Por Luiz Henrique Marinho Lages.
Como se não bastasse a intervenção militar na segurança do Rio de Janeiro, ameaçando a vida de milhares de moradores de favelas onde exclusivamente atuam os militares, sorrateiramente, com apoio da regional do médio paraíba que representa a secretaria e educação em Resende, eles estão ocupando o lugar de professores aprovados em concurso e que o STF suspendeu a convocação.
O estado do Rio de Janeiro passa por uma das maiores crises da sua história, e a cada dia que passa a situação se agrava cada vez mais. Após o estado sofrer a primeira intervenção federal do Brasil desde a redemocratização, que colocou os militares de volta ao centro da arena política, a educação fluminense sofre mais um ataque, que passou quase desapercebido, mas nem por isso menos sinistro: alegando “falta de professores de história”, a direção do C.E. Aníbal Benévolo, localizado na vila militar da AMAN, em Resende, permitiu que militares aplicassem atividades autorreguladas com fins de que as turmas “tenham notas na disciplina História”. Na prática, os militares (não formados) estavam entrando em sala de aula para lecionar história e, mais grave, com anuência da direção pedagógica regional.
A aplicação das tais atividades autorreguladas é um procedimento bastante conhecido nas escolas mais precarizadas do estado que atendem justamente a fração mais precarizada da própria população. Na falta de professores em determinadas disciplinas, são aplicados “trabalhos” que servem para os alunos obterem notas nas disciplinas, mesmo sem terem tido aulas. Esta é uma prática de valor pedagógico duvidoso, para dizer o mínimo, e tem sido uma constante nas últimas gestões da secretaria de educação, principalmente nos momentos de intensificação do desmonte da rede pública, como tem acontecido agora. A novidade foi utilizar deste recurso para justificar que os militares ministrassem aulas como se fossem professores.
A presença militar no C.E. Aníbal Benévolo não começou agora. Há alguns anos a escola recebe como estagiários militares que cursam as licenciaturas da cidade, principalmente no CEDERJ, e que devido a proximidade acabam por optar essa escola para realizar o estágio supervisionado necessário para a conclusão das disciplinas de prática de ensino. O problema é que estes ditos estagiários estariam cumprindo esta carga horária em turmas sem professores, e sem supervisão, como se fossem de fato professores concursados pelo estado.
Ora, a aplicação de atividades autorreguladas para turmas sem professores em si já é um problema grave. Ter estagiários dando aula no lugar de professores é muito grave. Agora, colocar militares para dar aulas, no momento em que a vida pública do estado está sendo ocupada militarmente, é absurdo! Pior, há uma simbologia evidente no fato da disciplina em questão ser História e não outra. Pois é justamente a história que está sobre maior ataque pelas chamadas leis da mordaça, que vem sendo articuladas por grupos conservadores em todas as esferas públicas. É a história que está sob ataque daqueles que não querem outra comissão da verdade, que querem realizar um revisionismo covarde do nosso passado, que não querem que haja pensamento crítico na educação. Sob este ponto de vista, ter militares dando aula de história, sem supervisão, sem concurso, é absolutamente temerário.
Felizmente, a SEEDUC acatou a denúncia deste absurdo, realizada pela direção do SEPE Resende, e tanto a coordenação pedagógica regional quanto a direção da escola foram forçadas a voltar atrás. Além disso, tanto o CEDERJ quanto a UNIRIO receberam denúncias e estão averiguando a situação destes estagiários. Esse episódio breve, contudo significativo, ensina que é preciso que os movimentos que lutam por uma educação pública, gratuita, de qualidade, crítica e emancipadora, permaneçam atentos a crescente militarização de todas as esferas da vida pública no Rio de Janeiro e se mantenham vigilantes contra todos os ataques. Não é possível no momento atual que nos calemos ante a um fato como este.
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*Professor da rede estadual do Rio de Janeiro.