ESPECIAL EM 11 CAPÍTULOS
Parte 3/11
Por Larissa Cabral
Continuação do capítulo Jornalistas no Alvo
BOCAS FECHADAS – A preocupação e as medidas tomadas pela segurança de Rony e sua família não eram em vão porque, assim como diversos jornalistas hondurenhos, eles viviam sob ameaças e sofreram atentados algumas vezes. Desde julho de 2009 até maio de 2011, 13 jornalistas foram assassinados em Honduras, segundo o Comitê pela Livre Expressão C-Libre. No dia 17 de maio de 2011, a Anistia Internacional publicou um relatório no qual aponta a América Latina como a segunda região mais perigosa do mundo para jornalistas. Honduras está na lista de países onde a imprensa não é considerada livre ou independente, juntamente com o México, atrás apenas no Paquistão.
Um relatório da Freedom House concluiu que, “a capacidade de jornalistas de trabalhar com segurança em Honduras foi severamente comprometida no início de 2010” por um aumento acentuado de assédio e ataques, incluindo a morte de seis jornalistas somente no mês de março de 2010. A agressão e a intimidação vieram de ambos os lados do espectro político, e o aumento da violência tem sido “acompanhada de um clima de impunidade em que as mortes de jornalistas não são investigadas em profundidade, ou em tempo oportuno”.
De acordo com o Comitê de Familiares de Presos Desaparecidos em Honduras (Cofadeh), os jornalistas assassinados desde 3 de julho de 2009 até maio de 2011 foram: Gabriel Fino Noriega, Joseph Hernández Ochoa, David Enrique Meza, Nahúm Palácios, José Bayardo Mairena, Manuel Juarez, Luis Antonio Chávez Hernández, Luís Arturo Mondragón, Israel Díaz Zelaya, Henry Suazo, Héctor Francisco Medina Polanco e Luís Mendonza.
CLANDESTINOS – No dia 28 de setembro, a Radio Globo voltou a ser invadida pelos militares. “Acredito que 28 de setembro foi o dia mais doloroso”, afirma Manuel Alvarado, técnico da rádio. Como todos os dias, Alvarado e Rony Martínez chegaram juntos ao prédio. O céu ainda estava escuro, mas em poucos minutos deveriam colocar o programa no ar. No dia anterior, a Radio Globo havia sofrido novas ameaças telefônicas alertando que a emissora “deveria calar-se ou ser tirada do ar”. Nessa época, um vigia chamado Carlos trabalhava para a rádio.
David Romero Ellner, Martínez e o técnico subiram os dois vãos de escada, abriram as portas e começaram a se preparar para começar o Noticias Radio Globo. Poucos minutos depois de iniciarem, o celular de Manuel toca e o identificador de chamadas acusa uma ligação do vigia. “Manuelito, saiam daí, vão embora, escondam-se. Há cerca de dez contingentes militares chegando, armados até os dentes. Estão subindo e cercando a rádio, até no teto. Saiam daí porque eles estão prontos para atirar”.
Alvarado avisou Ellner. Os três homens respiraram fundo e foram ver o que estava acontecendo. De fato todo o Boulevard Morazán estava cheio de contingentes. Eles voltaram aos microfones e David começou a contar a todos os ouvintes da Radio Globo o que estava acontecendo. Mais uma vez, os militares tinham um grande instrumento, que era levantado por vários homens, para forçar os portões da rádio e assim o fizeram. “Podíamos ouvir os estrondos aqui de dentro. Nesse momento, o vigia me ligou novamente. ‘Irmão, vão abrir!’. Ao ouvir os golpes, senti medo, muito temor. Pessoas que querem entrar a força não trazem nada de bom, não é?”, indaga Manuel Alvarado.
Enquanto se ouvia os militares tentando romper a entrada, o diretor-executivo da rádio narrava ao vivo o que estava acontecendo. O passo a passo da invasão foi ao ar, para toda a sua audiência. Os militares estavam tomando a Radio Globo mais uma vez, iam entrar e para os que estavam lá dentro, talvez fosse a última vez que fossem falar naqueles microfones. “Não sabíamos o que eles iam fazer, como iriam reagir, o que tinham em mente. Iam nos capturar? Agredir? Matar? Só restava esperar eles conseguirem entrar para ver o que iria acontecer”, conta Alvarado.
“Nesse momento, como dizem por aí: um homem prevenido vale por dois. Na noite do dia 27, havíamos deixado uma corda na parte de trás do edifício para escapar”, conta com entusiasmo o rapaz de bigode volumoso e cabelo muito negro, enquanto opera a mesa de som. Para ele, as declarações daquela noite, veiculadas nos meios conhecidos como “golpistas”, e as declarações de Roberto Micheletti davam a entender que iriam fechar a rádio. “Eles nos viam como insubordinados, mentirosos, que afetavam os seus interesses, então, de certa forma, estávamos sob aviso.”
