Por Elissandro Santana, para Desacato.info.
Em Porto Seguro, uma pergunta que sempre me fazem é: o avanço das águas e a destruição de ecossistemas como a restinga em algumas partes da orla possui relação direta com as mudanças climáticas? Eu respondo que sim, que há intersecções, que os efeitos do aquecimento global já estão na ordem do dia, em algum nível, mas que, para entender a degradação da restinga, deve-se olhar não somente para esse processo como consequência do aquecimento global, pois é preciso compreender as ações antrópicas nesse espaço e como elas interferem na dinâmica desse ecossistema que serve de barreira natural contra o avanço das águas.
A conversa sempre prossegue, à medida que respondo parte do que as pessoas querem saber. É a partir desse ponto que começo a discutir que as ações antrópicas, ao longo dos anos, desencadearam mudanças climáticas que interferem/interferirão não somente em reconfigurações topográficas num plano global, mas, também, local, tendo em vista que tudo está em rede e que em decorrência dessas questões, são muitas as projeções em torno do avanço do mar e da destruição de áreas costeiras, fatores que já são uma realidade em várias partes do Brasil e de outros países.
Sempre faço questão de destacar, em minhas conversas com as pessoas que se interessam por meio ambiente, que em breve teremos algumas respostas mais específicas e significativas, ao passo que as pesquisas forem sendo feitas, que existem pesquisadores e pesquisadoras interessados/as nesse fenômeno. Ademais, sinalizo que esse é um problema complexo, por isso, exige análises em várias frentes e campos de observação e pesquisa, para que, dessa forma, o quadro atual e projeções sejam analisados holisticamente, ultrapassando a dimensão cartesiana.
Com relação ao objeto deste debate, intersecções entre destruição da restinga e avanço do mar na Orla Norte de Porto Seguro, ainda que as mudanças climáticas não sejam o foco da discussão neste texto, é sobre o avanço das águas que ele se debruça, mas o foco da análise não é exatamente o aquecimento global, mas demonstrar quais os papéis e serviços ambientais desempenhados pela restinga diante dos efeitos das mudanças climáticas, em especial, como barreira contra o avanço das águas e as consequências desse processo no litoral.
Para início de debate, cabe pontuar que o avanço das águas na Orla Norte de Porto Seguro, no Extremo Sul da Bahia, tem alguma relação sim com as mudanças climáticas, mas, em um plano local, pode-se afirmar que este problema decorre muito mais de uma série de outros fatores, e, dentre eles, talvez, o mais concreto e perceptível de todos, inclusive, para leigos no que se refere às questões ambientais, é a destruição da restinga. Mas e por que a restinga é tão importante para a contenção das águas e preservação do perímetro norte na orla de Porto Seguro? Ao longo do texto, à medida que as questões forem sendo elucidadas, serão fornecidos elementos que nos ajudarão a responder esta pergunta.
A depredação do referido espaço, principalmente, no perímetro de análise apresentado, tem raízes profundas e todas elas passam, obrigatoriamente, pelo turismo e seus tentáculos, sem desconsiderar, evidentemente, outras frentes e ações insustentáveis. Dentre os maiores entraves à conservação e preservação da restinga, não se pode esquecer a construção de barracas para a exploração de atividades de lazer de forma insustentável, pisoteio desenfreado, ausência de políticas públicas e de uma agenda concreta de monitoramento, de restauração, de educação ambiental e de penalização dos agentes de degradação desse ecossistema. Além destes, outros tentáculos poderiam ser apresentados, mas, para o objetivo central desse debate, os que apareceram até aqui já são suficientes para que entendamos o problema e, principalmente, possamos agir sobre ele.
