Vivemos em meio ao desenvolvimento da chamada Quarta Revolução industrial, que, a exemplo das revoluções tecnológicas anteriores, coloca os meios técnicos e as forças produtivas em um patamar muito superior, fornecendo as condições objetivas para a melhoria de vida das pessoas. De um lado, o desenvolvimento das forças produtivas leva a avanços significativos nas tecnologias utilizadas e do processo de produção. Porém, as relações sociais de produção, baseadas na propriedade privada e no lucro, impossibilitam que tais avanços se convertam em benefícios para toda a sociedade.
Um dos principais efeitos dessa contradição é o desemprego tecnológico, ou seja, aquele desemprego causado pela introdução de novas tecnologias no processo produtivo. O uso de tecnologias mais eficientes permite produzir mais mercadorias em menos tempo de trabalho, isto é, com menor quantidade de trabalho humano. O sistema produz assim uma elevação do desemprego, em decorrência do novo patamar tecnológico, criando uma força de trabalho excedente, que tende a se expandir.
Neste contexto mais geral de 4ª revolução industrial, a inteligência artificial (IA) tem sido considerada uma das tecnologias mais disruptivas dos últimos anos, transformando rapidamente diversos aspectos da base produtiva. Muito presente nesse debate, claro, a preocupação com o impacto sobre o emprego, ou seja, com o risco de a tecnologia destruir empregos, em uma conjuntura onde o desemprego já é elevado (são quase 10 milhões de desempregados no Brasil).
Essa contradição entre o desenvolvimento das forças produtivas e o desemprego humano sempre existiu. Quando o homem começou a usar a lança como arma de caça (há mais de 500 mil anos atrás), certamente essa evolução tecnológica “desempregou” seres humanos. Ao invés de precisar de um grupo de humanos para abater um animal grande, armados de pedaços de paus e pedras, o uso de lanças por uma única pessoa, poderia resolver o problema.
Como aconteceu em relação a todas as tecnologias, a inteligência artificial deverá aumentar o desemprego tecnológico porque os novos recursos tornarão uma parte do trabalho humano, supérfluo. É conhecido que, para determinado tipo de trabalho, as máquinas substituem o labor humano, com grande eficiência e superioridade. São incontáveis os exemplos. No que se refere à geração de empregos, penso que no somatório global, a revolução tecnológica, no caso específico a Inteligência Artificial, irá tirar mais empregos do que trazer. O desemprego tecnológico (decorrente das inovações) é uma realidade, não é uma invenção dos sindicatos. Mas, é certo que, com a IA, a eliminação do emprego é parcialmente compensada com a geração de empregos em novas funções e tarefas. Tem muito exemplos disso.
A relação com a tecnologia, e o acesso a esta, ocorre distintamente entre os países. Essa relação depende da condição do país do ponto de vista econômico e geopolítico. Ou seja, os países imperialistas, dominantes, controlam a tecnologia em praticamente todas as áreas. A começar, é claro, pela tecnologia da guerra. Talvez seja possível dividir o mundo, no que se refere à relação com a tecnologia em três grupos de países: 1.Os que produzem tecnologia; 2.os que consomem tecnologia; 3.os que não produzem nem consomem. Os que produzem, claro, são os países imperialistas: EUA, Alemanha, França, Inglaterra, etc. E alguns países que apesar de não serem ricos, geram tecnologias porque sabem que a ela é fundamental para a soberania e seus projetos de desenvolvimento nacional.
O Brasil, apesar de ser um país subdesenvolvido, conseguiu furar um pouco a barreira da exclusão tecnológica: de acordo com a World Nuclear Association, apenas 13 países possuem instalações de enriquecimento de urânio com diferentes capacidades industriais de produção: França, Alemanha, Holanda, Reino Unido, Estados Unidos, China, Rússia, Japão, Argentina, Índia, Paquistão, Irã e Brasil. O urânio utilizado nas usinas de Angra 1 e 2, as duas únicas usinas nucleares do país, em Angra dos Reis (RJ) usa a tecnologia de ultracentrifugação, considerada a mais eficiente, por gastar menos energia.
Não por acaso o contra-almirante Othon Silva, brasileiro que é o pai da tecnologia nessa área, foi um dos primeiros a ser preso pela operação norte-americana conhecida como Lava Jato. contra-almirante foi uma das primeiras vítimas dessa operação lesa pátria, que inclusive colocou o cientista na cadeia, justamente porque era ordem dos EUA inviabilizar o programa nuclear brasileiro. O processo de enriquecimento de urânio, se ainda não usa, certamente utilizará a inteligência artificial. Inclusive pelo risco de contaminação envolvido nesse processo.
A relação da IA com o mercado de trabalho é contraditória. Na medida em que a IA se espalha para as tarefas rotineiras no mundo do trabalho, o emprego se reduz e os salários de trabalhadores pouco qualificados, caem. Por outro lado, as pesquisas indicam que trabalhadores mais qualificados, que exercem funções mais relacionadas ao pensamento abstrato e à criatividade, melhoram seus salários com a disseminação da inteligência artificial. Penso que os trabalhadores não devem se opor aos avanços tecnológicos, como aqueles trazidos pela IA. Mas não há dúvidas que uma parcela significativa dos trabalhadores perde sempre que surge um novo ciclo de tecnologia. Que, aliás, têm ocorrido em períodos cada vez menores.
Por isso é importante os sindicatos defenderem sempre a compensação social, quando da introdução das inovações. Lutando, por exemplo, para aumentar as transferências de renda ou elevar o valor do seguro-desemprego. É fundamental também realizar maiores investimentos públicos em educação e formação profissional, já que uma parcela dos trabalhadores perde o emprego por não conseguir se qualificar nas novas tecnologias, por carência de educação básica e/ou formação profissional. O Estado tem que ter políticas para enfrentar esses problemas, não pode jogar toda a responsabilidade nas costas dos trabalhadores.
Tenho visto opiniões se opondo à ajuda governamental, porque defendem que empresas e trabalhadores devem desenvolver formas de canalizar as oportunidades criadas pelas novas tecnologias para melhorar competividade e oportunidades no mercado de trabalho. Tudo bem, de fato os trabalhadores devem procurar absorver as novas tecnologias. O problema é que esse tipo de posição desconsidera a grande heterogeneidade no mercado de trabalho brasileiro. No qual 60 milhões de trabalhadores (ativos e inativos) referenciam sua renda no salário-mínimo, segundo o Dieese. Não se trata de mercado de trabalho de país europeu.
Quando ocorre um ganho expressivo de produtividade através das inovações tecnológicas, os trabalhadores têm que se esforçar para que tais ganhos decorrentes, sejam apropriados por toda a sociedade. Historicamente, por ser classe dominante, quem se apropria de tais ganhos é fundamentalmente a burguesia. Mas a redução da jornada, desde a primeira revolução industrial, teve como base técnica, os avanços da tecnologia. Só foi possível a jornada de trabalho passar de 15h, 16h, 18h, para menos das 8h legais atuais, em função da mudança radical da base técnica, ou seja, do grande desenvolvimento das forças produtivas. Se os ludistas, no século 19, tivessem sido vitoriosos, e conseguido impedir a introdução de potentes máquinas industriais na produção, a luta dos trabalhadores pela redução da jornada não disporia de base técnica para avançar e chegar às 8 horas legais.
Claro, a organização dos trabalhadores, do ponto de vista político, foi essencial nessa conquista. Até mais importante do que a mudança tecnológica. Se mudar a tecnologia e os trabalhadores ficarem parados a burguesia se apropria de todos os ganhos de produtividade. Não fosse a mobilização dos trabalhadores, a jornada legal seria até hoje de 15h de trabalho diário.
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