Por Claudia Weinman e Ivan Cesar Cima, para Desacato. info.
Indígenas Kaingang que vivem em Passo Fundo/RS, ocuparam as ruas em mobilização ontem, quarta-feira, dia 3 de fevereiro, para denunciar o crime de racismo que, segundo os Kaingang, é recorrente. Nos grupos de WhatsApp os indígenas mencionaram que se sentiram ofendidos e discriminados a partir da última ocorrência envolvendo Sérgio da Rosa, Kaingang da aldeia Goj Nhur, em um mercado da rede Zaffari, mas que o caso envolvendo Sérgio não é único e se confirma a partir de vários comentários que foram postados no facebook da rádio Uirapuru após o ato de rua desta quarta-feira.
Em entrevista ao Portal Desacato, Sérgio da Rosa, trabalhador da Secretaria Especial de Saúde indígena –SESAI, polo base de Passo Fundo/RS, disse que a situação vivenciada por ele no mercado Zaffari, na terça-feira, deixou a comunidade indignada. “Aconteceu na terça-feira, por volta das 8h30 da manhã. Eu moro aqui em Passo Fundo faz dois anos. Todos os dias frequento o mercado, temos vale alimentação que gastamos ali. Eu saí de casa um pouco atrasado, entrei rápido no mercado e fui direto para o setor de limpeza para pegar creme dental. Me abaixei para pegar e o segurança achou que eu estava escondendo algo. Veio correndo para o meu lado e disse: ‘Na minha frente tu vai fazer isso’! Aí eu disse: ‘Mas o que foi senhor?’ E ele respondeu: ‘Não, não! Tu não vai fazer isso, vi que escondeu, levanta a camisa que eu vi que escondeu alguma coisa'”.
Sérgio disse que foi acusado de furtar itens do mercado. “O gerente veio alterado e disse: ‘Seus vagabundos, eu vi que vocês vêm roubar as coisas dentro do mercado’. Mesmo eu tendo falado para ele que carregava o meu cartão. Ele seguiu falando: ‘Não me interessa, vocês indígenas são iguais, nenhum de vocês trabalha. Quero que você se retire do mercado se não vou tomar providências’. Ele me deu um coice nas pernas e foi me empurrando dizendo: ‘Bugre, essa raça que não vale nada””.
Segundo Sérgio, ao ser expulso do mercado onde costuma fazer compras todos os dias, inclusive de itens para o café da manhã, já que trabalha na Sesai que se localiza próximo do mercado Zaffari, ele chamou a polícia para registrar a ocorrência. “Na mesma hora liguei para o meu chefe e liguei para a polícia. Fiquei aguardando na frente do mercado. Liguei para um advogado indígena também, o doutor Júlio, para me acompanhar nessa ação. Não é a primeira vez que acontece. Com as nossas crianças que volta e meia vão comprar no mercado, eles não deixam entrar, ou se entra não vai lá atrás escolher o que querem”.
Mobilização e denúncia
Na quarta-feira, dia 3 de fevereiro, as lideranças kaingang da aldeia Goj Nhur realizaram uma mobilização em frente à sede do mercado da rede Zaffari, como forma de denúncia ao crime de racismo. O cacique Jocemar Mariano disse que a comunidade está indignada e seguirá denunciando essas condutas. “Não podemos calar. Passo Fundo é uma cidade racista, fascista e a gente vêm sofrendo preconceito a cada dia. Nossa luta é grande, temos construído uma luta histórica aqui, tentando conquistar respeito de uma sociedade que não quer nada com os povos indígenas”, disse.
Mariano reforçou que a cada indígena que sofrer racismo, haverá luta. “Essa última situação aconteceu com uma pessoa que faz parte da nossa comunidade e trabalha na Sesai, que frequenta o mercado, comprando lanche, almoço. Os seguranças suspeitaram dele, disseram que não interessava o que ele dissesse, que todos os indígenas são vagabundos. Não aceitamos isso, não é assim que funciona, não vamos calar, ocuparemos as ruas sempre que for necessário para denunciar e vamos buscar nossos direitos pois racismo é crime”.
Ódio nas redes sociais
Ainda ontem, após a realização do ato em Passo Fundo pelos indígenas, vários comentários preconceituosos e racistas foram postados em conteúdo divulgado pela Rádio Uirapuru, conforme consta no link https://www.facebook.com/radiouirapuruoficial/posts/4044616922236413. Os indígenas pretendem ampliar a denúncia referente a esses comentários também, encaminhando a situação para o MPF.
Racismo é crime:
Vale lembrar ainda que racismo é crime, previsto na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, a qual, “Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”. Para saber mais sobre a lei, consulte: https://www.planalto.gov.br/.
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