Por José Álvaro de Lima Cardoso.*
Nas últimas décadas as desigualdades sociais têm aumentado, de uma forma geral, nos países desenvolvidos, asiáticos e africanos. Os dados são dramáticos e vêm piorando nos anos recentes, especialmente após a crise de 2007/2008, cujos desdobramentos continuam. Atualmente, 1% das famílias detém aproximadamente 46% da riqueza mundial. No outro extremo a metade mais pobre da população mundial possui uma riqueza inferior à apropriada pelas 85 pessoas mais ricas do mundo. Sete em cada dez pessoas residem em países cuja concentração da renda aumentou nos últimos anos. Ao mesmo tempo, as “saídas” adotadas para enfrentar a crise, especialmente a “financeirização” da gestão empresarial e a primazia do curto prazo na administração das empresas só agravaram esse processo. As políticas de austeridade adotadas na Zona do Euro tornam isso muito evidente. Os cortes nos gastos públicos empobrecem as pessoas e as empresas de uma forma dramática e, ademais, o crédito desaparece.
No Brasil, apesar da pobreza e superficialidade no nível do debate, o perfil de distribuição da renda está na melhor situação da história. Em função da adoção de uma série de políticas, a trajetória da distribuição da renda no Brasil vem caminhando na direção oposta ao que ocorre nos países desenvolvidos. Entre 2002 e 2012, as despesas sociais no país com impacto redistributivo aumentaram 183% em termos reais (acima da inflação). Somente o aumento real do salário mínimo (SM), de 76,62%, entre 2002 e 2015, propiciou aumentos reais no rendimento de milhões de trabalhadores que recebem este valor, além dos beneficiários da Seguridade Social com benefícios de valor até um SM. Os aumentos reais do SM têm, também, reflexos nos valores dos pisos das categorias, que acabam pressionando para cima uma parte significativa da escala salarial, especialmente na base da pirâmide de rendimentos.
O Programa Bolsa Família, o preferido dos críticos mais rasteiros, é uma das ações mais importantes e com o melhor custo/benefício de todas as iniciativas. Retira 55 milhões de brasileiros da fome, com um investimento que representa apenas 0,45% do PIB, insignificante no contexto do orçamento federal. Para termos ideia do significado do custo do Bolsa Família, o governo federal desembolsa em média por ano, com os juros da dívida pública, cerca de R$ 250 bilhões, equivalente a 10 vezes o gasto com o Programa Bolsa Família.
São alguns milhares de super ricos, também conhecidos como “rentistas”, que levam anualmente, sem maiores esforços e sem colocar o pé na fábrica, 6% do sétimo PIB do planeta. E praticamente não se fala sobre isso, seja pela complexidade do assunto para os não “especialistas”, seja em decorrência da influência que os rentistas têm sobre a formação da opinião pública nacional. A compreensão deste tema é vital, especialmente neste momento em que as margens de definição de políticas macroeconômicas se reduziram em função da estagnação econômica e do déficit externo do Brasil.
O processo de melhoria da questão social é tão importante no país que, segundo relatório recente da ONU, o Brasil reduziu em 75% a pobreza extrema, definida como o número de pessoas com renda inferior a US$ 1 ao dia, entre 2001 e 2012. Segundo a FAO (organismo da ONU responsável pela questão alimentar), desde 1990, o percentual dos brasileiros que passam fome caiu de 14,8% para 1,7% da população, equivalente a 3,4 milhões de pessoas. Para o referido organismo da ONU, percentual abaixo dos 5% indica que o país não tem mais fome estrutural, mas somente bolsões isolados de famintos. O acontecimento é um dos mais importantes no Brasil nas últimas décadas – se não o mais – considerando que cerca de 800 milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam uma luta diária para obter comida, a maioria delas concentrada em regiões em situações de conflitos ou com situações climáticas adversas.
Mesmo sendo fundamentais, as melhorias do Brasil são apenas o começo, pois o país ainda se encontra no grupo das nações mais desiguais do mundo. O desafio principal nesse campo consiste em manter o ritmo de diminuição da desigualdade, o que pressupõe acelerar o crescimento da economia. O que não é simples, pois a economia mundial vive uma grave crise desde 2008, que não poupou nenhum país. Inclusive os emergentes, que de forma diferenciada também foram atingidos (no caso da China significou uma desaceleração do crescimento de 11% para 7,5%). Todo esse processo sofre um agravante: as conquistas recentes da sociedade brasileira no campo da renda já foram metabolizadas pelas novas gerações. Para os jovens é como se as menores taxas de desemprego da história e a gradativa melhoria da distribuição de renda não fossem uma dura conquista da sociedade, mas um elemento presente na paisagem política e social do país, desde sempre.
*Economista e supervisor técnico do Dieese em Santa Catarina.