Por Douglas F. Kovaleski para Desacato. info.
No texto dessa semana, sigo tratando da compreensão da pandemia na sequência da já abordada determinação social do processo saúde-doença, das desigualdades sociais e da colonialidade da morte, nessa semana o tema será a influência das redes sociais no comportamento da pandemia no contexto contemporâneo.
A sociedade capitalista, em seu estágio de intensa concorrência e competitividade, coloca as pessoas umas contra as outras, num completo todos-contra todos estimulando uma forçada individualização, ruptura dos laços de sociabilidade e afeto, produzindo intensa solidão, desamparo sofrimento e grande frequência de adoecimento mental.
As redes sociais, dialeticamente ao que trazem em sua aparência, aumentando infinitamente o número de contatos e de possíveis trocas, produziria então uma sociabilidade mais intensa e mais profícua, promovem exatamente o seu contrário, separação, individualização e perda do reconhecimento do ser humano enquanto membro de uma comunidade, aprofundando o isolamento em curso pelo capitalismo em sal fase neoliberal. Essa negação do comum é marca do neoliberalismo e sua sina pela competitividade, concorrência e ruptura de laços sociais e afetos, brutaliza o humano.
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As redes sociais surgem com uma funcionalidade muito clara, aumentar o tempo de trabalho e transformar o tempo livre em tempo de produção de valor. Valor esse que é agregado nas mercadorias, nas vendas (esfera da circulação), na junção de dados e preferências que compõem perfis regulados por algoritmos com a finalidade exclusiva do controle político das pessoas e das coletividades. Com os algoritmos, cada grupo identificado por uma ideologia comum vai pouco a pouco tendo suas expectativas alimentadas e aprofundando a separação, pois as redes tratam de nutrir as posições extremadas, juntar interesses próximos, e criar perfis ideológicos sem diálogo. E esse processo não se dá apenas entre esquerda e direita, mas entre facções dentro de uma mesma visão geral de mundo.
Há que se considerar que as redes se tornaram aliadas para muitos durante o confinamento, inclusive até para se “desconectar” do que está acontecendo, também é verdade que, para outros, a grande rede pode ser uma fonte de ansiedade (pela grande carga de informações dessa crise sanitária e até pela saturação de tantas atividades oferecidas), de frustração (por não possuir o que outros aparentemente têm), podendo até ser um sério problema de dependência.
As redes sociais nesse momento de isolamento social possibilitam manter as interações com amigos, familiares e vizinhos. Mesmo aqueles que não estão podendo fazer o isolamento social, com a suspensão das aulas e de muitas frentes de trabalho, também estão mais tempo em casa e acessando mais as redes. Este acesso possibilita que muitos continuem a ter aulas, a manter atividades de trabalho, a participar de atividades culturais e artísticas e acessar suas redes de apoio. É através das redes digitais que se tem acesso a informações sobre a pandemia e as formas de proteção. A internet tem o papel fundamental de manter uma certa rotina e parâmetros de “normalidade” nesse momento de suspensão das atividades presenciais.
O uso intensivo da internet, entretanto pode gerar uma adição, um uso compulsivo, definindo uma dependência e centralidade do uso da internet em relação a qualquer outra ação cotidiana. A participação intensiva nas redes sociais também pode gerar um “excesso” de informação ou, em muitos casos, desinformação sobre a pandemia. O excesso de informação pode gerar ansiedade e a difusão da noção de um “medo global”, com ênfase no número de mortes e previsões das curvas de contágio. Por outro lado, a depender das redes a que se está vinculado, as redes sociais podem prover um conjunto de fake news, que descredibilizam a ciência, o conhecimento epidemiológico e as orientações sanitárias.Com a informação importante que as fake news se espalham pelas redes com uma velocidade 5 vezes maior do que uma notícia verdadeira. Isso porque elas dizem aquilo que as pessoas querem ouvir, mesmo que seja mentira. No caso de crianças e adolescentes, o uso intensivo também pode aumentar as chances de sofrer e praticar violências na ambiência digital.
Desta forma, a pandemia passa a ter uma consequência muito mais grave do que a simples contaminação de uma parcela significativa da população e morte de muitas pessoas, mas trata-se de um aprofundamento do processo de alienação já em curso pelo capitalismo/neoliberalismo, pelas redes sociais e pelas fake news. Configura-se um quadro assustador para a sociabilidade, para a política e para a saúde, uma alimentando negativamente a outra. Por isso é hora de reinventarmos o pensamento crítico, os modos de vida, sabermos seguir e romper regras. É hora de regularmos o uso das redes sociais e colocarmos elas a nosso favor. Como fazer isso é que o grande desafio.
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Douglas Francisco Kovaleski é professor da Universidade Federal de Santa Catarina na área de Saúde Coletiva e militante dos movimentos sociais.
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