Honduras: jornalismo sob a mira de fuzil (6)

Por Larissa Cabral

Especial em 11 capítulos

Parte 6/11

Capítulo 2: Amarras coloniais e reflexos seculares

Um país dividido em dois, em oposição. Esse foi o resultado do golpe de estado em Honduras, país historicamente marcado por conflitos e dominação estrangeira. Desde sua descoberta, em 1502, por Cristóvão Colombo, que assegurou o controle da colônia espanhola, a região habitada originalmente pelos maias foi palco de lutas sangrentas como contra o conquistador mexicano Hernán Cortés, contra grupos de imigrantes atraídos por minas de ouro e prata, no século XVI, guerrilhas e também por piratas ingleses. Ainda no período de guerras, antes de firmar a colonização, destacou-se o líder indígena Lempira, herói hondurenho, que dá nome à moeda do país.

Em  1822, depois de  romper laços com a metrópole espanhola, as províncias integrantes da Capitania Geral da Guatemala,  da qual Honduras fazia  parte, formaram a República Federal das Províncias Unidas da América Central. Contudo, divergências  entre os  países membros provocaram sua dissolução. Honduras  proclamou-se, então, independente no dia 15 de  setembro de 1821  e, no começo do ano seguinte, uma assembléia constituinte  aprovou  sua primeira Constituição.

No século XX, a banana tornou-se o principal produto de exportação de Honduras, por meio da comercialização feita pelos americanos. A United Fruit Company desempenhou papel fundamental na vida econômica e política hondurenha. Esse século foi marcado por processos políticos graduais e ditadores militares ocupando a presidência muito mais freqüentemente do que civis. O país viveu uma conjuntura de instabilidade por muito tempo, com ditaduras e tentativas de golpes de Estado. Paralelamente, sofria com a crise econômica e o aumento do desemprego, causados pelos excedentes de produção.

Honduras só voltou a ter uma eleição pacífica em 1957, da qual saiu presidente o liberal Ramón Villeda Morales, que promulgou uma nova Constituição. Villeda provocou desconfiança na oligarquia hondurenha, que observava amedrontada o triunfo do comunismo em Cuba. Os oligarcas, então, apoiaram, em 1963, um golpe de estado, que manteve o coronel Osvaldo López Arellano no poder até 1974.

Mais uma vez, em 1969, o setor militar se mostrou enraizado nesse país da América Central, durante um conflito de fronteira com El Salvador. Na “guerra do futebol”, que durou cinco dias, Honduras ganhou a disputa esportiva, contudo, perdeu a militar. Mesmo tendo vencido a guerra, que fora solucionada com a intervenção da OEA, El Salvador se retirou do território hondurenho, que apresentava uma economia ainda mais frágil.

ATROPELO – No dia 28 de junho de 2009, o presidente Manuel Zelaya, que começou seu governo, democraticamente, em janeiro de 2006, iria realizar uma consulta popular, organizada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), órgão semelhante ao IBGE brasileiro. A consulta levantaria a seguinte questão: “Concorda com a instalação de uma quarta urna nas eleições gerais para decidir sobre a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte?” O resultado positivo daria origem a um projeto de lei, que seria apresentado ao Congresso Nacional, para a convocação da quarta urna. No geral, a sensação era de entusiasmo, pois seria a primeira vez que a população iria participar diretamente da tomada de decisão em seu país.

A consulta popular foi desautorizada pelo Congresso Nacional hondurenho e pela Corte Suprema de Justiça. Contudo, Zelaya decidiu realizá-la, ainda que seu valor fosse simbólico. Os militares se recusaram a distribuir as urnas e por isso, o presidente demitiu o chefe das Forças Armadas, Romeo Vasquez Velazquez, que não acatou a ordem e contou com o apoio dos demais comandantes, assim como do Congresso e do Judiciário. A alegação para executar o golpe foi que a intenção de Zelaya seria a reeleição presidencial e que a consulta iria configurar uma desobediência constitucional e uma ameaça à democracia do país.

Apesar de eleito pelo Partido Liberal, conhecido por ser conservador e que tem 120 anos de existência, Manuel Zelaya se mostrou um presidente muito popular, na verdade, populista, que defendia o interesse do povo, muitas vezes contrariando as decisões de seu partido. “A manobra do golpe foi anunciada pelo Comité para la Defensa de los Derechos Humanos en Honduras (Codeh) no dia 14 de maio e estava programada originalmente para o dia 25 de junho”, revela o analista político Ricardo Salgado Bonilla.

