Por Joaquim de Carvalho.
A ameaça da família Bolsonaro à saúde pública vai além dos passeios do chefe do clã pelo Distrito Federal.
No Estado em que tem mais influência política, o Rio de Janeiro, Flávio Bolsonaro está desarrumando o sistema hospitalar, por meio das decisões de dirigentes do Ministério da Saúde indicados por ele.
A mãe de Janete da Silva Ferreira, de 78 anos, foi vítima desses desacertos.
Com rim transplantado há 22 anos, dona Nair Paula da Silva Ferreira passou mal no último fim de semana, e cumpriu o protocolo indicado pelos médicos: procurou o hospital onde fez o transplante, o Federal de Bonsucesso.
“Liguei 10 vezes para o setor do transplante, e ninguém do serviço especializado atendeu, só as telefonistas, que me orientaram a procurar atendimento em outro serviço de saúde”, comentou.
A mãe Janete vomitava, tinha muita dor no peito e nas costas e não conseguia dormir, e acabou na UPA do Jardim Íris, sem atendimento especializado.
Pelas regras médicas, um transplantado deve ter atendimento perpétuo garantido na unidade em que recebeu o órgão.
No caso da mãe de Janete, o Federal de Bonsucesso.
Mas, mesmo contrariando orientação do ministro Luiz Henrique Mandetta, o hospital desativou o setor de nefrologia, para transformar a unidade em referência para atendimento de doentes do coronavírus.
“Eles desativaram o transplante sem comunicar ninguém, tudo foi feito escondido dos pacientes que têm consulta no ambulatório, e não estão sabendo que até as consultas já foram suspensas por 90 dias”, disse Janete.
O diretor clínico do hospital, Júlio Noronha, confirma a desativação da nefrologia, contra a qual se opôs fortemente.
“O hospital não tem funcionários para atender ao Covid-19 nem equipamentos. O que estão fazendo é errado e vai provocar a morte de pacientes de outras enfermidades que hoje são atendidos”, afirma.
Os servidores responsabilizam o diretor de programa do Ministério da Saúde no Rio de Janeiro, Marcelo Lambert, pela desativação de serviços importantes do hospital.
Em vídeo postado na internet, a funcionária Tatiana Martins fez um apelo ao ministro Mandetta.
“Este senhor, O Marcelo Lambert, além de outras atrocidades, neste momento desmontou todos os serviços especializados do Hospital Federal de Bonsucesso. Por culpa dele, o serviço de nefrologia foi desmontado. O único serviço de nefrologia do Estado completo foi desmontado”, afirmou.
Faltam servidores, e os médicos que ainda trabalham lá estão numa faixa etária já avançada, por conta da falta de concursos públicos nos últimos 30 anos.
Mandetta conhece essa realidade, conforme declarou em entrevista coletiva durante a semana.
“O que a gente tem recomendado lá no Rio de Janeiro e colocado para a secretaria é que esses hospitais (federais) possam estar funcionando para milhares de pessoas que terão necessidade hospitalar, mas de doenças que não sejam ligadas ao coronavírus”, declarou.
É exatamente o que os funcionários defendem, mas os subordinados do ministro, indicados por Flávio Bolsonaro, tomaram decisão no caminho inverso, e já existem situações dramáticas, como a da dona Nair.
Depois de dar com a cara na porta no hospital onde fez o transplante, ela foi levada pela filha a um serviço de emergência, e foi mandada para casa.
A doença, porém, se agravou, ela está com pneumonia e acabou sendo internada na UTI de outro hospital, o da Lagoa.
Se a rotina do Bonsucesso não tivesse sido alterada, com a desativação da nefrologia, ela teria passado por consulta com médicos que conhecem seu histórico, e ela não teria ido para a UPA e mandada para casa.
Talvez seu quadro de saúde nem tivesse evoluído para pneumonia grave.
“Ela esta na UTI da Lagoa, tudo por causa dessa decisão do Marcelo Lambert, porque, se ele, junto com a direção do HFB, não tivesse usado a desculpa de acabar com o tratamento dos pacientes transplantados por causa do Covid-19, minha mãe teria ido na consulta do dia 11 de março, e a doutora ia ver que ela estaria com principio de uma pneumonia, e já teria internado, e não teria chegado nesse estado. Mas eles simplesmente, sem nenhum aviso, cancelaram as consultas dos pacientes, sem saber o estado de cada um”, desabafou.
A situação atual é a seguinte: O Hospital Geral de Bonsucesso não tem doentes de coronavírus, por falta de recursos humanos adequados e também de equipamentos e insumos, e também está sem pacientes de suas especialidades.
Se os médicos, servidores, pacientes, parentes de pacientes e até o ministro da Saúde sabem que o Hospital Geral de Bonsucesso não poderia ter sido reservado para tratamento do coronavírus, por que isso aconteceu?
A resposta poderá ser dada na forma de um escândalo, quando se descobrir que a dispensa de licitação para tratamento do Covid-19 foi usada para negócios não republicanos.
Do contrário, por que um indicado por Flávio Bolsonaro estaria com tanta vontade de usar o Bonsucesso como referência para o coronavírus?
Outra pergunta importante é: Por que Mandetta não coloca no Rio de Janeiro dirigentes alinhados à sua posição?
Ao que tudo indica, ele também está sem força política para fazer o sistema funcionar como deveria tecnicamente num dos Estados mais populosos do país.
O Estado onde o senador filho do presidente tem forte influência política.
A família Bolsonaro, como se vê, é tão perigosa quanto o Covid-19, e será muito mais difícil enfrentar a pandemia enquanto o presidente e seus filhos conservarem algum poder.
Onde puderem atrapalhar, lá eles estarão.
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Abaixo, o vídeo da servidora Tatiana Martins com o apelo ao ministro Luiz Henrique Mandetta.
O vídeo em que Mandetta expõe um projeto de trabalho absolutamente contrário ao que seus subordinados, indicados por Flávio Bolsonaro, estão fazendo no Rio de Janeiro: