Por Lino Peres.
Nesta temporada ficou evidente o quanto a questão indígena é negligenciada em todas as esferas de governo. Atacados em seus direitos mais essenciais em todo o território nacional, os índios também são tratados com descaso e omissão em Florianópolis. Há anos, índios Kaigang deixam suas aldeias para vender artesanato nas ruas das cidades como forma de reduzir o estado de vulnerabilidade em que vivem por falta de políticas públicas efetivas que os protejam, e essas viagens também têm a função de fortalecimento de sua cultura. E neste verão, mais uma vez, Florianópolis assistiu a mulheres e crianças cozinhando e dormindo sob o Elevado Dias Velho para, durante o dia, vender sua arte nas ruas centrais e praias. Demandado por lideranças indígenas e indignado com o descaso público, o mandato se envolveu na questão ainda no final de dezembro, e desde lá a batalha institucional para a tomada de providências se instalou.
Estamos acompanhando de perto a articulação para permitir que os indígenas que vêm a Florianópolis vender artesanato na temporada tenham lugar adequado para ficar. Depois de muitas reuniões no Ministério Público Federal e na Justiça Federal, os quais levaram diferentes órgãos públicos ao cumprimento de suas obrigações constitucionais, a situação se resolveu provisoriamente com a permanência dos indígenas, até 31 de março, no Terminal do Saco dos Limões (TISAC), que está desativado. Agora a luta é pela definição, até dezembro, de um local fixo, uma Casa de Passagem, onde eles possam ficar no período em que estiverem na Ilha.
No dia 13 de fevereiro, por determinação do Juiz Marcelo Krás Borges, representantes da Prefeitura Municipal de Florianópolis, Governo do Estado de Santa Catarina, Funai, Advocacia-Geral da União, Secretaria de Patrimônio da União (SPU), além da Procuradora Analúcia Hartmann, foram fazer inspeção técnica no TISAC, a qual acompanhamos, com o vereador Marcos Abreu (Marquito), para saber como está a situação das famílias. Apesar das diversas reuniões entre as autoridades, já faz mais dois meses que as determinações não são cumpridas no todo, como acordado. Cientes do aumento do preconceito e violência contra os indígenas, nosso mandato havia sugerido que locais como escolas, ginásios e instituições públicas deveriam ser pesquisados para abrigar com dignidade as famílias indígenas, mas a inércia do poder público entre o final do ano passado e início deste ano deixou a situação estagnada. De forma provisória, conseguiu-se alojar as famílias no mezanino do Terminal Rita Maria, aliviando a situação de tensão em que viviam à noite sob o Elevado. Posteriormente, por decisão judicial, elas foram para o TISAC.
O fato é que a Prefeitura de Florianópolis, o Governo do Estado de Santa Catarina, a Funai e a Advocacia-Geral da União não queriam se responsabilizar pela situação, e foi necessário que o Ministério Público Federal interviesse e o caso tivesse que parar na Justiça Federal, que exigiu que os órgãos citados trouxessem alternativas de espaço físico adequado situados na área central, mas até o momento nada foi entregue. Agora, instalados no TISAC, sem segurança (a PM se manifestou favorável, segundo a procuradoria do Estado, mas não tem comparecido no local) e após muita discussão e com intermediação do nosso mandato, algumas determinações foram acertadas: barracas para 40 pessoas (faltam mais duas), um fogão, um tanque, mais chuveiros, pois há somente um para as famílias, 40 marmitas diárias (pela prefeitura), mas ainda insuficientes, cestas básicas para todas famílias (a serem providenciadas pela Funai), passe de ônibus para deslocamentos até o centro, melhoria da iluminação, vigilância e proteção lateral contra vento e chuva.
Foi preciso que um juiz federal fosse fazer uma inspeção para ver se as autoridades demandadas estão cumprindo a ordem judicial. Vale lembrar que em dezembro passado completou-se um ano do assassinato, em Imbituba, do menino Kaigang Vitor Pinto, de dois anos de idade, que estava no colo da mãe quando foi degolado.
Fonte: Professor Lino Peres.