Por Raimundo Sales.
Há muitos anos quando deixei o pequeno interior em que morava eu era apenas um garotinho de sete anos que nada sabia da vida. Naquela época minha única ocupação era andar pelas matas com meus amigos à procura de pássaros (nunca matei nenhum por pena), banhar-me em igarapés e desfrutar da liberdade. Quando saí daquele lugar minha vida mudou completamente, comecei a estudar, ler vários livros, fiz cursos de informática, me tornei professor nessa área, escrevi dois livros (não publicados) e na visão dos outros adquiri um relativo intelecto. Para muitos foi uma troca certeira, pois agora tenho um “futuro”.
Recentemente fui passar alguns dias na casa de meus avós e andei pelos lugares que andava antes, subi em minha árvore favorita onde costumava ler meus livrinhos infantis… enfim revisitei minha infância… Não é algo tão extraordinário, faço isso no mínimo duas vezes por ano, mas desta vez foi diferente. Fui com um enorme peso na consciência, pois não deixava de pensar nas crianças que morriam aos montes na Palestina e este é um assunto que me comove. Lá não há sinal telefônico, logo eu não ficaria informado sobre o que estava acontecendo do outro lado do mundo e isso me entristecia.
Quando cheguei, à tarde, minha tia me levou para o campo de terra improvisado – as mulheres do povoado se reúnem todas às tardes para jogar futebol. Conheço todo mundo ali e não há lugar em que me sinta melhor. Tenho vários amigos, inclusive todas as crianças que com toda a certeza me acham esquisito, pois sempre levo vários livros, sou o pior jogador que existe e dou atenção para elas, enquanto que os rapazes de minha idade não lhes dão a mínima. Naquela tarde fiquei cercado por eles, enquanto me mostravam seus carrinhos feitos com lata de sardinha (já tive muitos iguais àqueles) e poucos bonecos, e não deixei de comparar as formas de infâncias: as crianças da “cidade”, principalmente com as de meus sobrinhos, que têm praticamente a mesma idade, brincam com videogame e mexem em computador. Nossa situação financeira não é das melhores e esses materiais se conseguem a um preço muito baixo hoje em dia, mas aquelas crianças ainda não conhecem esse mundo e em sua inocência ainda vagam livremente por entre as matas, rolam na areia, se balançam em cipós, banham em igarapés e à tarde brincam enquanto suas mães jogam futebol – ou ás vezes até jogam bola junto com elas.
Enquanto eu assistia ao sol sumir por trás das árvores, me veio um aperto no peito: aquelas crianças são tão felizes e vivem na mais perfeita paz, e por mais que meus sobrinhos não vivam ali, também são felizes e vivem em paz à sua maneira, mas… e as crianças palestinas? Que não têm nenhuma daquelas dádivas, não podem correr livremente por entre as matas e nem brincar com um videogame? Como é a infância sabendo que, a qualquer momento, uma bomba pode cair em suas cabeças? Será que têm ânimo para brincar, ou estão tristes demais para isso?
Enquanto o sol sumia e o negro dominava o céu eu estava triste, sofrendo pelas crianças que estavam morrendo – sim, naquele mesmo momento pais estavam velando seus filhos – e pelas que estavam vivas (se é que aquilo é viver), pela primeira vez não fiquei feliz na Boa Esperança e duvido que ficasse em qualquer lugar que estivesse.
Quando as crianças palestinas terão o direito de viverem suas infâncias?
(12.07.2014)
Imagem tomada de: boicotisrael.net