Por José Álvaro Cardoso.
O movimento sindical catarinense está desenvolvendo a sua 14ª campanha pela atualização dos pisos estaduais, desde a sua implantação em Santa Catarina, em janeiro de 2010. A reivindicação é a de um ganho real de 5% para os pisos, aumento que irá melhorar um pouco a condição de milhares de trabalhadores, que recebem diretamente o piso, ou se beneficiam indiretamente, pelo efeito multiplicador que ele provoca. Quais as razões que fazem com que essa medida seja, neste momento, a melhor política para todas
as partes envolvidas?
1ª) A maioria das negociações coletivas voltaram a apresentar ganhos reais, desde o ano passado, pelo menos, como mostram as informações do Sistema Mediador, organizado pelo Ministério do Trabalho. Isso ocorreu em função de alguns fatores:
a) cenário de controle da inflação (negociação se desenvolve com base em um INPC-IBGE de 3,71% em 2023);
b) balança comercial teve superávit recorde (dados; a seguir);
c) crescimento do PIB em 2023 ficou acima do esperado;
d) taxa de desocupação está em queda. Santa Catarina tem situação de “pleno emprego”.
2ª) A balança comercial brasileira obteve superávit recorde em 2023, de US$ 98,84 bilhões. O superávit foi 60,6% maior que o saldo entre exportações e importações em 2022, de US$ 62,3 bilhões. O dado consolidado foi fruto de exportações de US$ 339,67 bilhões (+1,7% ante 2022) e de importações de US$ 240,83 bilhões (-11,7%).
3ª) O estado tem o terceiro maior PIB per capita do país (R$ 58,4 mil anual), atrás apenas do Distrito Federal e do Mato Grosso. Essa renda per capita possibilita um ganho real para os pisos estaduais, com relativa folga.
4ª) Geração de emprego industrial: de janeiro a novembro de 2023 a indústria de transformação catarinense gerou 16.183 novos empregos e registrou o terceiro maior número de contratações no período, tendo ficado atrás somente de São Paulo e Minas Gerais. Em termos relativos é o maior crescimento do emprego, visto que as populações dos dois estados da região sudeste, que geraram mais empregos no período, são muito superiores a de Santa Catarina;
5ª) Em SC, a participação da Indústria de transformação no total do PIB estadual (21,4%) é a maior entre todas as Unidades da Federação. Entre as 20 maiores empresas de Santa Catarina, 15 são da indústria. Entre as 10 maiores, 9 são industriais. Nenhum outro estado apresenta essa prevalência da indústria na economia;
6ª) A taxa de desemprego no estado é de 3,6% (a média nacional é de 8,2%). Pode afirmar que Santa Catarinense tem uma situação de “pleno emprego” – com todos os senões que temos sobre esse conceito, que precisaria ser aprofundado, o que não é nosso objeto, aqui. Ademais, a taxa de informalidade do estado é a menor do país (26,8% contra 39,1% da média nacional, segundo o IBGE);
7ª) O rendimento médio do trabalho em SC é de R$ 3.392, enquanto na média nacional esse valor é de R$ 3.014, segundo a Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílio (PNAD-IBGE). De novo: este valor de rendimento médio está bem acima dos pisos, o que garante uma margem significativa para aumento real.
8ª) Pelo segundo ano seguido, em 2023 a economia catarinense exportou um valor acima de US$ 11,0 bilhões (11,6 bilhões). No ano passado, os portos de São Francisco do Sul e Imbituba, 2 dos mais importantes do estado, registraram recordes de movimentação de cargas. São Francisco do Sul apresentou alta de 34% em relação a 2022 e Imbituba: 8% de aumento. Em ambos os casos, a movimentação de 2022 já era recorde.
9ª) Santa Catarina possui 141 empresas entre as 500 maiores da Região Sul,
(pesquisa do Grupo Amanhã). Essa participação representa R$ 354,6 bilhões
de receita líquida gerada em 2022 por essas empresas. Entre as 10 maiores
companhias da região, três são catarinenses.
10ª) Dentre as empresas desse mesmo estudo, Santa Catarina tem 37,9% de participação em receita líquida, em relação às empresas industriais no estado, a frente do Paraná, que possui 36,0%, e do Rio Grande do Sul, com 26,2%. O dado é muito importante, considerando que SC tem apenas em torno de 24% da população da Região.
11ª) Santa Catarina é o estado com a maior densidade industrial do país, com 7,1 estabelecimentos industriais a cada mil habitantes. A média nacional é de 2,6 estabelecimentos por mil habitantes. Em São Paulo, onde se concentra quase metade da indústria brasileira, a média é de 2,9. O ganho real de salários é sempre fundamental, porque os índices de preços advêm de um cálculo médio, que não reflete necessariamente a evolução de preços do conjunto de bens que os trabalhadores, especialmente da base da pirâmide salarial, consomem. É fundamental mencionar que os valores dos pisos são baixos. Na prática, na negociação dos pisos se renegocia o direito do trabalhador, e de sua família, poderem continuar se alimentando, mesmo com dificuldades, no ano subsequente. Com os valores salariais negociados, o trabalhador não consegue fazer mais nada além de repor sua capacidade de comprar alimentos no mês. O valor do próprio salário mínimo necessário, calculado pelo DIEESE, evidencia, em cada período, os baixos patamares dos pisos estaduais: R$ 6.439,62 ou 4,88 vezes o mínimo de R$ 1.320,00 em dezembro.
A negociação dos pisos estaduais desde o início esteve muito relacionada, na prática, à própria evolução do salário-mínimo nacional, já que os pisos possuem níveis próximos a este. Em 2023 o piso mais baixo ficava 16,82% acima do salário-mínimo. O salário-mínimo teve ganho real expressivo.
Se usado como referência o mês de janeiro de 2023, quando o salário-mínimo era de R$ 1.302,00, temos um aumento nominal, com os R$ 1.412,00, de 8,45%. Se descontarmos o INPC, de 3,71%, o ganho real ficou em 4,57%. Os problemas das empresas em geral estão longe de ser o custo daforça de trabalho, pelo contrário. Na realidade, eles estão localizados nos demais custos, como matéria-prima, câmbio, taxa de juros, política industrial, fretes, infraestrutura etc. O custo do trabalho teria que ser encarado pelos empresários como uma solução e não como um problema. Não só porque o trabalho é o fator de produção que gera valor novo, gera a riqueza, mas também porque são os trabalhadores, fundamentalmente, que irão consumir os produtos fabricados. As crises no sistema capitalista, há 300 anos, ocorrem quando sobram produtos nas prateleiras e não quando faltam, (com raras exceções).
José Álvaro Cardoso é economista, coordenador do DIEESE/SC e colunista no JTT do Portal Desacato.