DW.- Um tanto ansiosas, mas também orgulhosas, elas sentavam-se na sala de audição do Tribunal de Bruxelas para um julgamento a 14 de outubro. São cinco mulheres idosas que concentraram todas as atenções da Bélgica nas últimas semanas.
Noelle, Léa, Simone, Monique e Marie-José acusam o Estado belga de crimes contra a humanidade cometidos nos anos 1950 e 60 no antigo “Congo belga”.
As vítimas são mestiças, descendentes de mães congolesas e colonos belgas. “Éramos filhos do pecado, porque as relações entre negros e brancos eram proibidas. Por isso fomos mal vistas”, Léa Taveres numa entrevista a emissora RTBF.
A Bélgica via estas crianças como uma mancha que tinha de desaparecer das ruas. Como jovens raparigas, as cinco foram, portanto, arrancadas às suas mães e colocadas aos cuidados do Estado sem muitas satisfações às famílias. Foram levadas para reformatórios para serem cuidadas por missionários, como milhares de outras crianças mestiças.
Os queixosos veem a política do Governo belga de lidar como essas crianças como uma forma inaceitável de privação de liberdade e de segregação racial.
Soldados congoleses
Mas as coisas ficaram ainda piores. Após a independência do Congo, em 1960, o a estrutura do clero foi levada para o estrangeiro em segurança. As crianças foram deixadas em paz por um período curto, até caíram indefesas nas garras dos soldados congoleses.
“Ficamos lá para a sua diversão. Todas as noites obrigavam-nos a fazer um ‘filme’. Despiam-nos, afastavam-nos as pernas e punham velas entre eles. Todas as noites. Já não aguentávamos mais”, revela uma das vítimas Monique Bitu Bingi.
Bingi considera a Bélgica parcialmente culpada por este abuso, porque abandonou as crianças. Hoje, as mulheres vivem na Europa, e foram a Bruxelas atrás de justiça. Seria a primeira vez que a Bélgica seria responsabilizada por crimes contra a humanidade.
“Deve-se ter em conta o destino destas mulheres e de muitas outras, e reconhecer-se os crimes que a Bélgica cometeu durante o período colonial”, considera a advogada das vítimas, Michèle Hirsch.
Segredos revelados
Os queixosas já conseguiram que as atrocidades daquela época viessem à luz e fossem discutidas no país. Em 2019, o então primeiro-ministro Charles Michel lutou para obter um primeiro pedido de desculpas.
“Em nome do Estado belga, peço desculpa às [raparigas] mestiças que foram afastadas das suas famílias durante o período colonial e pela injustiça e dor que sofreram”, disse Michel.
Mas o gesto, por si só, não foi suficiente para as cinco mulheres. Cada uma exige 50 mil euros em reparações pela sua dor e sofrimento. Além da indemnização, entretanto, as idosas querem justiça.
“Quando se comete um crime, eles prendem [a pessoa]. Porquê? Porque ela tem de pagar por isso. E este crime também tem de ser compensado. Não se pode simplesmente pedir desculpa por crimes. Não é assim que funciona”, diz Léa Tavares.
O grupo que ingressou com a demanda judicial no Tribunal de Bruxelas quer que as violações dos direitos humanos perpetrada pelo regime colonial belga tornem-se oficialmente reconhecidas. Portanto, apenas um gesto de reconciliação já não é suficiente.