Diretamente de Berlim (Alemanha) – onde estuda, pesquisa e trabalha – o bailarino mineiro Guilherme Morais faz conexão com o Brasil no projeto “ensaio para algo que não sabemos – por uma poética da existência”. Sua participação marca a última ação do programa que ocorre desde o início de 2021 e propõe construções artísticas à distância a partir do corpo e as diversas abordagens de movimento e interação com o tempo/espaço. O bailarino apresenta a residência artística “Dança Macabra”, de 12 a 17 de julho, das 14h às 16h, via plataforma Google Meet. As inscrições são gratuitas e limitadas.
“Dança Macabra surgiu no século XIV sob o impacto da peste Bubônica na Europa. Trata-se de uma alegoria artístico-literária do final da Idade Média sobre a universalidade da morte, momento esse onde a morte se fazia tão presente no cotidiano das pessoas. Coincidentemente ou não, estamos passando por um momento muito similar no mundo, nos trazendo uma grande reflexão sobre vida, morte e tudo que habita entre essas duas palavras”, explica o bailarino.
Segundo Guilherme, a origem da Dança Macabra, o primeiro registro que se tem, é incerta. Alguns estudiosos alegam que foi na França, outros na Alemanha. “Inclusive eu vim a Berlim no final de 2019 para seguir uma restauração de um mosaico da dança macabra que ainda existe na Igreja do centro da cidade. Mas com o COVID, a restauração foi interrompida. Trata-se de um desenho pintura que virou contos e literatura sobre esses corpos diversos que dançam com a morte, que é representada por esqueletos e/ou caveiras dançantes”.
A palavra “macabro” em latim significa “do que não se pode falar ou citar”, ou seja, é do que é velado. Guilherme relaciona a influência que a Igreja exerce sobre as pessoas na compreensão acerca da morte que não seja apenas o luto e silêncio. Para ele, a palavra macabro não significa algo ruim ou mal.
“Tem a ver com o ocultismo, desse conhecimento que não se compartilha, secreto e controlado. Tudo que era considerado ocultismo era somente compartilhado em pequenos grupos iniciados ou escolas iniciadas. Ou seja, um grupo super seleto de pessoas da alta sociedade, assim como a Yoga era antigamente, não era para todo mundo. Por isso é até difícil saber a data e o local do surgimento pela desinformação, o que aconteceu com essa imagem é que ela se popularizou durante o período da peste Bubônica, pela situação de ter que lidar com tantas mortes neste momento”, acrescenta.
Quando tudo começou…
O processo de elaboração do trabalho começou em 2018. Porém, com a pandemia, os planos mudaram. A ideia inicial era criar um espetáculo com 50 intérpretes que se movessem ininterruptamente durante uma hora e trinta minutos. E dessa forma formassem um movimento circular na sala, no sentido anti-horário, uma referência das danças circulares. O público seria convidado a entrar na roda e participar do ritual. Com o isolamento social, nada feito. Porém, o processo abriu frestas interessantes para entender o corpo energético. Além de uma possível pedagogia de como trabalhar e chegar neste estado corporal de dança.
“E nesse processo veio junto tanta autonomia e autodescobertas de tantos níveis que não só do corpo físico, mas o consciente e o inconsciente, padrões, bloqueios, fugas, um mergulho profundo no sujeito e no intérprete. E acho que esse trabalho traz boas perspectivas sim, de ressignificar nossa existência em momentos tão difíceis, o nome deveria ser como “dançar em tempos macabros” que estamos todos sofrendo e não se pode falar sobre. No Brasil a gente ainda tem uma agravante que além da pandemia, temos em vigor a necropolítica, a crença que a evolução do país se dará com um grande número de óbitos. Além de decidir quais são os corpos que devem morrer, que são em sua grande maioria, corpos negros e periféricos. Viver virou um ato político”, comenta Guilherme.
A residência artística é voltada para pessoas a partir dos 18 anos interessadas nas práticas corporais. As vagas gratuitas são limitadas e podem ser feitas no link https://forms.gle/
O “Projeto ensaio para algo que não sabemos – por uma poética da existência” é realizado pelo Governo do Estado de Santa Catarina, por meio da Fundação Catarinense de Cultura, com recursos do Prêmio Elisabete Anderle de Apoio à Cultura / Artes – Edição 2019″
SERVIÇO:
O quê?
Residência Artística Dança Macabra com Guilherme Morais
Quando: De 12 a 17 de julho, das 14h às 16h
Onde: Via plataforma Google Meet.
Inscrições: gratuitas.
Número de Vagas: 25 vagas
Link: https://forms.gle/
ANTES DE BERLIM…
Guilherme Morais começou a dançar cedo. Com 10 anos, o garoto do interior de Minas Gerais, morador da pequena cidade de Coronel Fabriciano, era o único menino a se entregar de corpo e alma ao movimento. Ballet clássico, moderno, contemporâneo, sapateado, hip hop, dança de rua e até o bom molejo do forró são repertórios conhecidos e praticados desde os idos anos 1990.