Para uma discussão mais significativa do problema aqui em pauta, faz-se necessário conceituar o que é Restinga e, para tanto, cabe recorrer a pesquisadores/as como Raissa Campos, Antônio Silveira R. dos Santos e à Resolução CONAMA n. 303/2002. Para Raissa Campos, por exemplo, restinga é uma planície arenosa costeira, de origem marinha, incluindo a praia, cordões arenosos, depressões entre-cordões, dunas e margem de lagunas, com vegetação adaptada às condições ambientais. Ainda em uma perspectiva conceitual, Antônio Silveira R. dos Santos pontua que as restingas, sem sombra de dúvida, formam um ecossistema especial por suas características e também por constituírem uma área de interligação da vegetação de dunas e da vegetação da floresta alta. Já a Resolução CONAMA n. 303/2002 define restinga como o depósito arenoso paralelo à linha da costa, de forma geralmente alongada, produzido por processos de sedimentação, em que se encontram diferentes comunidades que recebem influência marinha, também consideradas comunidades edáficas por dependerem mais da natureza do substrato do que do clima.
O ecossistema restinga desempenha uma série de papéis-serviços ecológicos importantes. Dentre eles, podem ser mencionados os seguintes:
- Funciona como barreira que serve de proteção para os manguezais, outro ecossistema em situação bastante frágil na cidade e em outros municípios da Costa do Descobrimento;
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Fixar e manter o solo arenoso e as dunas;
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Impedir a erosão do solo a partir das ondas e das marés;
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Berçário dos filhotes de tartarugas e outros animais marinhos que desovam no ecossistema;
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Outros serviços com correlação com os anteriores.
Em Porto Seguro, esse ecossistema se apresenta degradado em várias partes, bem como em outros pontos do município. A destruição desse espaço se dá por quase toda a orla. No trecho que se localiza entre a Praça das Pitangueiras e o Rio da Vila, por exemplo, o pisoteio associado a outros entraves desencadeou a perda de parte da vegetação rasteira e, com isso, com o movimento das marés, a barreira natural se desfez em alguns pedaços da orla, o que pode ser facilmente comprovado com uma visita de campo aos locais. Diante desse resultado, houve erosão e, para piorar a situação, amendoeiras e coqueiros caíram, o que fragiliza ainda mais o espaço. Esse mesmo problema se agrava em outros espaços, inclusive, não se pode deixar de mencionar aqui que em alguns espaços da cidade, onde antes era restinga e agora é rodovia federal partes da construção asfáltica cedem com muita frequência, exigindo reparos constantes.
Outro problema que parece muito grave é a prática de fechamento de partes da restinga em alguns espaços onde há complexos / cabanas de praia. Esse fechamento se dá sob o pretexto de preservação, mas isso nos leva a pensar no ecossistema como um bem de todos e que, portanto, deveria ser aberto. Na verdade, temos que perguntar a quem essas partes que estão fechadas beneficiam, pois é óbvio que, para as construções que se valem do turismo, ter um espaço cercado, com a falsa ideia de preservação, é lucrativo, pois nesse processo se vende a ideia de amigo da natureza.
Enfim, são muitos os problemas a partir da degradação da restinga na cidade e essa situação precisa ser analisada em uma vertente histórica, pois somente a partir disso será possível compreender todo o processo e o que poderá ser feito daqui em diante.
Não fosse a degradação em decorrência das ações que beneficiam o turismo predatório, a Orla Norte de Porto Seguro ainda estaria desempenhando todos os serviços e papéis ecológicos mostrados acima. O que é muito triste, dado que a cada dia, o avanço das águas reconfigura a orla com impactos que já são perceptíveis para todos/as.
Páginas consultadas
RESTINGAS-importancia-e-proteçao-juridica-27-4-2017-ASilveira.pdf (aultimaarcadenoe.com.br)
http://www.zonacosteira.bio.ufba.br/vrestinga.html
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Elissandro Santana é Professor da faculdade Nossa Senhora de Lourdes, mestrando em Conservação da biodiversidade e desenvolvimento sustentável, pela ESCAS – IPÊ, membro do Grupo de Estudos da Teoria da Dependência – GETD, coordenado pela Professora Doutora Luisa Maria Nunes de Moura e Silva, revisor da Revista Latinoamérica, colunista da área socioambiental, latino-americanicista e tradutor do Portal Desacato.
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