Por Daniel Giovanaz.
O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) publicou em Diário Oficial, nesta segunda-feira (1º), a instrução normativa nº 105, que regulamenta o programa Titula Brasil – apelidado por ONGs ambientalistas de “Invade Brasil”.
Lançado em 2 de dezembro de 2020 por meio da Portaria Conjunta nº 1, da Secretaria Especial de Assuntos Fundiários (Seaf) e do Incra, o programa terceiriza aos municípios as atribuições de regularização fundiária de áreas da União.
Segundo o governo Bolsonaro, o objetivo do programa é “garantir segurança jurídica, reduzir custos operacionais e dar maior celeridade e eficiência aos processos de regularização fundiária e titulação de assentamentos da reforma agrária.”
A instrução estabelece que as parcerias do Incra com os municípios devem ser feitas por meio de Acordos de Cooperação Técnica (ACT), sem previsão de repasse de recursos entre as partes.
Para a execução do programa, serão criados Núcleos Municipais de Regularização Fundiária (NMRF), com técnicos indicados pelas prefeituras, que assumirão o trabalho de vistoria local e de checagem de dados para efetuar a titulação.
Cada técnico passará por um treinamento online oferecido pelo Incra, para então ser credenciado como representante do órgão. A prefeitura que aderir ao programa deverá arcar com os custos de contratação dos técnicos.
Reações
Em dezembro, logo após o anúncio da criação do Titula Brasil, um grupo de parlamentares liderados por Nilto Tatto (PT-SP) e Enio Verri (PT-PR) questionaram na Justiça a Portaria Conjunta nº 1, que consideram “nula, ilegal e imoral”.
O argumento é de que a proposta “transfere, sem qualquer critério técnico ou científico, para a iniciativa privada, uma função pública do Incra, deixando-a à mercê das conveniências e forças políticas vigentes”.
Ou seja, com a municipalização desse processo, oligarquias rurais que exercem influência histórica sobre prefeitos e secretários municipais devem ter caminho facilitado para obter a titulação de suas terras, ainda que não cumpram requisitos legais.
A Confederação dos Trabalhadores no Serviço Público Federal (Condsef/Fenadsef) e a Confederação Nacional das Associações dos Servidores do Incra (CNASI-AN) afirmam que o Titula Brasil aprofunda o desmonte da autarquia.
Em nota pública, o CNSAI-AN disse que a implementação do programa deve “impedir novos projetos de assentamento da reforma agrária, novas regularizações de territórios quilombolas, novas áreas indígenas e novas áreas de preservação ambiental.”
As entidades ressaltam que os recursos do Incra destinados a créditos, melhorias de assentamentos, monitoramento de conflitos fundiários e reconhecimento de territórios quilombolas sofreram cortes de até 90% no governo Bolsonaro.
Para o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), maior movimento popular da América Latina, o programa Titula Brasil “facilita a titulação de terras e a legalização da grilagem.”
“Outro ponto crítico é a falta de transparência na descentralização do processo de titulação para os municípios, onde a pressão política local pode influenciar quem vai receber os títulos, favorecendo interesses particulares e ferindo o interesse público”, avalia o Greenpeace.
“Titulação sem justiça social e ambiental não funciona. Ao defender a facilitação na concessão de títulos, o governo Bolsonaro tenta maquiar a realidade, porque não está preocupado em dar o título de terra para quem realmente tem direito e em prol do interesse coletivo”, completa a ONG, em nota crítica ao programa.
Um dos idealizadores do Titula Brasil que assina a portaria ao lado do presidente do Incra, é o secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, Luiz Nabhan Garcia.
Nabhan é amigo de Bolsonaro e ex-presidente da União Democrática Ruralista (UDR), entidade do patronato rural que nasceu como reação organizada e violenta dos grandes proprietários de terras aos movimentos populares do campo que defendiam a reforma agrária nos anos 1960.
Segundo relatório da CPMI da Terra, Nabhan e a UDR são acusados de formação de milícias armadas. Quando ouvido pela CPMI, Nabhan afirmou desconhecer a existência de milícias e acusou sem provas o MST de incitar a violência no campo.