Por Celso Martins.*
Edificação do século 18 foi Casa de Câmara e Cadeia mas virou Casa do Papai Noel e da Mãe Joana.
É criminoso o que estão fazendo com o prédio da antiga Casa de Câmara e Cadeia, edificação do século 18, imponente, centro dos principais acontecimentos do Estado por mais de dois séculos, situada no coração de Florianópolis, ombreando com a Catedral Metropolitana e o Palácio Cruz e Souza.
Na tarde da última sexta-feira (29.12) um grupo de turistas se reuniu curioso em frente ao imóvel, cercado por tapumes, com placas indicando processo de restauração. Na parte da frente e na lateral da rua Tiradentes, quatro ninhos de joão-de-barro são claros indicadores do abandono. Uma pomba defecando sobre a casinha do pássaro simboliza a importância dada a esse importante patrimônio da cidade.
Três janelões abertos no meio da semana, coincidindo com a chegada de uma onda de calor, indica um local habitado por alguma alma e ou almas desamparadas ou maliciosas. Um turista comentou que “se chover vai encharcar tudo lá dentro”, disse, lembrando a previsão de muita chuva e completa perguntando “como deixaram chegar nesse ponto?”
Thomaz
Bem, foi difícil explicar que o prédio ocupado pela Câmara Municipal foi abandonado em 2006 e deixado sob os cuidados da Prefeitura Municipal. A invés de passar por uma restauração e posterior uso cultural e turístico, se tornou “Casa do Papai Noel” e assemelhados, sub-utilizado, recebendo pregos nas paredes externas e internas, faixas, cartazes e outros adereços. Intervenções promovidas por deslumbrados com o poder, seguindo padrões estéticos de gosto duvidoso mas de grande sucesso entre os das espécie “novus ricus”.
Como a conversa ia chegar a searas outras, segui a trilha da importância daquele patrimônio. Lembrei as informações obtidas no livro1 da professora Sara Regina Poyares dos Reis sobre o tema. O edifício foi projetado e construído por Thomaz Francisco da Costa, açoriano da Ilha do Faial nascido por volta de 1723, tendo chegado à Ilha de Santa Catarina com a grande leva imigratória dos Açores entre 1748 e 1756.
Fachada
No início do século 20 sua construção sóbria ganhou adornos do ecletismo em moda, assemelhando-se ao então Palácio do Governo, feição mantida até hoje. Foi usado pela Câmara nos tempos em que tinha atribuições de Executivo, além do Legislativo, um espaço compartilhado durante décadas pelos dois poderes (Câmara e Prefeitura, surgida no século 20).
Os turistas com seus olhos arregalados escutavam a narrativa entre encantados e atônitos. Alguns tiraram fotografias, outros se movimentaram para observar as laterais do prédio. Eles se despediram, seguindo na direção da Catedral, deixando para trás a imagem do descaso e da incompetência oficiais, o desleixo com nossa memória, o abandono dos marcos físicos e imateriais de nossa História.
Por outro lado
O restauro da edificação de 1854 na Ponta do Sambaqui que serviu de Posto da Alfândega de Florianopolis (e seu Porto), talvez tenha sido a única intervenção positiva no patrimônio histórico-arquitetônico da cidade na última década. Sede da Associação do Bairro de Sambaqui (ABS), conhecido por Casarão da Ponta, o imóvel ainda passa por obras em um anexo na parte dos fundos. Além de sede da ABS, abriga a Cooperativa de Rendeiras de Sambaqui e um grupo de artesãos locais.
1 – POYARES DOS REIS, Sara Regina. A Casa de Câmara e Cadeia da
Antiga Vila de Nossa Senhora do Desterro. Sua História. Florianópolis: Papa-Livro, 2008.
*Celso Martins é jornalista editor do Portal de Notícias Daqui na Rede, bacharel e licenciado em História (Udesc, 2007), residente em Sambaqui.
Fonte: Daqui Na Rede