Por Magali Moser.
Instituto Evandro Chagas estuda impactos da produção do metal em Barcarena, Pará, há 4 anos. Relatório em fase de conclusão aponta a degradação ambiental e contaminação da água como principais problemas.
A exploração de alumínio se tornou um problema de saúde pública no município de Barcarena, no estado do Pará. A cidade, de 120 mil habitantes, concentra a maior refinaria do metal do mundo. Toda a movimentação em torno da atividade industrial seria responsável por problemas ambientais, sociais e trabalhistas. A qualidade da água nas áreas do entorno das atividades industriais foram reprovadas em mais de 90% dos casos por fatores de controle químico ou microbiológicos. Esta é uma das principais constatações do relatório parcial feito pelo Instituto Evandro Chagas (IEC), ligado ao Ministério da Saúde. Os resultados finais só devem ser divulgados em outubro.
O órgão recebe denúncias desde 2001. Com um volume grande de reclamações dos impactos ambientais, o IEC passou a avaliar as denúncias do despejo de efluentes do processo de beneficiamento da bauxita nos igarapés da região em 2007. Em junho daquele ano, a bacia de deposição de resíduos de uma das empresas se rompeu e o problema foi amplificado. Foi então que o instituo elaborou um projeto em saúde e meio ambiente para avaliar os impactos mais a fundo. O programa, iniciado em 2008 duraria quatro anos, com previsão de encerramento até final de 2013. Nesse meio tempo, outro incidente ambiental foi registrado: um vazamento de efluentes alcalinos atingiu o rio Murucupi em 2009.
“O mais grave é a forma de relação e atuação das empresas, que poderiam ter muito mais respeito com o meio ambiente e os seres humanos que residem naquela região. Associado a isso, temos a clara omissão do poder público”, aponta o pesquisador da Seção de Meio Ambiente do IEC, Marcelo Lima. “Diante disso, temos uma população que observa sua condição de qualidade de vida gradativamente piorar, agravados por tantos impactos ambientais”, conclui.
Contaminação e desenvolvimento
O município é um dos mais afetados no Brasil com a produção industrial do metal. As etapas de produção deixam marcas na terra, na água e no ar, além da pele, olhos, pulmões e na vida dos trabalhadores e moradores próximos às fábricas de alumínio. Dos 120 mil moradores de Barcarena, 7.000 mil trabalham nas duas empresas do setor na cidade.
O caso já foi levado à Assembleia Legislativa pelo deputado estadual Edmilson Rodrigues. Ele afirma que o problema não atinge apenas os trabalhadores envolvidos na cadeia do alumínio, mas toda a comunidade do entorno, com a poluição e contaminação do solo. Segundo ele, a poluição é tão intensa que chega a deixar amarelados os azulejos brancos das casas próximas às empresas, por conta da quantidade de ferro.
“É um caso de saúde pública. Está comprovado o grau de incidência de doenças pulmonares e degenerativas por conta da poluição. Nem os trabalhadores nem os moradores estão imunes. É grande o número de pessoas com câncer provocado pela contaminação das águas, do solo ou pela poluição”, aponta Rodrigues.
A denúncia foi comprovada por um dos estudos do IEC. No entanto, o instituto quer iniciar estudos mais específicos sobre a qualidade do ar na região. “Para isso, pretendemos adquirir tecnologias que sejam suficientes para a mensuração de parâmetros que possam ser indicativos do atual estágio da qualidade do ar”, complementou o pesquisador Marcelo Lima.
A Superintendência Regional do Trabalho do Pará reconhece que a produção do alumínio é fruto de um processo agressivo. Mas alega infraestrutura limitada para aumentar o trabalho de fiscalização. São apenas dez fiscais para atender a todo o estado do Pará.
“É grave porque os trabalhadores ficam desassistidos. Nunca teremos uma condição de atender a todos. Mas temos de potencializar esforços. A situação está aquém do mínimo necessário”, reconhece Edna Lucia Alves Ferreira da Rocha, auditora fiscal do trabalho chefe do setor de segurança e saúde da Superintendência Regional do Trabalho do Pará.