Quando perceberam que os invasores estavam perto, os apresentadores se despediram dos ouvintes. Achavam que seriam mortos e com isso em mente, fizeram os últimos pronunciamentos no ar. O técnico avisou Martínez que não havia mais tempo. “Era possível senti-los aqui dentro.” Alvarado abriu todos os microfones, inclusive o de dentro da cabine de som, deixaram tudo no automático e saíram correndo.
O primeiro a se atirar foi o jovem locutor. Nesse momento, Fausto Villatoro, fotógrafo e irmão do dono da Radio Globo, ligou para os colegas e disse que iria esperá-los no portão do terreno trás do edifício. Ele estava de carro e disse que iria socorrê-los. O próximo a descer foi Ellner, deixando o técnico por último. Segundo ele, sentiu vontade de se jogar, porque o diretor-executivo, “por ser um pouco mais gordinho”, demorou muito. “Don David, apure-se, apure-se! Eles estão vindo”, gritava Alvarado, enquanto segurava um laptop e uma maleta. Depois que o técnico se lançou, os três começaram a correr em direção ao portão. Ao chegar lá, encontraram a saída trancada e de longe já viam os militares dentro da rádio.
“Meu Deus, vão disparar”, falou Ellner, temeroso. Havia um homem, que estava cuidando do terreno, ao qual pediram ajuda. “Irmão, querem nos capturar. Abra o portão para que possamos sair”, pediram. Fausto Villatoro já os esperava do outro lado. O homem, meio sonolento, levantou-se da cama. O portão não tinha um cadeado, mas era fechado por uma espécie de grande parafuso, com uma porca de aproximadamente dez polegadas de largura. “Ainda tivemos que desenroscar aquilo. Estávamos desesperados. Se pegassem David, não sei o que aconteceria com ele”, lembra com angustia Alvarado.
Eles subiram no carro do jeito que foi possível e foram para a casa de Alejandro Villatoro, em Las Lomas. Como a rádio já estava fora do ar, começaram a pensar no que iriam fazer. Por precaução, já haviam deixado alguns equipamentos na casa do dono da Radio Globo, devido às advertências da noite passada. “Sabíamos que algo incomum iria acontecer. Os militares tomaram a rádio, fecharam-na, destruíram tudo e deixaram todos sem ouvir a verdade”, conta o técnico.
Depois de armarem os equipamentos, foram procurar um local para transmitir. Dirigiram-se ao apartamento do irmão de Alejandro Villatoro, Tito, no bairro Las Vegas, e lá montaram acampamento. Por volta das 10h, já estavam com um servidor para transmitir pela internet. “Os golpistas ficaram muito bravos porque hoje em dia, todos têm computador e internet e estavam nos escutando por esse meio. Não estávamos completamente calados”.
Nessa invasão o estrago foi muito maior. “Levaram dinheiro, computador, muitas coisas”, revela Alejandro Villatoro. David Romero Ellner acrescenta que nesse dia, levaram todo o equipamento, inclusive a mesa de som. “Nessa ocasião, eu chorei porque me senti impotente”, confessa. A Radio Globo teve que ser fechada no dia 28 de setembro e só voltou a funcionar no dia 19 de outubro. Durante esse período, mantiveram a transmissão pela internet, apenas com a programação musical e eventuais informes.
Várias rádios de todo o país passaram a transmitir o sinal clandestino da Radio Globo, no dia 28 de setembro: Radio Gualcho, em Tegucigalpa; Radio Del Ocidente, em Copán; Radio Progreso, em Progreso; Radio Uno, em San Pedro Sula, por exemplo. Ellner acredita que o sinal da rádio assegurou 80% de cobertura no território nacional pela internet, com uma inédita ajuda popular. “As pessoas nos carros, com internet móvel, conectavam ao sinal da rádio e colocavam nos auto-falantes. Em alguns bairros, moradores posicionavam equipamentos de som potentes nos pátios e ficavam nos escutando. Foi um fenômeno muito bonito e acredito que nossa decisão foi correta”.
Manuel Alvarado diz que sua família ficou preocupada com o fechamento da rádio e por não saber se ele iria voltar a ter trabalho. “Fiquei incomodado e triste porque tenho amor por esse veículo e gosto de trabalhar aqui. Chegamos a pensar que Radio Globo não ia mais voltar”. De acordo com ele, é difícil encontrar trabalho em Honduras, ainda mais depois do golpe. “Iriam perguntar de onde eu vinha e eu iria dizer ‘Radio Globo’ ”. A negativa seria quase inevitável.
AMEAÇA NO BOLSO – Mesmo com a rádio fechada, Alejandro Villatoro continuava a pagar os funcionários e contas da empresa. “Alguns amigos diziam que eu não deveria me envolver em mais problemas. Eu sabia que ia perder anunciantes, mas não me importava”, relata com a expressão tranqüila. Ele estava certo: a publicidade só voltou em maio de 2010, depois de aproximadamente de um ano sem anunciantes. “Conseguimos nos sustentar por causa da ajuda financeira das minhas outras empresas. O mais importante era continuar informando. Paramos somente algumas horas.”