“Experimentei de tudo, mas ainda era muito de seguir o mestre, a perfeição da forma de um corpo único e específico, um único pensamento de dança em diferentes modalidades. Era aprender coreografias para ir ganhar prêmios em campeonatos pelo Brasil”, relembra os velhos tempos.
Aos 15 anos, o adolescente mudou para a capital Belo Horizonte e dois anos depois conseguiu entrar para o Grupo Oficina Multimedia. Uma companhia profissional, sólida e de vanguarda que mistura dança, teatro, música, vídeo, artes plásticas sob direção de Ione de Medeiros. A experiência no grupo foi irreversível na forma de encarar a dança e pensar arte e criação.
A formação de Guilherme não parou por aí. Ele também participou da Cia Suspensa, a primeira companhia de dança aérea da capital que pesquisa a questão do corpo fora do eixo vertical e sem a referência dos pés no chão. A percepção em relação ao corpo e movimento se transformou intensamente. Mais uma vez, ele muda de cidade. Buenos Aires foi o destino que escolheu para concluir os estudos em dança, em 2008. Por lá, também começou a trabalhar como assistente de direção com coreógrafos importantes da cidade, além de seguir com seus projetos profissionais.
Voltou ao Brasil em 2011, fixou CEP em BH onde montou a plataforma This is noT. A ideia era criar uma rede com diferentes artistas de diversas áreas, que têm em comum o corpo como ferramenta expressiva de comunicação. Em 2012 estreou o primeiro trabalho de direção chamado “Trans”, premiado pelo edital Cena Minas e apresentando em inúmeros festivais no Brasil e na Argentina.
O ritmo de espetáculos de dança e performances se manteve constante, e Guilherme ainda articulou seu tempo na produção mensal das Jams – os encontros de improvisação livre – e a DENGUE – Duelo de Vogue. O projeto foi pioneiro do gênero em toda América Latina e transformou Belo Horizonte na capital nacional do Vogue. Paralelamente a tudo isso, o incansável ainda tinha fôlego para dançar na “Meia Ponta Cia de dança” e ainda como bailarino convidado da “Quick Cia de dança” e da “Dança Multiplex”. Dava aulas no “Espaço Cultural Ambiente” e no “Sesi Minas”.
“Em 2018 começo a me dedicar mais no campo pedagógico da dança e crio a Escola de Arte Indisciplinada. Era uma turma fixa que se estendeu até 2019 com inúmeros trabalhos performáticos e residências artísticas com foco nas residências para e com crianças, uma na favela do Serrão e outra na comunidade ribeirinha de Areal, com as vítimas do desastre de Mariana. Nesta época também nasce o programa educativo de dança “Estufa em Movimento” com aulas regulares e encontros com coreógrafos e workshops, onde tudo acontece dentro de uma estufa com hortaliças”, explica.
Em 2019 Guilherme organiza um programa de dança específico para adolescentes entre 17 e 25 anos com mais de nove professores renomados da dança e performance. O “PIIM – Programa Intensivo de Investigação e Montagem” – que ainda neste ano de 2021 terá sua segunda edição online. Neste exato instante, Guilherme está em Berlim desenvolvendo a pesquisa da dança macabra, o tema da residência artística na programação do projeto Ensaio para Algo que não sabemos – por uma poética da existência.
“Como eu já tinha morado fora em Buenos Aires, e deu tudo certo, na pós-graduação trabalhei com Javier Le roy, Jérôme Bel, além dos coreógrafos argentinos, ganhei meu primeiro prêmio, desenvolvi trabalhos, fiquei três meses em cartaz no Teatro de La Cooperacion, que fica na broadway Calle Corrientes de Buenos Aires. Me senti numa liberdade de criação absurda, e só fazia coisas absurdas e malucas, que eu pensava que nenhuma coreógrafa ia deixar eu fazer. Então fiz tudo que me foi negado e foi maravilhoso. Tanto em nível pessoal de cura, como em nível de reconhecimento mesmo. Já a ida para Berlim que começou em 2015 por causa de uma residência “Ponderosa” foi aos poucos se desenvolvendo em parcerias com grupos e artistas. Estou observando a cena e, claro, sendo observado. E sempre um peixe fora d’água. Eu sempre vou e volto. Mas da última vez que vim, em 2020, fiquei por causa da pandemia. Essas conexões foram se desenvolvendo. Eu tô fazendo assistência de direção do Ricardo de Paula com o Grupo Oito, sou um dos coreógrafos selecionados para trabalhar na abertura do Castelo de Berlin, e ganhei meu primeiro prêmio esse ano para realizar uma pesquisa sobre dança e sociedade do “Theater Tak – Berlin”.