Por Adilvane Spezia.
O tekoa Tarumã Mirin, do povo Guarani Mbya, em Araquari, ao norte de Santa Catarina, foi alvo de incêndio criminoso. A casa de reza da aldeia foi totalmente destruída. Ao ataque se seguiram ameaças contra toda a comunidade. O fato ocorreu no último dia 8, mas só chegou ao conhecimento público nos últimos dias, e se soma a uma série de episódios violentos contra os povos indígenas.
Entre janeiro e este mês, seis terras indígenas foram alvo de invasões e ameaças por parte de posseiros, fazendeiros, madeireiros, empreiteiros e demais invasores interessados em se apropriar das terras indígenas e suas riquezas. Utilizando outros critérios, a Repórter Brasil aponta para 14 casos de invasões a terras indígenas.
“A casa de reza é considerada o “coração da aldeia”, é ainda um espaço ritual, de formação e aprendizado para os Guarani”
Considerada o “coração da aldeia”, a casa de reza é um espaço ritual, de formação e aprendizado para os Guarani. O fogo se alastrou rapidamente devido ao tipo de material usado na construção do local. O ato deu-se por volta das 16h, quando três homens renderam o indígena R.S, que por questões de segurança não terá seu nome divulgado. O fizeram de refém, incendiaram a casa e ainda o obrigaram a levá-los até uma das saídas da Terra Indígena.
No momento do ataque, a maioria dos Guarani tinha se deslocado para participar de um ritual na aldeia Ywa Puru, na Terra Indígena Pindoty. Por coincidência, lá participaram de um ritual na casa de reza.
Conforme o Guarani feito de refém, os criminosos “estavam sem camisas e usavam camisetas para tapar o rosto. Não foi possível ver se estavam armados, mas o fato se serem três contra um” não deu chance de reação. Lideranças relatam o aumento de ameaças e pressão no dia a dia da comunidade, com a presença de não-indígenas desconhecidos nos acessos da aldeia, próximos às casas, inclusive à noite. Denunciam também o sobrevoo de drones na aldeia, situação que os tem deixado apreensivos. Os equipamentos foram avistados em momentos diferentes, durante o dia e à noite, voando a cerca de dez metros do chão.
“por vários dias, na mesma semana do incêndio três drones, sobrevoavam as casas na aldeia, durante o dia e à noite”
A testemunha relata outro episódio que lhe chamou a atenção há uma semana, “quando vi, à noite, um indivíduo a pé próximo às casas da aldeia”. A comunidade Tarumã ainda deixa registrado em Ata da Reunião com representantes da Fundação Nacional do Índio (Funai), que “por vários dias, na mesma semana do incêndio, três drones, sobrevoavam as casas na aldeia, durante o dia e à noite”. A aldeia Tarumã fica a aproximadamente 5 km da aldeia Tarumã Mirin, ambas na mesma Terra Indígena.
As comunidades Guarani da região e a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) têm denunciado o aumento de ameaças e ataques às suas aldeias e aos indígenas, nos últimos meses. O ocorrido foi denunciando à Funai e a expectativa da comunidade é que o caso seja investigado.
Lideranças Kaingang e Xokleng, com terras demarcadas, com procedimento em curso ou contestadas na Justiça por não-índios, relatam situações semelhantes.
As aldeias indígena Tarumã e Tarumã Mirim fazem parte do mesmo território, a Terra Indígena Tarumã, do povo Guarani Mbya. O território, com pouco mais de dois mil hectares, está localizado às margens da BR-101. Há dez anos, em 2009, a área foi reconhecida pelo Estado como Terra Indígena, porém tal medida foi suspensa no ano seguinte. A insegurança jurídica estimulou grupos contrários à demarcação, enquadrando Tarumã em uma regra nacional: nas terras indígenas com demarcação pendente, os povos convivem com invasões, ameaças, atentados e violência.
Tanto que os Guarani Mbya de Tarumã sofrem pressões da especulação imobiliária e corporações empresariais, resistindo às investidas e às ameaças na busca pelo reconhecimento dos direitos tradicionais. Este mês a situação chegou ao incêndio da casa de reza. Nesse meio tempo os indígenas aguardam a conclusão do procedimento demarcatório há 15 anos, desde o momento em que o primeiro Grupo de Trabalho esteve no território para identificar a Terra Indígena.
Atualmente o processo encontra-se na condição de Declarada, porém suspenso pela Justiça. Conforme Osmarina Oliveira, integrante da equipe do Conselho Missionário Indigenista (Cimi) Regional Sul, “a Terra Indígena tinha Portaria Declaratória, mas o juiz federal de Joinville a suspendeu, além de outras três terras indígenas. A Funai recorreu no TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4 Região), mas os desembargadores mantiveram a suspensão. Depois da decisão, se intensificou o processo de invasão destas terras indígenas”.