Por Claudia Weinman, para Desacato.info.
A cena remete a um conflito histórico sem fim. Barracos de lona foram erguidos em um terreno retirado do centro da cidade de São Miguel do Oeste, no interior do estado de Santa Catarina. Indígenas Kaingang, de Tenente Portela (RS), foram ‘convidados’ a se retirar do espaço da rodoviária onde todos os anos, nesta época, costumavam comercializar seus artesanatos, o trabalho que lhes garante um pouco de dinheiro para circular por outras regiões e comprar alguns agrados para suas crianças.
O motivo, segundo a indígena Juliana Cristão, 23 anos, é de que o dono da rodoviária não estava satisfeito com a presença das ‘gentes’ por ali. “A gente sempre vinha aqui só que eles não falavam nada, e agora falaram que a gente não podia ficar lá. O dono daquele terreno não queria que a gente ficasse lá”, disse ela.
Depois de terem sidos obrigados a sair do espaço da rodoviária, Juliana disse que receberam lonas para montar alguns barracos em uma área que fica localizada atrás do cemitério municipal, ainda na semana passada, mas que, nenhum órgão prestou alguma assistência ou explicação mais concisa. Juliana conta ainda que não foi possível se proteger da chuva e do forte vento, que acabou levantando as lonas e deixando todos\as molhados\as nesta última semana. “Choveu, nós molhamos tudo, e lá na rodoviária não se molhava porque a gente ia na rodoviária se proteger”, disse ela.
Além do problema com a chuva, os indígenas estão com poucos alimentos, já que, foram retirados do espaço onde trabalhavam vendendo os artesanatos que produzem. “Não tá saindo muito ‘brique’ e a gente não tá comprando muita coisa. Tem pouca comida. Trouxeram nós pra cá, mandaram lona e deixaram nós assim. Botaram nossas coisas no caminhão, as crianças vieram junto com eles e a gente venho de a pé para cá”, contou Juliana.
Comerciantes pediram a retirada dos indígenas da rodoviária
Depois de algumas denúncias de que os indígenas estariam ocupando o espaço da rodoviária para dormir, comerciantes solicitaram ao Ministério Público uma sugestão para realocar as famílias para que não dormissem em frente aos mercados e farmácias da rodoviária. O Comerciante José Luiz de Oliveira, faz sua defesa. “A rodoviária é o cartão postal da cidade, período que tem tanta gente viajando, chegando. Que imagem que vão levar da cidade? Eles tem por mania vir para cá, fazem suas necessidades aqui no chão da rodoviária também”, disse ele.
Por conta dessa denúncia, o Ministério Público encaminhou para Secretaria de Assistência Social e Prefeitura de São Miguel do Oeste, um documento solicitando uma área adequada para as famílias passarem esse período de final de ano. “Eles tem direito de ir e vir, mas estavam ficando em área que é de pessoa particular. Colocamos todos eles dentro de um caminhão e levamos eles até uma nova área. Todos os dias estamos recebendo denúncias. Agora o encaminhamento é de que se não quiserem ir até a área que a gente arrumou, até a polícia pode ser acionada. Não podem mais ficar naquele local”, afirmou a secretária de Assistência Social, Claudete Fabiani.
‘Cidade limpa’
Lembrei-me do que Zygmunt Bauman mencionava ao falar do “sonho da pureza”. Mais um natal capitalizado aproxima-se de uma cidade que tem sangue indígena e caboclo estampado nas estátuas de ‘colonizadores’. Quem conhece a história de São Miguel do Oeste, sabe muito bem da negação que se faz ao povo indígena e caboclo que também ‘foi convidado’ a se retirar da cidade, quando a antiga Vila Oeste se formara. Gentes que levantaram os prédios, que serviram de mão de obra barata, foram explorados\as em nome da colonização.