Segundo o diretor executivo da Radio Globo, antes do golpe eles tinham muitos anunciantes, como uma empresa de telefonia celular, uma distribuidora de veículos, entre outros. “Acredito que alcançava cerca de um milhão de lempiras em publicidade que, como em qualquer empresa comercial, era o que sustentava o nosso trabalho e mantinha a rádio funcionando”, estima.
Na opinião de Ellner, o dono da rádio não visa ter muito lucro. “Ele busca o suficiente para pagar a planilha. Se sobrar para ele, tudo bem. Senão, tudo bem também, porque ele tem outros meios de ganhar dinheiro”. Ele explica que Villatoro tem outras empresas, (como a Água Avia, de purificação e engarrafamento de água) que geralmente são quem pagam as contas. “É uma boa política, que não é típica da maioria dos outros empresários daqui.”
David Romero Ellner conta que, na época do golpe de estado, eles tinham publicidade institucional, do governo e privada. “Sofremos muito economicamente. Os golpistas fizeram uma reunião com empresas privadas e ordenaram que, quem tivesse publicidade com a gente, interrompesse.” O governo, lógicamente, cortou a sua parte imediatamente. Os únicos anúncios que restaram foram da Água Avia e a Toyota, que solicitou, na época, que não transmitissem a publicidade, mas mantivessem o contrato.
Mesmo recorrendo ao seu próprio dinheiro, oriundo de outros negócios, para pagar os salários dos funcionários, em dezembro de 2009, Villatoro avisou que não estava mais dando conta da demanda. Ellner e o dono da rádio reuniram a equipe e disseram que não tinham a intenção de despedir ninguém, mas que estavam juntos em uma situação bastante delicada. “O pessoal entendeu e assim sobrevivemos, mesmo sem fundos”, garante o diretor-executivo da Radio Globo.
Como em qualquer país, em época de campanha política em Honduras, geralmente, os meios de comunicação faturam muito. “Em um período normal de campanha” Ellner acredita que “faturaríamos algo em torno de seis, sete, oito milhões de lempiras, só de setembro a dezembro”. Mas a rádio ficou de fora das eleições presidenciais do país, no final de 2009. “Não nos permitiram nada, mas assim passamos.”
Em janeiro de 2010, quando o governo de Porfírio Lobo Sosa já havia assumido, uma das primeiras coisas que o presidente fez foi ligar para Ellner. “Somos amigos pessoais, da década de 70. Ele foi de esquerda, comunista. Temos uma amizade muito bonita.” Lobo comunicou que iria apoiar a Radio Globo. Pediram que mandassem um contrato de publicidade para campanhas do governo, então, a rádio recomeçou a faturar.
Tanto que o diretor-executivo, atualmente, comemora: a Radio Globo está muito bem posicionada, geralmente, em primeiro lugar de audiência. Por isso, as empresas privadas estão voltando, pouco a pouco, a anunciar. Apesar de ainda não apresentarem a mesma quantia de anunciantes em relação à época do golpe, eles já têm, por exemplo, publicidade com empresas de telefonia celular como Tigo, Claro, Digicel. “Já há dinheiro indo para o banco e acredito que isso seja mérito da nossa audiência.”
As empresas estão se dando conta que a audiência da rádio é de um público de grande poder de consumo. São pessoas da classe média, classe média baixa, alvo das agências de publicidade. Com isso, os anunciantes estão chegando aos poucos e comprando espaços para anunciar. David Romero Ellner revela preocupação e preza pelo cuidado para não comprometer a política editorial da rádio com a publicidade. “A propaganda não vai determinar o nosso conteúdo. Não vai definir o que temos ou não que dizer, como vamos dizer, quem devemos favorecer ou combater”, explica.
O mega-empresário hondurenho Miguel Facussé, que é considerado suspeito de casos de repressão violenta e assassinatos de camponeses em El Bajo Aguán, quis anunciar na Radio Globo. O diretor-executivo foi pessoalmente perguntar o motivo do interesse e Facussé disse que era porque eles tinham muita audiência. “Perguntei-lhe se queria algo a mais e ele disse que não, não impôs nenhuma condição.” Segundo Ellner, os microfones da rádio estão abertos à população e, constantemente, ligam para protestar e dizer que o mega-empresário é assassino, por exemplo. “Nós deixamos que se expressem”, confessa.
David Romero Ellner acredita que a reaproximação da rádio com o governo atual pode ter sido um pouco influenciada pela sua amizade com Pepe Lobo, mas esse fator não foi determinante. A política do presidente, assim com a dos meios de comunicação tradicionais, em geral, é para passar a idéia de que o princípio da liberdade de expressão não é violado em Honduras. “Até agora, durante o governo de Porfírio Lobo Sosa, jamais me ligaram para dizer ‘fale isso ou não fale aquilo’. Não sentimos a pressão que sentíamos no governo de Micheletti”. Na opinião do jornalista, o objetivo do governo Sosa é mandar ao exterior a mensagem de que a liberdade de expressão foi restituída.
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Honduras: jornalismo sob a mira de fuzil (1)