“Sou da quarta geração do PL, que tem visões diversas e conseguiu se manter assim porque sempre contou com o princípio da tolerância”, garante Gloria Oquelí de Mocotto, deputada por Honduras no Parlamento Centro-americano e co-presidente do Eurolat – Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana. Depois do golpe, Gloria percebeu que seu partido não gozava de tanta tolerância, como imaginava e atualmente ela milita na Frente Nacional de Resistência Popular. Os liberais estavam muito desorientados, pois nunca haviam dado um golpe de estado e chegado ao poder torcendo os caminhos.  “O partido sempre foi conservador e contra esse tipo de trabalho nefasto, mas agora, os ultraconservadores do PL, prestaram-se a isso”, constata.

Na madrugada do dia 28, data em que seria realizada a consulta popular, a casa do presidente foi invadida pelos militares que, fortemente armados, levaram-no para a base aérea americana de Palmerola e, de lá, para a Costa Rica. Foi uma deportação não autorizada e ilegal. Enquanto isso, Honduras acordava para uma nova realidade: um golpe de estado e uma nação sem governo. As informações chegavam aos poucos aos ouvidos da população. A grande maioria se indignou e foi às ruas para protestar e reivindicar os direitos do povo e também do presidente, escolhido por ela, por vias democráticas. “Não esperávamos um golpe de estado, apesar de sabermos que as chances eram cada vez maiores. Hoje olhamos para trás e vemos sinais do golpe por todo lado, desde2008,”revela o Bonilla.

Ele recorda que o cenário no país, dias antes do golpe, estava tenso. Havia pessoas a favor e contra a quarta urna. Ele conta que o pessoal da direita organizou, com muitos recursos, um enorme grupo de pessoas, que recebia dinheiro, vestimenta e transporte para que marchasse em frente à Casa Presidencial e ridicularizasse Zelaya. “Isso marcou uma tensão tremenda e como eles encontravam com militantes a favor, houve conflitos.”

Todas as nações das Américas, a União Europeia (UE), a Rússia e a Suíça condenaram publicamente a remoção forçada de Zelaya do poder e a maioria dos países, dentre eles o Brasil, definiu a ação como um golpe de estado. Organismos internacionais, como a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), o Mercosul, a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) e a Organização das Nações Unidas (ONU) também condenaram a ação. No dia 30 de junho, a Assembléia Geral da ONU aprovou uma resolução que condena o golpe de estado. O documento afirma que aquele ato “interrompeu a ordem constitucional e democrática e o exercício legítimo de poder em Honduras e resultou na remoção do presidente eleito democraticamente.”

Para o jornalista da Radio Progreso, Gustavo Cardoza, o episódio foi uma espécie de ensaio para reativar golpes desse tipo na America Latina e desacelerar o projeto do socialismo do século XXI. A deputada Gloria Oquelí confirma essa idéia, contando que uma junta de comandantes norte-americanos apareceu na televisão e disse essas mesmas palavras. “Afirmaram que não iam permitir que toda essa mobilização da America Latina se liberasse, chegasse a Honduras e ao Norte”, relembra.

Um documento da embaixada dos EUA em Tegucigalpa, vazado pelo site Wikileaks.org, mostra que a representação diplomática dos Estados Unidos, na figura do embaixador Hugo Llorens, considerou a deposição de Zelaya um golpe de estado. “A perspectiva da embaixada é de que não há dúvida de que o Exército, a Corte Suprema e o Congresso conspiraram no dia 28 de junho para o que constitui um golpe inconstitucional e ilegal contra o Poder Executivo”, diz o documento publicado pelos jornais The New York Times, El País e o Estado de São Paulo. Nesse documento, Hugo Llorens destaca que, independentemente das acusações contra Zelaya, a tomada do poder por Roberto Micheletti foi ilegítima e que as provas apresentadas pela oposição têm pouca consistência.

Na época do golpe o chefe das Forças Armadas era o general de brigada Romeo Vásquez Velásquez, que defende que essa instituição desenvolve uma série de funções, dentre elas a alternância do Poder Executivo e o zelo pelo cumprimento das leis do país. “Na verdade, estávamos apenas obedecendo a preceitos da Constituição da República, sob ordens de autoridades competentes.” Velásquez afirma que as atitudes das Forças Armadas não tiveram nada a ver com o âmbito militar, mas sim político. Para ele, o que existia era um conflito político e diante das funções atribuídas a eles, de acordo com a Constituição, tiveram que agir e cumprir suas tarefas.

O presidente do Congresso Nacional e também membro do Partido Liberal (PL), Roberto Micheletti, foi escolhido como o novo presidente de Honduras, decisão tomada apenas no período da tarde do dia 28. Para que Michelleti ingressasse na Casa Presidencial, milhares de hondurenhos, que se manifestavam no local, foram duramente reprimidos. Foi o primeiro episódio de violência dos muitos que antecederam a sequência dessa história marcante para a política e para os movimentos sociais de Honduras.

Capítulos anteriores:

Cap 1

Cap 2

Cap 3

Cap 4

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