Indígenas Tembé que tiveram líder assassinado convivem com “chuva de veneno” no Pará

Além da plantação, despejo de agrotóxico afetou agricultores do MST; uma mulher grávida passou mal com a contaminação

Plantação de mandioca murcha depois do despejo de agrotóxicos em Santa Luzia do Pará (PA) – MST Pará

Por Catarina Barbosa.

A “chuva de veneno” é um artifício usado por empresários do ramo do agronegócio para pulverizar grandes plantações. No entanto, o mecanismo também é uma forma de prejudicar agricultores e indígenas que vivem da terra.

Em 25 de janeiro, um despejo aéreo ilegal de agrotóxicos banhou uma terra indígena Tembé e um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), localizados no município de Santa Luzia do Pará, na região nordeste do Pará. A cidade se situa próximo ao município de Capitão Poço, onde a liderança indígena Isac Tembé, de 24 anos, foi alvejada com vários tiros no peito na última sexta-feira (12).

Danos ambientais e à saúde

Considerada crime ambiental, a “chuva de veneno” resultou não só em prejuízo para as plantações, mas também dificuldade de respiração, alergias e coceiras entre os agricultores. Segundo uma integrante do MST, uma mulher grávida chegou a passar mal em decorrência do veneno.

Nailce Verônica é professora de geografia e mora no Acampamento Quintino Lira, vítima do despejo ilegal de veneno. Ela faz parte da coordenação estadual do MST e conta que, desde 2017, as comunidades do município de Santa Luzia do Pará vêm sofrendo uma série de ataques.

“Para os fazendeiros e latifundiários, fica melhor despejar veneno em cima das comunidades do que pagar as pessoas para fazerem o roço, a juquira [cortar o mato manualmente e retirar ervas daninhas da plantação]. Em 2018, foi na comunidade do Piracema, aqui próximo da gente e próximo das aldeias [Tembé]. E, quando foi semana passada, desde segunda-feira, começou a pulverização aérea em cima do nosso acampamento. A Fazenda Bom Jesus, que fica no município de Viseu, a qual o dono é uma equipe de empresários – que a gente não sabe o nome. Eles começaram a pulverizar veneno aéreo, e esse veneno atingiu diretamente as nossas plantações, causando não só dano ambiental, mas também o dano à saúde das pessoas”, conta.

Verônica lista alguns dos sintomas que atingiram os moradores da comunidade e mataram 59 lotes de roçado.

“Muitos sentiram coceira e ardência nos olhos, coceira pelo corpo, falta de ar. O fedor do veneno era muito forte. Segundo algumas pessoas que conhecem, o veneno que foi pulverizado é o Tordon, que mata tudo”, detalha.

Crime ambiental

O artigo 10 da Instrução Normativa n° 02, de 03 de janeiro de 2008, do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, proíbe a aplicação aérea de agrotóxicos em áreas situadas a uma distância mínima de 500 metros de povoações. O uso indiscriminado de agrotóxicos causa dores de cabeça e de garganta, diarreia e febre nas pessoas.

Laudo confirma a contaminação

A pedido da comunidade, um relatório elaborado pela secretaria municipal de meio ambiente de Santa Luzia do Pará confirmou o despejo ilegal de agrotóxicos no acampamento Quintino Lira e em uma terra indígena do povo Tembé.

“Visitamos uma das áreas e constatamos visualmente a influência do produto derivado pelo vento em plantas de mandioca, que apresentavam murcha das folhas, assim como os sintomas já demonstrados nas demais plantas das comunidades já citadas”, diz o documento.

Disputa territorial

A área atingida pelo veneno é ocupada desde 2007 por agricultores do MST. O local é hoje chamado de Acampamento Quintino Lira, área antes conhecida como Fazenda Cambará.

Desde 2018, as famílias do entorno da Fazenda Bom Jesus vêm sofrendo com a pulverização aérea de agrotóxicos. No entanto, o acampamento nunca havia sido diretamente afetado até 25 de janeiro de 2021, quando houve pulverização direta, como “chuva”.

Denúncia encaminhada

A advogada da Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH), Jesus Gonçalves, explica que a entidade quer providências da Secretaria de Segurança Pública, assim como um levantamento das licenças ambientais.

“A gente já encaminhou denúncia para a Segup e para os órgãos municipais e a situação continua a mesma. O que temos pedido ao governo do Pará é que investigue e verifique se há licenças ambientais e se houve a concessão, em que situações elas foram feitas, porque a área de deriva da pulverização está atingindo diretamente as comunidades, não somente o acampamento Quintino Lira, como comunidades indígenas do entorno”, afirma Gonçalves.

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Pará (Segup) disse que “recebeu o pedido e encaminhou à Polícia Civil para apuração. No entanto, há a possibilidade de parte dos fatos narrados ser de responsabilidade da Polícia Federal, por se tratar da terra indígena”.

Edição: Rodrigo Durão Coelho.

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