Situação dos trabalhadores
O alumínio é a principal fonte de economia local e uma importante commoditie nacional. O Brasil é o 4º maior produtor mundial de bauxita (matéria-prima para a produção de alumínio) e detentor da 3º reserva mineral; é o 3º maior produtor mundial de alumina.
A Associação Brasileira de Alumínio estima que cerca de 500 empresas atuem diretamente na indústria do alumínio no Brasil. Desse total, cinco empresas são produtoras de alumínio primário, as demais atuam nas outras etapas da cadeia produtiva – mineração, refinaria, transformação, reciclagem e produção de ligas.
A produção industrial de alumínio e alumina em Barcarena se concentra em duas empresas, a Albrás e Alunorte, respectivamente. De acordo com o Sindicato dos Metalúrgicos do município, na Albrás há quadro reduzido de trabalhadores, desde que a empresa passou o controle de capital estrangeiro para estatal norueguesa.
“A empresa já teve na década de 1980 mais de 2 mil funcionários, hoje tem 1,2 mil funcionários, com uma produção 100% maior. A gente questiona muito a situação social, a responsabilidade das empresas com a região. Não há compromisso”, pondera o presidente do sindicato, Josenildo Vilhena.
Segundo ele, os trabalhadores sofrem uma pressão muito grande por produtividade e atingimento de metas. A Albrás é a 8ª maior fábrica de alumínio do mundo, e a Alunorte, a maior planta internacional de alumina. “O impacto ambiental é forte porque explora bauxita. Para se produzir 100 milhões de toneladas de alumina tem que gerar na natureza mais de 12 milhões de toneladas de bauxita. É muita terra revirada, lençol freático agredido, uma agressão imensa”, analisa.
Vilhena fala que a dívida social é “impagável”. “Existe o impacto, ele tá ai há mais de 20 anos, mas nós precisamos transformar esse alumínio em outros produtos. Pra gente desenvolver a região de forma sustentável”, conclui.
Caso já foi estudado
O médico Hermano Albuquerque de Castro, hoje diretor da Escola Nacional de Saúde Pública, estudou o caso dos impactos da produção de alumínio em Barcarena há quase dez anos. O levantamento apontou que o processo é muito penoso para os trabalhadores e a população.
“Barcarena praticamente vive dessa indústria e é um dos municípios muito contaminados por esse processo de produção. Não só Barcarena, mas na própria trajetória do metal há contaminação de rios pela bauxita”, lembra Castro. Ele reafirma a gravidade da questão ambiental e aponta ainda outra questão ligada à saúde: “O alumínio é considerado uma substância carcinogênica (causadora de câncer) pelos órgãos internacionais”.
Posicionamento das empresas
A refinaria de alumina Hydro Alunorte e a fábrica de alumínio Albras rebatem as críticas e afirmam cumprir todas as normas de responsabilidade social, qualidade dos produtos, saúde, segurança e meio ambiente. As empresas garantem que a reportam mensalmente a performance ambiental à Secretaria de Meio Ambiente do Estado do Pará, responsável pelo licenciamento e fiscalização das atividades industriais no Estado. Para gerenciar as emissões atmosféricas, ambas as unidades alegam ter equipamentos de tratamento.
As empresas reconhecem que em 2009 houve um incidente ambiental devido a uma forte e incomum chuva que incidiu na região. Parte do material na superfície do depósito de resíduos sólidos teria sido arrastada pelas águas pluviais e atingiu o rio Murucupi.
Após o incidente, a Alunorte diz ter aumentado a capacidade do sistema de tratamento de efluentes, incluindo uma bacia de contenção ainda maior. Em relação à contaminação da água potável, as empresas alegam que o estudo do Instituto Evandro Chagas indica que o problema é desencadeado pelo descarte de esgoto nos rios, e não devido às atividades industriais.
As empresas consideram injusta a acusação de que “só reagem quando estão sob pressão.” Tanto a Hydro Alunorte quanto a Albras asseguram ter equipes específicas trabalhando com as comunidades de Barcarena, além de realizar investimentos sociais com o objetivo de melhorar a qualidade de vida dos habitantes.
Edição: Nádia Pontes
Fonte: DW