Impedimento pelos Decretos e Pedaladas fere o Princípio da Proporcionalidade

Por Fernando Nogueira da Costa.

Marcelo Coelho (FSP, 10/04/16) fez uma análise jurídica do golpe parlamentarista de deputados não representativos da maioria contra a Presidenta eleita pela maioria. Dilma terminou a eleição em 2014 com 51,64% e Aécio, com 48,36%. Ela teve, ao todo, 54.501.118 votos e o tucano, 51.041.155.

Celso Russomano, do PRB de São Paulo, foi o deputado federal mais votado nas Eleições 2014. Com 1,524 milhão de votos, ele também passou a ser o segundo candidato mais votado para o cargo na história do país.

Em segundo lugar, aparece o Tiririca, do PR de São Paulo, com 1,016 milhão de votos. Ele foi o deputado mais votado em 2010, com 1,3 milhão de votos. Jair Bolsonaro, do PP do Rio de Janeiro, ficou no terceiro lugar do ranking, com 464.572 votos. Este representante da extrema direita é o único deputado de fora de São Paulo entre os cinco mais votados. Vejam o nível desses deputados…

Coelho destacou o Princípio da Proporcionalidade. “Decretos e pedaladas fiscais” são (falsas) justificativas para um Golpe de Estado! E não vigora, no Brasil, um regime parlamentarista que o governo cai quando a base governista deixa de reunir a maioria parlamentar. Tampouco se justifica a mesquinharia analítica de empresários golpistas — conspiradores da FIESP e outras associações patronais — de achar que porque sua empresa está mal, em uma crise mundial, tem que derrubar o governo de hegemonia trabalhista para arrochar os salários e sair da crise.

“Uma coisa positiva, ao menos formalmente, em toda a crise do impeachment é que os dois lados do debate insistem em invocar a Constituição e a lei.

O impeachment não é golpe, dizem seus defensores, porque está tudo previsto, tintim por tintim, nos textos legais. O impeachment é golpe, dizem seus adversários, não porque estejam sendo usados tanques e baionetas, mas porque Dilma Rousseff não cometeu nenhum dos crimes de que está sendo acusada.

Conversando com quem entende mais do que eu, acabei achando que falta um argumento importantíssimo na discussão. Vamos lá.

A Constituição (artigo 85, VI) diz que atos atentatórios à lei orçamentária serão considerados crimes de responsabilidade do presidente da República. Remete, em seguida, para uma lei especial que defina melhor esses crimes. A lei já existia: é a 1.079, de 1950. Lá, pode-se ver uma lista muito abrangente de comportamentos capazes de ser punidos com o impeachment.

No capítulo V, sobre a “a probidade da administração”, fala-se que é crime, por exemplo, “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”. Muita coisa pode entrar nessa definição, dependendo do gosto e da força política de cada um.

No outro polo do “planeta impeachment”, a lei de 1950 fala de questões mais objetivas e acabou admitindo especificidades técnicas muito grandes.

Isso porque, a partir de 2000, aprovou-se a Lei de Responsabilidade Fiscal – e partes desse documento, prato cheio para especialistas, foram incorporadas às regras do impeachment.

Assim, no capítulo VI da Lei do Impeachment, passou a ser considerado “crime” algo como “deixar de ordenar a redução da dívida consolidada, nos prazos estabelecidos em lei, quando o montante ultrapassar o valor resultante da aplicação do limite máximo fixado pelo Senado Federal”.

Não foi o caso de Dilma, pelo que eu saiba, mas os decretos não autorizados de 2015 estão, podem estar ou talvez não estejam de jeito nenhum incluídos nos comportamentos que a lei do impeachment trata como passíveis de punição.

Um argumento novo contra o impeachment começaria a partir daí. A punição é a mesma: perda de mandato. Os crimes, entretanto, podem ser variadíssimos.

Vão desde o simplesmente vago (quebra do decoro) ao extremamente detalhado (os pontos sobre a responsabilidade fiscal), passando pelo gravíssimo e pelo calamitoso – declarar guerra a um país sem autorização do Congresso, tentar dar um golpe de Estado, entregar parte do território nacional a uma potência estrangeira etc.

Não é difícil concordar que fechar o Congresso é mais grave do que dar uma pedalada fiscal.

Mas para dois crimes tão diferentes, a pena é a mesma: perda de mandato. Ocorre que existe um princípio que todos admitem como fundamental: proporcionalidade das penas. Uma lei não pode punir crimes de gravidade diferente do mesmo jeito.

O Supremo Tribunal Federal já anulou artigos do Código Penal porque feriam esse princípio da proporcionalidade. Para isso, tem de ser posta em discussão uma Adin (ação direta de inconstitucionalidade), que, se aceita pela Corte, anula os artigos considerados excessivamente severos da lei. Sem dúvida, a lei do impeachment não é um artigo qualquer do Código Penal. Mas define crimes e prevê punições.

Ainda que se possa querer muito que Dilma saia do governo, não é insensato dizer que a punição pelos decretos e pedaladas fere o princípio da proporcionalidade. E que, portanto, pelo menos os artigos na Lei do Impeachment que foram introduzidos em 2000, pela Lei da Responsabilidade Fiscal, estão no mínimo sob suspeita de ferirem a Constituição.

É a sensação que se tem: bomba atômica utilizada para matar uma mosca. O argumento está aí. Que os advogados se pronunciem.”

Fonte: Fernando Nogueira Costa.

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