E os indígenas? que tem seu costume diferenciado, que produzem artesanatos riquíssimos, mas que não compreendem a troca e venda de terra, porque ela representa vida, ela é mãe. A dizimação indígena está representada no machado do ‘grande colonizador’ que enfeita hoje uma das principais rótulas da cidade. “Agora o encaminhamento é de que se não quiserem ir até a área que a gente arrumou, até a polícia pode ser acionada”. Esta fala chama muito a atenção. Primeiro foram dizimados, ‘convidados a se retirar’, foram mortos e até hoje são perseguidos e em São Miguel do Oeste, novamente esta cena se repete.
“Incômodo…Perturbação…Sujeira…”, estas foram falas proferidas nos depoimentos que referiram-se aos indígenas nesta matéria. Logo, se este conflito se repete, é mais um sinal de que a nossa história carrega uma dívida imensa com estas populações. Primeiro expulsaram os indígenas de suas terras e agora reclamam que as crianças tornaram-se ‘pedintes’? arrancaram-lhe as moradias, os filhos\as, afastando suas gentes da terra mãe, do cuidado com as plantas e animais e agora chamam-nos de intrusos?
Enquanto tiver um indígena, um caboclo, um negro, um branco… Enquanto existir um ser humano passando necessidade, é certo que os conflitos existirão. É mais certo ainda que este sistema não nos serve, pois alimenta uns e deixa morrer de fome, com a dignidade ferida outra parcela. Que o cartão Postal de São Miguel do Oeste não seja representado pelo ‘sonho da pureza’, pela indiferença, pelo medo da alteridade.
Fotos: Claudia Weinman e Paulo Fortes (PJMP\PJR-SC)
[…] boa demais pra índio. Ou pra “bugre”, como são chamados em algumas regiões do sul do país. “A rodoviária é o cartão postal da cidade, período que tem tanta gente viajando, chegando. Que…, justificou um comerciante de São Miguel do Oeste, também em Santa Catarina, para justificar a […]
Se a pessoa está pagando p ter o seu comércio, é lícito que seja respeitado o seu local não importa quem transita na sua frente . Seria conveniente ensinar esses indígenas a usarem suas terras para cultivarem e assim não precisariam estar vagueando de cidade em cidade. Afinal cada pessoa pode desenvolver e evoluir em todos os aspectos.
quais terras dos indígenas você se refere? como eles começariam a plantar? a produzir? e mais ainda, sobra a cultura deles que não é capitalista e não entende a terra como propriedade de ninguém é sim como uma mãe provedora? e se eles devem produzir em suas terras, então deveríamos todos nós não indígenas irmos embora e devolver -lhes todo o território brasileiro que lhes pertencia antes da chegada dos europeus? pra mim se todas essas perguntas forem respondidas , parabéns para você que solucionou um problema mais que centenário!
Cara jornalista,
Essa reportagem é completamente tendenciosa, pois os comerciantes que pagam o Iptu em Smo tem o direito de exigir condições mínimas nas ruas ou calçadas de seus estabelecimentos, inclusive você, que frequenta a praça e os locais públicos do município não gosta de esbarrar em coco humano nesses ambientes, ou gosta? Sugiro que verifique seu posicionamento, o direito de ir e vir não está sendo negado, apenas questionado para que a cidade ofereça condições mínimas a seus munícipes, na qual você também se encaixa. Eu lhe pergunto por que não aloja essas pessoas de Tenente Portela em seu terreno? Espero que esse comentário seja, no mínimo publicado e respeitado. Obrigado. Dr. Jorge, Médico Veterinário.
Todo mundo está mais preocupado com o Ter do que o Ser. É sempre assim, expulsamos as pessoas, não há queremos por perto, em contrapartida, vamos à igreja, rezamos/oramos, pedimos a Deus paz, saúde e amor. Amor pelo capital, pelo Ter. – É muito INDIGNO, o que fazemos, afastamos os marginalizados e nos trancamos com cercas, muros, cadeados, carros brindados, etc. E, ainda, nos assustamos com a miséria. Poderíamos doar o que investimos em segurança para nos aprisionar, e seríamos mais livres e mais felizes.