchas de óleo, que resultou na diminuição da venda dos pescados, já que as pessoas passaram a temer comprar frutos do mar contaminados por óleo. “Em seguida, essas comunidades, que já eram vulneráveis, passaram a perder suas rendas em decorrência da pandemia do novo coronavírus“.
Relembre o caso
O derramamento de petróleo cru no mar mar do litoral do Nordeste é considerado o maior desastre ambiental já registrado na costa brasileira. Ao todo, foram atingidos 11 Estados e mais de mil localidades. As manchas de óleo chegaram ao litoral durante oito meses, prejudicando mais de 50 Unidades de Conservação sem que seus responsáveis tenham sido identificados.
Durante as investigações, um navio grego foi apontado como suspeito de ter causado o vazamento, no entanto, não há provas concretas que apontem um culpado.
A principal pista sobre a origem do derramamento se baseia em um estudo realizado por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
A pesquisa sugere que o movimento das correntes marítimas da região indica que o ponto de origem do vazamento de petróleo teria ocorrido a cerca de 600 km e 700 km da costa, entre os estados de Sergipe e Alagoas.