Especial em 11 capítulos
Parte 5/11
Por Larissa Cabral
Continuação do capítulo Jornalistas no Alvo
CENSURA NACIONAL – Em 28 de junho 2009, outro meio de comunicação foi vítima da censura resultante do golpe de estado em Honduras. A Radio Progreso, meio comunitário e jesuíta de San Pedro Sula, cidade de pouco mais de 1 milhão de habitantes, no departamento de Cortés, foi fechada novamente, como fora em 13 de março de 1979, por ordem do Exército. As instalações da rádio foram tomadas por militares, que apontavam suas armas para as cinco pessoas que trabalhavam, naquele dia. O jornalista Gustavo Cardoza, apenas 30 anos, recorda que a única justificativa era que eles tinham ordens de superiores e precisavam fechar o local. “A gente havia decidido, antes de o contingente militar chegar, transmitir apenas música, por segurança pessoal. Havíamos, inclusive, tirado o diretor da rádio daqui, porque ele já tinha recebido muitas ameaças de morte.”
Depois da invasão, os militares comprovaram que os transmissores da Radio Progreso estavam desligados e foram embora, mas, regressaram mais tarde, alertando aos funcionários que, se a transmissão fosse restabelecida, eles voltariam “e as conseqüências seriam piores”. A rádio voltou a funcionar somente no dia seguinte. “Mesmo que estivéssemos com medo, não podíamos acatar a uma ordem arbitrária, afinal, foi um fechamento ilegal, sem nenhum documento que o autorizasse”. Cardoza diz que desde aquele dia, os funcionários sofreram outras ameaças de vários setores, dentre eles do governo e da igreja, mas não interromperam seu trabalho.
A Radio Progreso, apesar de ser jesuíta, não tem função de evangelizar ou pregar, mas acompanha, sobretudo os movimentos sociais e foca na demanda da comunidade em que está localizada e na região. Assim como a maioria de seus funcionários, o público alvo é formado basicamente por jovens, mas sem esquecer da população adulta, principalmente da área rural. O setor jornalístico da rádio defende a saída do repórter para a rua, onde tem contato com a população e acompanha os acontecimentos ao vivo.
“O acompanhamento que damos à população, não passou a existir a partir do golpe, mas desde muito antes, e ele reafirma nosso compromisso com a grande maioria do país”, explica. Ele conta que por causa desse trabalho, muitos de seus colegas já foram ameaçados, alguns já foram presos e outros tiveram suas cabeças colocadas à prêmio. Assim como outros jornalistas hondurenhos, a rádio tem funcionários que vivem com medidas cautelares cedidas pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, ainda que saibam que elas não garantem que nada acontecerá com eles. “O ano de 2010 foi cheio de violência, dez jornalistas foram mortos. Além dos assassinatos, há atentados contra rádios comunitárias, como a Coco Dulce (Faluma Bimetu), a radio La Voz de Zacate Grande, no Sul do país, a Radio Orquídea e a radio do Conselho Cívico de Organizações Indígenas de Honduras (Copinh), por exemplo.”
COMUNIDADE ENCARCERADA – O jornalista Gustavo Cardoza foi preso no dia 14 de agosto de 2009, durante a cobertura de uma marcha da FNRP, que sofreu forte repressão por parte da polícia. Ele reportava ao vivo para a rádio, por volta das 11h, quando a confusão teve início. O jornalista foi identificado e perseguido por cinco policiais. Mesmo depois de se apresentar como profissional de imprensa, Cardoza foi jogado em um carro patrulha com outros manifestantes e todos foram muito agredidos. “Como eu estava fazendo a reportagem ao vivo, eles não tiveram como ocultar o fato. Todos se deram conta. Trinta e duas pessoas foram presas, entre eles menores de idade e dois jornalistas”, contabiliza.
Quando o chefe da polícia, responsável por aquela zona, disse que apenas os jornalistas ali encarcerados deveriam ser soltos, os profissionais não concordaram e afirmaram que só sairiam de lá quando todos os 32 manifestantes fossem liberados também. Depois de algum tempo nas celas, eles obtiveram a permissão para ir ao pátio das instalações da polícia, decisão tomada devido à pressão de pessoas da comunidade, advogados e juízes, que foram protestar na porta da delegacia. “Não que agora eu ache engraçado, mas lembro que, quando nos colocaram na cela, mesmo sem minhas ‘ferramentas’ de jornalista, a primeira coisa que eu fiz foi obter informações sobre meus companheiros de cárcere, foi uma questão de inércia, eu acho, e por isso lembro de muitos detalhes”, conta Cardoza num sorriso meio nervoso.
“Havia muita gente ferida”, conta “todos foram bastante agredidos, física e psicologicamente”. Na cela dele, havia mais quatro pessoas: um senhor chamado Julio, da zona de Aguán, onde há um sério conflito campesino; outro de 62 anos, que tinha em seu rosto um machucado provocado por um golpe de rifle e o último tinha a maçã esquerda do rosto machucada e feridas enormes na cabeça. Cardoza lembra também de outros dois outros senhores que estavam, ainda que presos na cela, algemados, o que, de acordo com o jornalista, era desnecessário. Os carcereiros alegaram que haviam “perdido a chave, no tumulto”.
Um dos 32 presos perdeu tanto sangue por conta de seus ferimentos, que chegou a desmaiar e foi socorrido pelos próprios companheiros de cela. “Havia um médico preso conosco, que acompanhava as marchas para prestar auxilio, e graças a ele, conseguimos reanimar o desmaiado”, conta. Em outra cela, havia pessoas em estado muito mais grave que tiveram que ser levadas ao hospital. “Sabemos que não havia delito por parte dos manifestantes, mas ainda assim a polícia não leu nossos direitos e não nos disseram o motivo das prisões.” Na opinião do jornalista, esse ato representou um atentado à integridade física das pessoas, além de uma violação aos direitos de expressão e de imprensa e, sobretudo, o direito que as pessoas têm de obter informação. Assim como Cardoza, na mesma noite daquele dia tenso e violento de protesto em San Pedro Sula, todos os manifestantes conseguiram sua liberdade.
“Eu fiz uma denúncia, que está em instâncias nacionais, mas só para documentar precedente porque sei que não vão fazer absolutamente nada. Há denúncias também no plano internacional, mas as estruturas de justiça do meu país não funcionam”, indigna-se. De acordo com o jovem funcionário da Radio Progreso, nos primeiros meses depois do golpe, houve muita tensão nas ruas. Em sua opinião, ela ainda existe, mas a repressão é mais sutil, por meio de ameaças e assassinatos mais seletivos. Cardoza sente-se ressentido por ver a tranqüilidade de jornalistas das grandes corporações hondurenhas, que trabalham como se nada estivesse acontecendo, enquanto quem quer fazer um trabalho diferente, enfrenta dificuldades. “Alguns profissionais são protegidos e cuidados, outros sofrem muito. É uma das contradições da justiça, em Honduras.”, conclui Cardoza.