Por Lucas Vasques.
“A era do Humanismo está chegando ao seu fim?”. A partir deste questionamento do filósofo camaronês Achille Mbembe, intelectuais e pensadores latino-americanos e europeus se reunirão em Sevilha, na Espanha, para debater os direitos humanos. O seminário “¿La era del Humanismo está llegando a su fin?” será realizado nos próximos dias 15, 16 e 17 de janeiro.
O evento homenageia os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, completados no dia 10 de dezembro de 2018. O contexto político internacional atual exige ampla reflexão sobre essas questões e o Brasil também merece estar no centro das discussões.
“O mundo inteiro, nos países com institucionalidade mais estabelecida, percebe o que está acontecendo no Brasil. É impressionante para quem está fora do país ver a quantidade de artigos e análises em cada um dos jornais sobre o que se passa no Brasil. A articulação de setores de direita que se estabeleceu tem deixado a mídia internacional apreensiva quanto à eventual implantação de políticas fascistas pelo governo de direita no Brasil”, analisa Wilson Ramos Filho, o Xixo, advogado, professor e presidente do Instituto Defesa Classe Trabalhadora (Declatra). Ele será mediador de uma das mesas de debates.
Para o advogado, o seminário foi pensado para discutir a questão dos direitos humanos em termos gerais. “Não só aqueles direitos considerados de primeira geração, como civis e políticos, mas, fundamentalmente, os direitos de segunda e terceira gerações, ou seja, econômicos, sociais e também os direitos das coletividades. Desde o governo Temer, vários desses direitos têm sido atacados, como por exemplo com a reforma trabalhista. E agora, com a posse do novo governo, vemos populações marginalizadas sendo alvo de ataques violentos por parte da direita, sejam as populações LGBTI, sejam as indígenas ou de maioria negra. O mundo todo está preocupado com isso”, avalia.
Contexto
Devido ao contexto internacional atual torna-se imprescindível debater a questão. “Pela própria organização dos temas se percebe que os direitos humanos são considerados como um todo indivisível. Não é possível ter direitos sociais e direitos políticos se não houver o mínimo de equidade social. A ideia é debater direitos humanos no mundo inteiro, porque não é só no Brasil que se assiste a um crescimento da direita”, destaca.
No entanto, segundo ele, no Brasil é mais do que necessário discutir por conta da urgência e da contemporaneidade do tema. “É bastante inspirador para que pensemos no que está ocorrendo no Brasil e no que pode vir a ocorrer em outros países que estão sob o mesmo ataque das políticas ultraliberais”, ressalta o advogado.
Avanços e retrocessos
Wilson Ramos fala sobre os principais avanços e retrocessos no momento em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 70 anos. “Ao longo do século XX, o mundo capitalista mais desenvolvido experimentou momentos de fascismo explícito, como nos casos da Itália e da Alemanha, ou de fascismo velado ou mitigado, como nos casos da ditadura na Espanha e em Portugal. Ao final da Segunda Guerra Mundial, tendo em vista os horrores praticados no período anterior, houve um certo consenso universal de que os direitos das pessoas deveriam ser respeitados e haveria, inclusive, uma jurisdição universal no sentido de que o violador de direitos humanos pudesse ser perseguido pela justiça em qualquer lugar onde estivesse”, diz.
Por isso, em sua avaliação, os temas em debate no seminário demonstram um pouco da surpresa ao constatar que boa parte das populações de cada país considera razoável a violação dos direitos dos coletivos mais vulneráveis. “Os intelectuais que estarão reunidos em Sevilha pensam de modo diverso: a resistência deve ser absoluta contra essas políticas de violação dos direitos humanos”, acrescenta.
Para o advogado e um dos moderadores do seminário, o neoliberalismo é antidemocrático por definição. “Na medida em que pretende privilegiar somente uma pequena parcela da população, que é detentora dos meios de produção e do poder político, em detrimento das grandes maiorias, é profunda e substancialmente antidemocrático. As políticas que na Europa são chamadas de austeridade e que no Brasil são consideradas ultraliberais estão em frontal oposição ao que foi construído ao longo do século XX, sob o conceito genérico de direitos humanos. As políticas neoliberais são incompatíveis com os direitos humanos”, completa.
E-book
Carol Proner, jurista, professora de Direito Internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro da Associação dos Juristas pela Democracia, revela que, durante o seminário, será lançado o e-book “70º Aniversario de la Declaración Universal de Derechos Humanos”, da coleção Perspectivas Iberoamericanas sobre a Justiça, com organização do Instituto Joaquín Herrera Flores e Instituto Iberoamericano de la Haya.
“O e-book é o motivo do seminário. Nele podem ser encontrados 70 artigos”, explica Carol. A organização é da própria Carol e de Héctor Olasolo, Carlos Villán Durán, Gisele Ricobom e Charlotth Back.
Em relação ao evento, Carol lembra que o filósofo Achille Mbembe sustenta a ideia de que o Humanismo está chegando ao fim, tema central do seminário. “Para ele, nós estamos vivendo o fim do Humanismo, que teve sua origem com o consenso universal da Declaração dos Direitos Humanos de 1948, após a Segunda Guerra Mundial. Na opinião dele, o mundo vai viver agora outro tempo, no qual os direitos humanos já não são considerados necessários, outros valores são prevalentes, no caso as razões pragmáticas de um neoliberalismo sem limites, pós-democrático”, conta.
Ela explica que o seminário tem como objetivo discutir essas questões, através dos tópicos: 1) Universalismo dos Direitos Humanos – A declaração é considerada o marco de um consenso universal. Como entender o multiculturalismo e os enfrentamentos entre culturas a partir dos valores consagrados em seus 30 artigos? 2) Interdependência dos direitos humanos – A interdependência, indivisibilidade e inter-relação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais foram reconhecidas na Conferência de Viena de 1993 como de caráter obrigatório. Em sua opinião, este compromisso foi alcançado na prática?
3) Instrumentalização do discurso dos direitos humanos – Até que ponto as intervenções humanitárias e a própria racionalidade neoliberal utilizam um discurso ambíguo e ambivalente dos direitos humanos para outros fins? 4) Direitos humanos e resistência ao neoliberalismo – Em que medida os direitos humanos são instrumentos de resistência frente ao avanço do neoautoritarismo político e econômico contemporâneo?
“O seminário conta com convidados professores, catedráticos de universidades europeias e latino-americanas, muitos brasileiros também. Uma participação extremamente qualificada, não só de juristas, mas sociólogos, economistas, cientistas políticos, antropólogos, pessoas de diversas áreas”, acrescenta. Entre elas, a ex-presidenta do Brasil Dilma Rousseff; o magistrado espanhol Batasar Garzón; a presidenta da Fundação José Saramago, Pilar del Río, entre muitos outros.
“Todos estão preocupados com o fim do Humanismo e das democracias em geral, além do aumento do autoritarismo e das soluções políticas conservadoras e autoritárias como forma de gerir o mundo cada vez menos humano”, destaca Carol Proner, que também é diretora do Instituto Joaquín Herrera Flores, com sede no Rio de Janeiro e também em Sevilha.
Organização
O seminário “A era do Humanismo está chegando ao seu fim?” é uma promoção do Instituto Joaquín Herrera Flores, com apoio de inúmeras entidades, como Declatra, Universidad Internacional de Andalucia, Unesco e Fundação José Saramago.
Vejam a programação completa: